Agência O Globo
| 28/08/2022 07:28
A população vai envelhecer e diminuir antes que tenhamos chegado a um padrão de bem-estar social elevado e ao futuro promissor esperado. A pandemia deixou sua marca, com quase 700 mil mortos, antecipando a redução populacional para o fim desta década, nos cálculos da pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Pelas estimativas anteriores, esse encolhimento só aconteceria na segunda metade da década de 2030. E essa população menor estará mais velha: um em cada quatro brasileiros terá 60 anos ou mais em 2040.
A gigante parcela de mão de obra jovem que marcou o Brasil durante as últimas décadas vai diminuir em todo o país, inclusive no Norte, a mais jovem das regiões. Daqui a 20 anos, não teremos conseguido erradicar a miséria, ter a totalidade dos adolescentes no ensino médio ou superior e seguiremos como um dos países mais desiguais do mundo.
Longe da OCDE
Especialistas que fizeram as previsões para o Brasil daqui a 20 anos, tomando por base o desempenho nas últimas décadas, alertam que, se não acelerarmos o investimento em educação e no combate à desigualdade, continuaremos com mazelas há muito superadas no mundo desenvolvido, tendo que aumentar recursos para saúde, já que teremos 26,5 milhões de pessoas com 70 anos ou mais em 2040.
"Com mão de obra menor, ela precisa ser altamente qualificada e ter investimento em inovação e desenvolvimento tecnológico, para aumentar a produtividade, para compensar", afirma Ana Amélia.
Ter mão de obra mais bem formada, com salários mais altos, ajudaria no financiamento da Previdência Social, uma questão crucial quando 25,7% da população terá 60 anos ou mais, diz Ana Amélia. Atualmente, para se aposentar, as mulheres precisam ter 62 anos e os homens, 65 anos:
"Já que teremos menos gente demandando educação, é possível melhorar a qualidade. E não é só isso. As crianças que estão nascendo são, em sua maioria, de famílias pobres. Tem que investir em saúde e nutrição, focar nessas crianças. E atacar a mortalidade alta de jovens e jovens negros. Estamos perdendo população jovem porque não está nascendo e pela morte precoce”.
A população vai diminuir porque as mulheres passaram a ter menos filhos. Entre 1940 e 1960, elas tinham em média 6,2 filhos, hoje têm 1,7 filho.
Desde 2000, a taxa de natalidade está abaixo do que seria necessário para repor a população, que é de 2,1 filhos por mulher. Na pandemia, houve menos nascimentos, e a mortalidade materna foi sete vezes maior que a média mundial.
Na educação, ainda há uma janela “estreita” de oportunidade para formar essa população jovem que diminui, na visão do economista Ricardo Henriques, colunista do GLOBO e superintendente-executivo do Instituto Unibanco.
A população em idade escolar vai cair 12%, para 3,3 milhões. O desafio será manter igual nível de investimento público, mesmo com menos alunos:
"Teremos os desafios de qualquer sociedade que envelhece, mas, além disso, carregando um volume de estudantes com enorme defasagem idade-série, fruto de uma política educacional marcada pela cultura da reprovação. Chegamos tarde ao desafio contemporâneo, não fizemos a transição educacional alinhada com a transição demográfica, perdemos uma janela grande”.
A velocidade de melhora que vínhamos tendo antes da pandemia não será suficiente para compensar o tempo perdido —o aprendizado voltou aos níveis próximos a 2008. É preciso acelerar tanto a melhora educacional como diminuir a desigualdade de raça e regional no acesso:
"Quando subir a barra da aprendizagem, a desigualdade vai tender a aumentar. Tem que incluir todo mundo, se não houver uma estratégia de equidade, com todo mundo indo junto, não vai funcionar. Vamos perder essa galera, que vai ficar num limbo, e o Brasil, um país de segunda linha”.
Se mantivermos o orçamento dedicado à educação atualmente, o investimento per capita vai aumentar. Isso é indispensável para o Brasil se aproximar dos indicadores dos países da OCDE (clube dos países ricos).
O atraso escolar no ensino médio cairia de 26,2% em 2019 para 10,1% em 2042, se os recursos atuais forem mantidos. Se houver aumento de 15% na verba disponível para educação, a taxa cairá para 3,2%, pelos cálculos do instituto. Mas estaremos longe de ter a totalidade dos jovens no ensino médio e superior. Algo que já é realidade na Europa.
Sem melhorar a educação, a perspectiva de crescimento do Brasil é pequena. Com menos mão de obra, a expansão do PIB virá principalmente do aumento da produtividade. Nesse quesito, o país tem ido mal: está estagnado há décadas.
Por isso, a economista Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), calcula que só em 2035 o PIB per capita brasileiro vai voltar aos níveis de 2013, o melhor momento recente. Nas últimas quatro décadas, cresceu 0,7% ao ano.
"Desde 2018, a população em idade ativa (em idade de trabalhar) cresce abaixo da população. Quando chega em uma estrutura produtiva mais dependente de capital humano cria o gargalo, num país que ainda tem muitas demandas sociais e carga tributária alta", afirma Silvia.
O crescimento ainda pode vir das commodities, “mas quanto tempo isso dura?”, indaga Silvia. Quando só a produtividade leva o país a crescer mais, o que estimula o crescimento é mais diversificação e capital humano.
E como Silvia alertou, o país ainda tem demandas sociais, principalmente depois da pandemia, com o aumento da pobreza e a fome atingindo 33 milhões de brasileiros.
Nossa performance anterior não garante a erradicação da pobreza nos próximos 20 anos, indicam as projeções. Nas contas do economista Daniel Duque, da FGV, a miséria, caracterizada por ganhos de até US$ 1,90 por dia por pessoa, vai oscilar entre 6% e 8% da população, mesmo patamar registrado entre 2016 e 2021:
— Houve uma desaceleração na queda da pobreza em relação ao período de 2006 e 2014. O orçamento em termos reais do Bolsa Família caiu, com perda muito forte de orçamento, e a inflação continuou crescendo. A renda dos mais pobres depende muito dessa política. E o mercado de trabalho foi muito afetado.
Sem erradicar miséria
Se mantivéssemos o ritmo de antes da recessão de 2015 e 2016, essa parcela poderia cair para 3%, diz Duque. E a receita é proteger o orçamento das transferências, gerar emprego e investir em educação.
Mas há uma questão adicional: o mercado de trabalho tem expulsado a mão de obra pouco qualificada.
"Desde a recessão de 2015 e 2016, vemos uma hostilidade no mercado de trabalho aos mais vulneráveis, eles perderam a conexão. Totalmente na contramão dos anos 2000, quando se gerou muito emprego formal", analisa o sociólogo Pedro Ferreira de Souza.
Não será em 20 anos que a desigualdade vai alcançar o níveis de países desenvolvidos. O Índice de Gini (que mede concentração de renda e quanto mais perto de 1, mais desigual) vai cair do atual 0,54 para 0,48 em 2042, diz Duque. Ainda assim, acima do dos EUA hoje (0,40), o mais desigual entre os países desenvolvidos.
"Não tenho ilusões. É tema sensível e claro, mas o combate à pobreza tem mais consenso da urgência. Não acredito que daqui a 20 anos, chegaremos ao nível europeu (0,3). É trabalho de mais de uma geração", diz Souza.