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terça-feira, 22 de outubro de 2024

4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório.

 

4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório

Pessoas buscando comida entre alimentos descartados, em foto de outubro de 2021

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A metade mais pobres do Brasil ganha 29 vezes menos do que os 10% mais ricos
  • Author,Daniela Fernandes
  • Role,De Paris para a BBC News Brasil

O Brasil permanece um dos países com maior desigualdade social e de renda do mundo, segundo o novo estudo lançado mundialmente nesta terça-feira (7/12) pelo World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), que integra a Escola de Economia de Paris e é codirigido pelo economista francês Thomas Piketty, autor do bestseller O Capital no Século 21, entre outros livros sobre o tema.

O novo Relatório sobre as Desigualdades Mundiais é o segundo realizado desde 2018 e teve a colaboração de cerca de uma centena de pesquisadores internacionais.

O documento de mais de 200 páginas inclui análise sobre o impacto da pandemia de covid-19, que exacerbou o aumento da fatia dos bilionários no total da riqueza global. Pela primeira vez o estudo inclui dados sobre as desigualdades de gênero e ecológicas (a pegada de carbono entre países ricos e pobres, mas também entre as categorias de renda).

O estudo se refere ao Brasil como "um dos países mais desiguais do mundo" e diz que a discrepância de renda no país "é marcada por níveis extremos há muito tempo".

O texto afirma que as diferenças salariais no país foram reduzidas desde 2000, graças sobretudo à política de transferência de renda do Bolsa Família e ao aumento do salário mínimo. Ao mesmo tempo, os níveis extremos de desigualdade patrimonial no país continuaram aumentando desde meados dos anos 90.

"Entre os mais de 100 países analisados no relatório, o Brasil é um dos mais desiguais. Após a África do Sul, é o segundo com maiores desigualdades entre os membros do G20", disse à BBC News Brasil Lucas Chancel, principal autor do relatório e codiretor do Laboratório das Desigualdades Mundiais.

A seguir, quatro dados do novo relatório que mostram por que a desigualdade de renda e de patrimônio no Brasil é uma das maiores do mundo:

1. Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total

No Brasil, a renda média nacional da população adulta, em termos de paridade de poder de compra (PPP, na sigla em inglês), é de 14 mil euros, o equivalente a R$ 43,7 mil, nos cálculos dos autores do estudo. Os 10% mais ricos no Brasil, com renda de 81,9 mil euros (R$ 253,9 mil em PPP), representam 58,6% da renda total do país. O estudo afirma que as estatísticas disponíveis indicam que os 10% mais ricos no Brasil sempre ganharam mais da metade da renda nacional.

Área mais rica do Rio de Janeiro em contraste com favelas

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Área mais rica do Rio de Janeiro em contraste com favelas; no Brasil, 10% mais ricos concentram quase 60% da renda nacional

O Chile, que não integra o G20, tem números equivalentes (58,9%) ao Brasil em relação à fatia de renda dos mais ricos. O país sofreu nos dois últimos anos uma onda de violentos protestos por melhores condições de vida. Nos Estados Unidos, país com fortes desigualdades sociais, os 10% mais ricos ganham 45% da renda geral do país, ressalta Chancel. Na China, esse índice é de 42%. Na Europa, ele se situa entre 30% e 35%, completa o economista.

Já o 1% mais rico no Brasil, com uma média de renda de 372 mil euros (quase R$ 1,2 milhão), em paridade de poder de compra, leva mais de um quarto (26,6%) dos ganhos nacionais.

2. Os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos

A metade da população brasileira mais pobre só ganha 10% do total da renda nacional. Na prática, isso significa que os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que recebem os 10% mais ricos no Brasil. Na França, essa proporção é de apenas 7 vezes.

"O Bolsa Família conseguiu reduzir uma parte das desigualdades nas camadas mais pobres da população", diz Chancel. Mas em razão da falta de uma reforma tributária aprofundada, além da agrária, a desigualdade de renda no Brasil "permaneceu virtualmente inalterada", já que a discrepância se mantém em patamares muito elevados, aponta o estudo.

3. A metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% da riqueza do país

As desigualdades patrimoniais são ainda maiores do que as de renda no Brasil e são uma das mais altas do mundo. Em 2021, os 50% mais pobres possuem apenas 0,4% da riqueza brasileira (ativos financeiros e não financeiros, como propriedades imobiliárias). Na Argentina, essa fatia da população possui 5,7% da fortuna do país.

4. O 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira

Os 10% mais ricos no Brasil possuem quase 80% do patrimônio privado do país. A concentração de capital é ainda maior na faixa dos ultra-ricos, o 1% mais abastado da população, que possui, em 2021, praticamente a metade (48,9%) da riqueza nacional. Nos Estados Unidos, o 1% mais rico detém 35% da fortuna americana.

O relatório afirma que a desigualdade de riqueza cresceu no Brasil desde meados dos anos 90, em um contexto de desregulação financeira e falta de uma reforma fiscal mais ampla.

Sem-teto em São Paulo, em foto de arquivo

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,metade mais pobre dos brasileiros possui menos de 1% da riqueza total do país

De acordo com o estudo, o patrimônio do 1% da população mais rica do planeta vem crescendo entre 6% e 9% ao ano desde 1995, enquanto, na média, o crescimento de toda a riqueza gerada no mundo foi de 3,2% ao ano. Esse aumento global, diz o relatório, foi exacerbado durante a pandemia de Covid-19. O Brasil seguiu essa tendência: o patrimônio do 1% mais rico no Brasil passou de 48,5% em 2019 para 48,9% do patrimônio total em 2021, afirma Chancel, que considera a progressão "significativa".

Segundo ele, os ultra-ricos no mundo aumentaram suas fortunas porque há uma desconexão entre a economia real, duramente afetada pela crise sanitária, e as bolsas de valores.

Sistema tributário

O estudo sobre a Desigualdade Mundial sugere opções de políticas para redistribuir renda e riqueza, como a taxação progressiva de multimilionários, o que permitiria investimentos em educação, saúde e transição ecológica. O texto defende que o surgimento de Estados de bem-estar social no século 20 estava ligado ao aumento de impostos progressivos.

O principal autor do estudo à BBC News Brasil defende que a falta de uma reforma fiscal ambiciosa no Brasil, que tornasse o sistema tributário mais progressivo, dificulta a redução das desigualdades.

O Brasil é um dos poucos países no mundo que não cobra imposto sobre dividendos (uma parcela do lucro das empresas distribuído aos acionistas), por exemplo.

Para Lucas Chancel, a criação de um imposto sobre dividendos, paralisada no Congresso, é uma boa iniciativa, mas é necessário ir além. Ele sugere o aumento da tributação sobre a herança no Brasil (na França, a alíquota pode chegar a 60%) e a taxação progressiva do estoque de capital, o que poderia incluir um imposto sobre a fortuna.

Notas de real
Legenda da foto,Ausência de reforma fiscal ambiciosa no Brasil, que tornasse o sistema tributário mais progressivo, dificulta a redução das desigualdades, ressalta pesquisador

Ele diz que o Bolsa Família, uma iniciativa positiva que contribuiu na redução de parte das desigualdades, acabou sendo pago, em parte, pela classe média e camadas populares. Isso porque o programa de transferência de renda não foi acompanhado de uma reforma fiscal que aumentasse a contribuição da elite econômica de acordo com suas capacidades.

O país, diz ele, acaba sendo "um exemplo infeliz da adoção de um programa de redistribuição de renda sem modificar estruturalmente, ao mesmo tempo, quem vai pagar o imposto" que financia a medida, ressalta. O mesmo ocorre agora em relação ao novo Auxílio Brasil.

Dados globais do estudo

Na Argentina, que vem enfrentando graves crises econômicas, as desigualdades se situam um pouco abaixo da média na América Latina, embora permaneçam elevadas, ressalta do estudo. Os 10% mais ricos do país ganham quase 43% da renda nacional e possuem 58,2% da fortuna (no Brasil esse número é de 79,8%).

As regiões com maiores desigualdades sociais no mundo são a África e o Oriente Médio. Na Europa, a renda dos 10% mais ricos representa cerca de 36%% do total, enquanto no Oriente Médio e Norte da África, ela atinge 58%, número similar ao do Brasil.

Os 10% mais ricos do mundo ganham 52% da renda mundial, enquanto os 50% mais pobres recebe apenas 8,5% do total. As diferenças são ainda maiores em relação ao patrimônio: a metade mais pobre possui apenas 2% da riqueza mundial (no Brasil é menos de 1%), enquanto os 10% mais abastados possuem 76% da fortuna global.

Desde 1995, o 1% mais rico do mundo levou 38% do aumento da riqueza global, enquanto os 50% mais pobres ficaram com apenas 2% da fortuna adicional acumulada no mundo nesse período.

A pandemia de covid-19 exacerbou as disparidades. O ano passado marcou o maior aumento na fortuna dos bilionários, que cresceu US$ 3,7 trilhões, o equivalente aos orçamentos de saúde do mundo todo, segundo o relatório.

O estudo afirma que após três décadas de globalização comercial e financeira, as desigualdades globais permanecem extremamente significativas. Em 2021, elas estão no mesmo nível do que eram no início do século 20, época do chamado imperialismo moderno ocidental, com colônias e territórios que criaram disparidades econômicas entre os países. Além disso, a renda dos 50% mais pobres no mundo hoje é a metade do que era em 1820.

O relatório também leva em conta a desigualdade de renda relacionada ao gênero. No mundo, as mulheres ganham, em geral, um terço dos homens. O Brasil tem desempenho igual à média dos países ricos da Europa: os salários da população feminina brasileira representam 38% da renda total do país.

O que é o 'efeito Katz', um dos experimentos sobre pobreza mais importantes da história dos EUA.

 

O que é o 'efeito Katz', um dos experimentos sobre pobreza mais importantes da história dos EUA

Um homem dá dinheiro a outro que pede esmola na rua

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Nos Estados Unidos, 40 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza

Qual é a influência da cidade? Do bairro? Da escola que frequentam?

Determinar que fatores influenciam se uma criança será pobre ou rica quando atingir a idade adulta, além de como se quebrar o ciclo da pobreza hereditária, são dilemas com os quais as Ciências Sociais têm lidado há décadas.

Uma enorme pista neste campo viria em decorrência de um ensaio social iniciado em 1994, quando o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA lançou o programa Moving to Opportunity (Movendo-se para a oportunidade, em tradução literal).

Liderado pelo professor de Harvard Lawrence F. Katz, que um ano antes tinha virado economista-chefe do Departamento de Trabalho no governo Bill Clinton, o objetivo era fazer uma experiência de campo em larga escala e com pessoas reais para entender os efeitos, ao longo de várias gerações, de se mudar para um bairro com maiores oportunidades.

A ciência econômica queria entender se as famílias de baixa renda se beneficiavam ao se mudar para bairros com maior infraestrutura (ou seja, bairros com escolas, parques, bibliotecas e serviços de maior qualidade).

O programa começou em 1994 em cinco grandes cidades americanas (Boston, Baltimore, Chicago, Nova York e Los Angeles) e incluiu 4.604 famílias alojadas em moradias públicas em alguns dos bairros mais pobres do país, onde também havia altas taxas de desemprego e criminalidade.

A ideia era descobrir se ajudar famílias escolhidas aleatoriamente a se mudar para um bairro melhor as beneficiaria financeiramente.

O projeto foi aprovado pelo Congresso após os chamados distúrbios de Los Angeles de 1992. Naquele ano, houve um grande surto de violência na cidade, com saques e incêndios em resposta à absolvição de quatro policiais brancos que espancaram brutalmente Rodney King, um americano negro preso por excesso de velocidade.

Bill Clinton em 1994

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Durante o governo Bill Clinton (foto), Katz foi economista-chefe do Departamento do Trabalho
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Após vários dias de protestos civis, mais de 50 pessoas morreram, cerca de 2.300 ficaram feridas e milhares foram presas.

"Sem justiça não há paz", gritavam os manifestantes com um forte sentimento de que a polícia de Los Angeles praticava atos de brutalidade racistas contra pessoas negras e hispânicas.

Cerca de 1.100 edifícios foram afetados, e os danos totais à propriedade totalizaram cerca de US$ 1 bilhão, tornando esses os protestos mais devastadores da história dos Estados Unidos.

"O Congresso sentiu-se um pouco responsável e aprovou um projeto de lei com algum dinheiro para o experimento nos bairros", disse Katz em declarações coletadas pelo site do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo a base de dados bibliográficos IDEAS (obtida do repositório econômico Research Papers in Economics), Katz ocupa o 67⁠º lugar entre os acadêmicos de economia mais citados de todos os tempos.

"Isso o coloca entre 0,1% dos melhores pesquisadores", dizem David Autor, do MIT, e David Deming, da Harvard Kennedy School, em um artigo de agosto de 2023.

Um prédio em chamas durante os Distúrbios de Los Angeles em 1992

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Em 1992, em Los Angeles, manifestantes reagiram com saques e incêndios à absolvição de quatro policiais brancos que espancaram brutalmente Rodney King, preso por excesso de velocidade

Esse é o contexto em que o programa Moving to Opportunity foi lançado.

E, com os seus resultados e subsequentes mudanças promovidas nas políticas de habitação a nível federal nos Estados Unidos, chegaria-se ao que é conhecido hoje como "o efeito Katz".

Como foi o experimento?

Famílias foram distribuídas aleatoriamente em três grupos: a um foi oferecido um voucher para pagar o aluguel de uma casa com a condição de que só poderia ser usado para se mudar para um bairro de baixa pobreza.

O segundo grupo recebeu um voucher para pagar o aluguel de uma casa que podia ser localizada onde quisessem.

E o terceiro grupo, o de controle, tinha acesso a um apartamento de proteção oficial situado numa zona desfavorecida, que era o local de origem dos participantes do experimento.

"Por exemplo, em Nova York, o grupo de controle permaneceu em casas protegidas no Harlem, grande parte dos que receberam o cheque-habitação incondicional se estabeleceram no sul do Bronx, em uma área relativamente pobre, mas não tanto quanto o Harlem", explica o economista e professor da Universidade de Warwick, Manuel Bagues, no blog Nada es gratis ("Nada é grátis", em tradução livre).

"E um grande número daqueles que receberam o cheque-habitação condicional mudou-se para uma área residencial na parte norte do Bronx", explica.

Os resultados iniciais do programa foram mistos, com resultados positivos relacionados à saúde dos participantes, à redução da concentração da pobreza e à satisfação com as novas condições de moradia.

No entanto, não foram observados efeitos significativos no emprego de adultos ou na educação de crianças.

Policiais tentam se proteger contra os manifestantes durante os Distúrbios de Los Angeles em 1992

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Policiais atuam em protesto ocorrido durante os distúrbios de Los Angeles em 1992

O projeto inicial só analisou o resultado do experimento em adultos.

Faltava, naquele momento, uma análise mais profunda dos dados e um acompanhamento das crianças daquele programa para se chegar a conclusões mais contundentes do que as iniciais.

Melhorias em educação e renda

Em 2015, Raj Chetty, Nathaniel Hendren, e o próprio Lawrence F. Katz. fizeram uma revisão do estudo original e acompanharam os filhos das famílias que mudaram de bairro com o programa Moving to Opportunity. E encontraram "melhorias substanciais em educação e renda".

Os três juntos publicaram o artigo cuja tradução é: "Os efeitos da exposição a melhores bairros nas crianças: novas evidências do experimento Move to Opportunity".

"A evidência inicial, que se referia apenas aos resultados dos adultos no estudo, não foi conclusiva. Mas o trabalho de acompanhamento realizado por Larry Katz, Raj Chetty e outros revelou que as crianças das famílias que se mudaram para bairros com muitas comodidades experimentaram melhorias substanciais em educação e renda", disse à BBC Mundo o sociólogo David B. Grusky, diretor do Centro de Pobreza e Desigualdade da Universidade de Stanford, que não participou da pesquisa de Katz.

Uma mulher caminha com uma menina no Harlem, um dos bairros mais pobres de Nova York

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Crianças que se mudam para um bairro com boa infraestrutura tiveram maior mobilidade social ao longo da vida, concluiu o estudo

Grusky acredita que o experimento ofereceu a evidência mais convincente de que os bairros são realmente importantes para as crianças.

"Os resultados levaram a mudanças na política do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA para garantir que, quando as famílias obtiverem um voucher, elas realmente utilizem-no para se mudar para bairros com melhor infraestrutura", lembra Grusky.

Já a segunda parte do estudo estabeleceu que quanto menores eram as crianças quando se mudavam, melhor elas se saiam: eram mais propensas a ir para a faculdade e ter um salário melhor.

A pesquisa original não tinha conseguido acompanhar os resultados econômicos das crianças mais novas porque não havia passado tempo suficiente.

Claudia Goldin chega à Universidade de Harvard após saber que ganhou o Prêmio Nobel de Economia

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Katz, atrás, é casado com Claudia Goldin, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia de 2023 por seu trabalho sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres

"Com o tempo a favor, o [laboratório de pesquisa baseado na Universidade de Harvard] Opportunity Insights (OI) revisou o estudo MTO em 2015 com novos dados do censo e registros fiscais para explorar os resultados a longo prazo entre crianças pequenas", explica o centro de Harvard dedicado à Desigualdade, liderado por Raj Chetty.

Ao analisar novamente os dados, o OI descobriu que oferecer vouchers para que famílias com crianças pequenas se mudem para bairros de menor pobreza pode reduzir a persistência intergeracional da pobreza e, em última análise, gerar retornos positivos para os contribuintes.

"Essa revisão dos resultados do MTO demonstrou como a avaliação a longo prazo, onde os impactos das políticas se acumulam ao longo do tempo, pode produzir ideias diferentes", dizem eles.

"Se a avaliação do MTO tivesse sido interrompida com as conclusões iniciais, a política teria sido considerada como tendo um impacto limitado, quando, de fato, nossa pesquisa mostra como as políticas de desconcentração da pobreza têm um impacto substancial para crianças pequenas que se mudam para áreas de menor pobreza", acrescentam a Opportunity Insights.

Qual foi o impacto?

Para a equipe de Chetty, fica claro que o experimento teve impactos significativos para os participantes, particularmente nas crianças, sugerindo que o MTO contribuiu para reduzir a desigualdade.

"No entanto, ao observar o panorama mais amplo da mobilidade ascendente nos Estados Unidos, vemos que a probabilidade de as crianças ganharem mais do que seus pais diminuiu nas últimas décadas de cerca de 90% para as crianças nascidas na década de 1940 para 50% para as crianças nascidas na década de 1980", destaca a equipe de Chetty.

Centro de Baltimore

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Apesar de terem empregos, muitas famílias americanas precisam de vale-alimentação ou de aluguel para sobreviver

Portanto, embora o MTO e as pesquisas e políticas subsequentes que inspirou tenham feito progressos no tratamento da desigualdade, há muitos fatores que contribuem para disparidades nos resultados.

Ou seja, não se deve esquecer que a qualidade dos bairros e das escolas, o networking e outros fatores ambientais e institucionais moldam a trajetória de uma criança desde muito cedo.

Tipos de desigualdade

"Há dois tipos de desigualdade em jogo nos Estados Unidos. Este país decidiu, em primeiro lugar, permitir que as famílias tenham rendimentos extremamente desiguais (ou seja, 'desigualdade dos lares')", diz Grusky.

"E decidimos, em segundo lugar, permitir que os bairros sejam incrivelmente diferentes na qualidade dos serviços públicos (por exemplo, escolas, parques, bibliotecas, empregos, redes) que eles fornecem aos seus moradores (ou seja, 'desigualdade espacial')", diz.

Ele acrescenta que, muitas vezes, "esquecemos o quão massivo é esse segundo tipo de desigualdade - a espacial - nos Estados Unidos".

"O experimento MTO foi importante porque procurava avaliar os efeitos desse segundo tipo de desigualdade [espacial] nas oportunidades oferecidas às crianças. A questão chave aqui é: se eliminássemos esse segundo tipo de desigualdade (sem abordar também o primeiro), veríamos uma redução substancial das desigualdades de oportunidades existentes?", aponta.

Uma esquina do Harlem, com edifícios de habitação social ao fundo

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A desigualdade de renda e de riqueza nos EUA aumentou nos últimos anos e é maior do que em quase qualquer outro país desenvolvido

Para ele, o ponto-chave de todo o experimento é que ele destacou que a ciência econômica e as políticas públicas deveriam avaliar se realmente é preciso dispor de mecanismos que reduzam as desigualdades nessa segunda forma - espacial.

David Cuberes, professor da Universidade de Clark e consultor do Banco Mundial, do FMI e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, acredita que o projeto teve repercussão para além da década em que foi realizado.

"Primeiro, pela metodologia: a ideia foi selecionar aleatoriamente um grupo de famílias pobres em bairros pobres e transferi-las para um bairro mais rico. Que seja aleatório é fundamental para que não haja auto-seleção ou seleção com base em algumas variáveis", disse Cuberes à BBC Mundo.

"Se não for feito assim, poderia ser que as famílias pobres mais motivadas fossem as que se mudassem e então não ficaria claro se melhoram por causa da mudança de residência ou por outros fatores".

Como o programa de vouchers (auxílio) de habitação nos EUA é tão pequeno, os economistas concordam que só tem um efeito trivial sobre a desigualdade.

Para Grusky, "a questão muito importante que ficou em jogo é se devemos interpretar os resultados como se indicassem que devemos mudar todas as famílias de baixa renda para bairros com boa infraestrutura existentes, ou se os interpretamos como se devemos equiparar a infraestrutura em todos os bairros (ou seja, eliminar - ou pelo menos reduzir - a desigualdade espacial)", conclui.