SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 16 de junho de 2019

DEPOIS DO FIM DESTE MUNDO ! UMA NOVA ERA GEOLÓGICA NECESSITA UM NOVO SER HUMANO E CIVILIZAÇÃO.



Se toda a história da Terra fosse condensada em apenas um dia, estaríamos nos últimos 20 segundos.
Não se engane: não faz muito tempo que habitamos este planeta!

Mas o impacto que já deixamos por aqui é significativo.
Por isso, os cientistas Paul Crutzen e Eugene F. Stoermer dizem acreditar que vivemos numa nova era geológica, que chamam de Antropoceno.

Para eles, as atividades humanas, da agricultura ao desenvolvimento do plástico, do concreto e da energia nuclear, passando pelo aquecimento global, vem afetando a Terra de tal forma que criamos um novo período de tempo geológico.

Mas qual será o futuro do nosso planeta nesta nova era?



No ano que vem, geólogos do mundo todo devem discutir, e talvez chancelar, uma proposta que rebatiza a fase da história da Terra em que vivemos. Para os numerosos defensores dessa ideia, já estaríamos em pleno Antropoceno, a época geológica marcada pelos efeitos da ação humana sobre o planeta. Até que ponto essa redefinição é sólida e quais são suas implicações para o futuro da humanidade?

A história intelectual desse debate, que ainda está distante de terminar, é o tema do novo livro do economista José Eli da Veiga, “O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra”. 

Veiga, que é professor do Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos grandes nomes do Brasil em pesquisas sobre desenvolvimento sustentável, produziu um volume de tamanho modesto que empacota boa parte dos conceitos-chave para entender como cientistas e ambientalistas passaram a conceber o funcionamento do planeta nas últimas décadas, bem como o impacto crescente de uma espécie, o Homo sapiens, sobre esse sistema planetário.

Existem muitas maneiras de contar essa história, e o especialista não se furta a explorar várias delas. Há, por exemplo, a influência da chamada hipótese Gaia, inicialmente formulada nos anos 1970 pelo britânico James Lovelock e pela americana Lynn Margulis.



Os dois postularam que o planeta se comportava de forma similar a um gigantesco organismo vivo do ponto de vista da regulação constante de seus parâmetros.

Segundo essa visão, Gaia estaria mantendo os parâmetros planetários dentro de fronteiras favoráveis à manutenção da vida. Ao chacoalhar os andaimes que sustentam esses parâmetros, a ação coletiva dos seres humanos poderia tirar Gaia de sua zona de conforto.

Hoje, é difícil achar cientistas que abracem uma versão “forte” da hipótese Gaia, com aspectos que beiram o místico. Por outro lado, cresce o consenso de que vivemos num mundo profundamente transformado pela chamada Grande Aceleração de meados do século 20 em diante.

Nesse processo, o Homo sapiens tem alterado radicalmente a composição da atmosfera e dos oceanos, produziu centenas de milhões de toneladas de compostos nunca vistos na natureza (como o plástico) e passou a se apropriar de cerca de metade de toda a biomassa produzida por vegetais terrestres.

Foi graças a essas transformações facilmente mensuráveis que se fortaleceu a proposta de rebatizar o período dos anos 1950 em diante (grosso modo) de Antropoceno, deixando para trás o Holoceno, período que começou há cerca de 11 mil anos, com o fim da Era do Gelo e a aurora da agricultura.

Os geólogos estão debatendo os métodos mais apropriados para localizar, em camadas de rocha, sedimentos marinhos e capas de gelo polares, o momento que será convencionado como o início oficial do Antropoceno.

Até aí, tudo faz sentido, diz Veiga, que aposta numa rápida oficialização do termo em 2020, apesar da oposição de alguns geólogos ao que enxergam como instrumentalização política do Antropoceno. O passo seguinte do autor, porém, é mergulhar numa das questões mais espinhosas da história recente da ciência: até que ponto já chegamos a uma revolução conceitual acerca do funcionamento do planeta como sistema único?

Essa era a promessa da chamada ciência do Sistema Terra, citada no título do livro. No fundo, é isso o que buscam alcançar organismos como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), órgão ligado à ONU.



O problema é que, se ainda é difícil criar modelos matemáticos que consigam estimar com precisão o papel da atmosfera, dos oceanos e da cobertura vegetal no clima do futuro, engatinhamos no que diz respeito aos fatores econômicos, sociais e políticos.

E jaz aí a maior ironia: se já adentramos a Era do Homem, são justamente esses fatores humanos —difíceis de medir, rapidamente mutáveis e não lineares— as principais variáveis para prever o destino do “Sistema Terra”. 

O livro, portanto, é o relato de uma revolução conceitual incompleta e um chamado às armas, em certo sentido: achar métodos para fazer com que todas as peças —físicas, biológicas e humanas— se encaixem é essencial para traçar cenários do futuro e, se for o caso, tentar evitá-los.

Sigmund Freud certa vez disse que a humanidade cresce quando cai do pedestal, quando é atingida em suas feridas narcísicas. Segundo ele, isso havia acontecido com Galileu Galilei (a Terra é um pequeno ponto entre bilhões e bilhões de galáxias), com Darwin (somos parte da história da evolução pela seleção natural) e com ele mesmo, Freud (o inconsciente nos move mais que os processos mentais conscientes).

Stephen Jay Gould, o grande paleontólogo e divulgador da ciência no século XX, acrescentou: “Agora está na hora de cairmos de um outro pedestal, com a descoberta do tempo longo.” De fato, a humanidade é muito poderosa no seu tempo curto, mas não tem poder algum no tempo longo da natureza ou no tempo longuíssimo do Cosmos. Na escala temporal do planeta, de centenas de milhões de anos, a humanidade é completamente impotente para gerar dano significativo à natureza. Para ilustrar, basta lembrar que há 65 milhões de anos, quando o asteroide caiu na península de Yucatán, no México, dando o golpe final no processo de extinção de espécies iniciado alguns milhões de anos antes, gerou um impacto muitas e muitas vezes superior a todo o arsenal nuclear hoje existente.



Mas essa não foi a única perda de biodiversidade em grande escala na história: entre as várias existentes, cinco são conhecidas como as grandes extinções. Esta a que nos referimos foi a grande extinção do término do Cretáceo, famosa por ter tido sua principal causa descoberta, o asteroide, e também pelo conhecido fim dos dinossauros – exceto de seus descendentes voadores, as aves. Agora, se compararmos os poderes destrutivos da humanidade à grande extinção do fim do Permiano, por exemplo, que há cerca de 235 milhões de anos causou o desaparecimento de 10% das espécies marinhas e 70% dos vertebrados terrestres, nota-se como a força humana fica ainda mais reduzida.

E se acrescentarmos o fato de estarmos no topo da cadeia alimentar, deduz-se facilmente qual seria o desfecho da humanidade no caso hipotético de que ela presenciasse qualquer um desses eventos. Mesmo com todas as forças e poderes de que dispomos hoje, certamente não sobreviveríamos. Assim, mesmo que a humanidade tenha desenvolvido um ingênuo sentimento de onipotência, graças ao aumento do seu poder sobre a natureza, na escala do tempo longo o Homo Sapiens não tem força ou capacidade para gerar um dano notável ao planeta. Provocaríamos, no máximo, mais uma grande extinção, ao final da qual uma nova era, com uma nova biodiversidade, surgiria (calcula-se entre 5 e 10 milhões de anos o tempo de recuperação da natureza após cada uma das cinco grandes extinções).

A consciência e a preocupação com o meio ambiente não deveriam, portanto, ser vistos como mera decorrência de uma postura paternalista em relação ao meio natural, mas, ao contrário, como fruto do reconhecimento de nossa impotência e dependência com relação à casa onde moramos, a Terra.
  
O risco de extinção que pesa sobre o futuro diz respeito menos à natureza do planeta que à humanidade.



Se nos perguntamos qual a extensão e a profundidade do risco a que está sujeita a civilização, a resposta é limitada: até onde é possível saber, não se configura uma perspectiva de apocalipse ou catástrofe insuperável. Mas é justamente por não se saber ao certo “até onde é possível saber” que não podemos nos tranquilizar. A incerteza deveria ser o indicativo suficiente de que estamos num caminho insustentável para o desenvolvimento da espécie humana.

A avaliação que permitiria entender se o rumo atual da humanidade é ou não sustentável deveria ser feita no contexto de uma análise de risco essencialmente igual à que cada indivíduo utiliza no seu dia a dia, ou à que empresários utilizam ao tomar decisões relacionadas a seus negócios.

A perspectiva da insustentabilidade se confirmaria não apenas pelo que sabemos, mas, sobretudo, pelo que não sabemos. Em sua dimensão conhecida, as estatísticas tornam a crise ambiental do século XXI evidente. Indicadores sugerem cenários com forte tendência à degradação da capacidade de renovação natural dos serviços fundamentais à qualidade da vida humana em velocidade condizente com as taxas previstas para sua utilização (clima, água doce, solos férteis, biodiversidade).

Entretanto, pouco sabemos sobre a liberação de metano que o aquecimento global pode provocar no solo congelado da Sibéria, conhecido como permafrost, onde são imensos os estoques desse poderoso gás de efeito estufa. Tampouco conhecemos a fundo a dinâmica dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida, o que é determinante para os cenários de elevação do nível do mar. Da mesma forma, somos ignorantes sobre a resiliência do atual equilíbrio ecológico e a taxa brutal de extinção das espécies. Como se vê, podemos estar gerando processos irreversíveis que trariam consequências potencialmente catastróficas para a civilização e a espécie humana. Para qualquer mentalidade racional, o princípio da precaução é imperativo aplicável.

De outro lado, pode-se afirmar que o modelo de desenvolvimento atual é insustentável, pois não apenas desconhecemos o verdadeiro significado do conceito de “desenvolvimento sustentável” como não sabemos medir a noção de sustentabilidade com precisão. Há muitos esforços importantes sendo despendidos para que nos aproximemos de melhores mensurações da ideia de sustentabilidade. A medição do Produto Interno Bruto (PIB) dos países está sob implacável crítica por suas grandes fragilidades. A forma insuficiente e equivocada com que os recursos naturais são considerados nas contas nacionais é uma das principais razões dessa crítica. Também a Comissão de Estatística das Nações Unidas tem promovido, com instituições nacionais, a elaboração de uma família de indicadores de desenvolvimento sustentável. Enfim, muitos indicadores sintéticos e outras formas de avaliar a sustentabilidade do desenvolvimento atual estão sendo aprimorados.


Por esses motivos, uma reflexão profunda sobre a expressão “desenvolvimento sustentável da humanidade” é a maior riqueza que os seres humanos podem ter hoje em suas mentes e corações. Caberia a nós problematizar essa expressão em todos os seus termos – humanidade, desenvolvimento e sustentável –, uma vez que o conceito ainda soa como uma rica incógnita a ser explorada.

Do termo “humanidade” deve-se dizer que esta só existe em abstrato. O que existe na realidade concreta e faz parte da constituição, inclusive genética, do Homo Sapiens são os clãs, as tribos, as nações. Um homem que pense, tome decisões e aja em função do destino futuro, não imediato, da humanidade já será um humano diferente, reconstruído pela cultura em relação aos humanos de hoje.

Quanto a “desenvolvimento”, lembremos que a identificação entre esse termo e crescimento econômico, avaliado quantitativamente, foi apenas o produto de uma época histórica em fase de superação. A inclusão de objetivos mais amplos na perspectiva humana, como expresso no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH – criado pelo Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen), é um grande avanço, mas ainda não incorpora os desafios maiores da questão do desenvolvimento sustentável. Finalmente, o significado de “sustentável” vai além de algo apenas duradouro, como o senso comum costuma entender, e significa muito mais que o compromisso com as futuras gerações. Do mesmo modo que a consciência humana, o termo “sustentável” diz respeito ao tempo, não o tempo curto – o da espécie humana –, mas todos os tempos, inclusive o longo – o do Cosmos. E o que distingue os humanos na natureza senão a consciência?

A onipotência de uma humanidade que vive ainda sua infância e que desconhece, como sociedade, a existência de limites, precisaria ser superada. A civilização humana precisaria ser mais “consciente”.



Até pouco tempo, a expectativa de vida dos seres humanos era baixa e nosso impacto ecológico era restrito tanto no que se refere ao espaço quanto ao tempo. No período anterior à Revolução Industrial, quando se deram os primeiros impactos relevantes da ação humana sobre o planeta, as consequências foram locais: espaços insalubres, rios poluídos, o ar das cidades contaminado. Com o crescimento econômico, as consequências se tornaram regionais: toda uma bacia hidrográfica prejudicada, um bioma inteiro (como a Mata Atlântica) devastado. Há cerca de cinco décadas essa escala se alterou e as agressões ambientais tornaram-se planetárias. Agora nosso impacto é global e suas consequências se estendem por séculos. Hoje, por tamanha alteração na paisagem do planeta decorrente das ações humanas, consagra-se na ciência o termo Antropoceno para designar a atual era geológica.

Se nos últimos trezentos anos houve um desenvolvimento extraordinário que aumentou a expectativa de vida, reduziu a mortalidade infantil, educou populações, diminuiu a violência e fez aumentar em muito o bem-estar do ser humano, devemos estar atentos aos numerosos problemas não resolvidos: a pobreza de bilhões de pessoas, a enorme desigualdade, a permanência de inúmeras agressões aos direitos humanos fundamentais, a existência de países onde não há liberdade democrática e, ainda, a permanência da discriminação étnica, por orientação sexual ou de ideias, incluindo crenças religiosas ou ausência de crenças.



Há muitos esforços importantes sendo despendidos para que nos aproximemos de melhores mensurações da ideia de sustentabilidade. A medição do Produto Interno Bruto (PIB) dos países está sob implacável crítica por suas grandes fragilidades.
Em resumo, nessa balança, em que pesam avanços extraordinários e questões fundamentais não resolvidas, acrescenta-se, afinal, o outro tema que estará no centro da história do século XXI: a crise ecológica global e o desafio de se construir uma civilização fundada no desenvolvimento sustentável.

Por conta do impacto da crise ecológica global sobre a economia mundial e, principalmente, sobre o bem-estar e a liberdade das pessoas, em especial das centenas de milhões mais pobres, vulneráveis e sem recursos de defesa, a espécie humana enfrentará nas próximas duas décadas desafios que podem ser considerados inéditos, se tivermos em vista os termos do horizonte temporal em que serão feitas nossas escolhas. Em quanto aqueceremos a temperatura média do planeta no futuro (entre 2 e 5 graus Celsius)?; provocaremos imensas mudanças climáticas?; que percentual (entre 10% e 30%) das espécies vivas no planeta serão extintas para sempre?



A escolha é nossa e deve ser feita agora: ou seremos uma humanidade que permanecerá na desmedida e no egoísmo da “infância” ou ampliaremos nossa consciência no tempo, gerando uma revolução do pensamento tal como aquela que o Renascimento representou para a história.

O conceito de sustentabilidade nos remete assim à necessária expansão das fronteiras do tempo, à ampliação das categorias temporais com que costumamos considerar as gerações do futuro, mesmo as mais distantes. Como observou notavelmente o escritor Jean-Claude Carrière, o termo “desenvolvimento” é etimologicamente inequívoco em várias línguas. Desenvolver não significa apenas “ampliar, crescer”, mas sim “des(fazer) o que está envolvido”; ou “‘des(arrolar) o que está arrolado”; ou ainda, em francês e inglês, “développer/to develop”, isto é, “des-envelopar”. Trata-se, portanto, de um processo no qual um potencial que está contido, preso em determinadas circunstâncias da história, é libertado. Ou seja, trata-se de um processo definido pelo tempo.

A escolha é nossa e deve ser feita agora: ou seremos uma humanidade que permanecerá na desmedida e no egoísmo da “infância” ou ampliaremos nossa consciência no tempo, gerando uma revolução do pensamento tal como aquela que o Renascimento representou para a história.

Para Santo Agostinho existiriam três tempos: o tempo presente das coisas presentes, o tempo presente das coisas passadas e o tempo presente das coisas futuras. À nossa espécie caberia agora o maior desafio do século XXI: construir um ser humano capaz de ser, ver e agir por todos esses tempos.

A questão do desenvolvimento sustentável se confunde então com a questão da consciência humana. A pergunta “O que é o desenvolvimento sustentável?” poderia ser lida também na pergunta “Quem é o ser humano?”. E a resposta para a pergunta sobre o que poderá ser o desenvolvimento sustentável poderia ser também a resposta sobre quem será o humano do amanhã que o próprio ser humano construirá.

Por isso necessitamos de uma Nova Escola e Universidade.



Nenhum comentário:

Postar um comentário