Quem é o 'banqueiro dos pobres' que vai comandar governo interino em Bangladesh
- Redação
- BBC News Mundo
Bangladesh passa por um momento político turbulento.
Pouco mais de 24 horas após a renúncia da primeira-ministra, Sheikh Hasina, no poder desde 2009, anunciou-se que o governo interino de Bangladesh contará com a supervisão do vencedor do Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus.
A decisão foi tomada numa reunião entre o presidente do país, Mohammed Shahabuddin, líderes militares e os líderes do grupo Estudantes Contra a Discriminação, informou a Presidência.
O poder Legislativo foi dissolvido pelo presidente Shahabuddin na terça-feira para facilitar a formação de um poder Executivo interino.
"O presidente pediu que o povo o ajude a superar a crise. A rápida formação de um governo interino é necessária para superar a crise", afirmou o gabinete do presidente em comunicado.
Os líderes estudantis deixaram claro que não aceitariam um governo liderado por militares e pressionaram para que Yunus, conhecido como o "banqueiro dos pobres", lidere o governo interino.
Yunus concordou e disse: "Quando estudantes que sacrificaram tanto me pedem para intervir neste momento difícil, como posso recusar?"
Principal assessor do próximo governo
"Decidimos que um governo interino será formado em torno do vencedor do Prêmio Nobel Dr. Muhammad Yunus, no qual ele será o principal conselheiro", declarou Nahid Islam, um dos líderes estudantis, em mensagem publicada no Facebook, segundo o serviço bengali da BBC.
"Conversamos com Muhammad Yunus e ele concordou em assumir, a pedido dos estudantes, a responsabilidade de proteger Bangladesh", disse o líder.
A agência Reuters noticiou que o conceituado economista retornará de Paris "imediatamente". Ele tinha viajado à França para se submeter a uma "pequena cirurgia".
Mas quem é Yunus e por que os estudantes consideram sua incorporação ao novo governo essencial?
Criador dos microcréditos
Yunus nasceu em 1940 na cidade costeira de Chittagram, no sudeste de Bangladesh. Estudou economia na Universidade de Dhaka e também na Universidade Vanderbilt (EUA).
Na década de 1970, criou um sistema de empréstimos bancários de baixo valor, com baixas taxas de juros, para permitir que as camadas mais pobres da população pudessem progredir economicamente.
Os primeiros microcréditos, como ficaram conhecidos, foram concedidos no valor de US$ 27 a 42 cesteiras indigentes de uma aldeia pobre próxima à universidade onde Yunus trabalhava em Bangladesh, segundo o site do Comitê do Prêmio Nobel.
Até aquele momento, elas dependiam de agiotas, que cobravam juros altos.
Antes dos microcréditos de Yunus, os bancos tradicionais relutavam em financiar pessoas de baixa renda e que não podiam oferecer garantias.
Mas a ideia do economista mostrou que as beneficiárias foram capazes de pagar os empréstimos e que a injeção de crédito e investimento em setores marginais traduziu-se em "mais renda e mais poupança". E, portanto, numa redução da pobreza, especialmente nas zonas rurais.
"A pobreza é uma imposição artificial e externa ao ser humano; não é inata ao ser humano. E, como é externa, pode ser eliminada. É só uma questão de o fazer", disse certa vez o chamado "banqueiro dos pobres".
Fim do Que História!
O Grameen Bank (Banco das Aldeias, em bengali), instituição focada em fornecer microcrédito para pessoas de baixa renda, foi fundado por Yunus em 1976.
Em 1983, as autoridades de Bangladesh autorizaram o Grameen Bank a operar como banco.
A iniciativa, segundo os seus defensores, teria permitido tirar milhões de pessoas, em Bangladesh e em outros países, da pobreza; e foi copiada mundo afora, inclusive por países latino-americanos, como a Venezuela.
A tese de Yunus também foi aplicada nos Estados Unidos, conforme revelou em 2000 a então primeira-dama, Hillary Clinton.
A também ex-candidata à Presidência dos EUA afirmou ainda que o famoso economista ajudou a introduzir programas de microcrédito em algumas das comunidades mais pobres do Arkansas, Estado governado pelo marido dela, Bill Clinton, antes de ele chegar à Casa Branca em 1993.
E em 2006, o economista recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
"Os pobres sempre pagam seus empréstimos dentro do prazo", defendeu Yunus.
Lutando com poder
A carreira de Yunus não se limitou à educação, à economia e à luta contra a pobreza. Ele já havia tentado entrar na política do país antes.
Em 2007, o "banqueiro dos pobres" tentou formar um partido, o que não agradou a agora ex-primeira ministra Sheikh Hasina.
Depois que Hasina recuperou o poder em 2009, o economista sofreu represálias, segundo fontes próximas a ele.
Em dezembro de 2010, a então primeira-ministra acusou Yunus de tratar o Grameen Bank como "propriedade pessoal" e afirmou que ele estava "sugando o sangue dos pobres".
Em 2011, o Banco Central de Bangladesh obrigou o economista a demitir-se do Grameen Bank, usando sua idade como desculpa - ele estava com 73 anos.
E o ataque não parou por aí. Em 2013 ele foi acusado por autoridades locais de evasão fiscal. No mesmo ano, um tribunal condenou-o a seis meses de prisão por violar as leis trabalhistas do país.
"O objetivo era prejudicar sua reputação internacional", denunciaram os defensores do economista na época.
Mais de uma centena de personalidades internacionais, incluindo o cantor Bono e o empresário britânico Richard Branson, saíram em defesa de Yunus e pediram que as autoridades de Bangladesh colocassem um fim à perseguição "orquestrada e politicamente motivada" contra ele.
Em junho, Yunus e outras 13 pessoas foram acusadas de desviar o equivalente a cerca de US$ 2 milhões do fundo de bem-estar dos trabalhadores de uma empresa de telecomunicações fundada por ele.
Com esse histórico, não surpreende que Yunus tenha comemorado a renúncia e a subsequente fuga da primeira-ministra para a vizinha Índia.
"A sensação é de um segundo Dia da Independência", disse ele à agência AFP.
O governo de Sheikh Hasina entrou em colapso na segunda-feira, após mais de um mês de protestos da população, sobretudo dos jovens, contra uma lei que estabelecia cotas para atribuição de postos de trabalho na Administração Pública.
Os estudantes consideravam a lei discriminatória e pediam sua revogação.
Mas a dura repressão estatal às manifestações, que deixou cerca de 400 mortos, fez com que o objetivo das mobilizações deixasse de ser apenas a anulação da regra, mas também a demissão da primeira-ministra.
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