Olha o padeiro entregando o pão
De casa em casa entregando o pão
Menos naquela, aquela, aquela, aquela, aquela não
Pois quem se arrisca a cair no alçapão?
Pois quem se arrisca a cair no alçapão?
Anavantu, anavantu, anarriê
Nê pa dê quá, nê pa dê quá, padê burrê
Igualitê, fraternitê e libertê
Merci bocu, merci bocu
Não há de quê
Rua Formosa, moça bela a passear
Palmeira verde e uma lua a pratear
E um olho vivo, vivo, vivo, vivo a procurar
Mais uma ideia pro padeiro amassar
Mais uma ideia pro padeiro amassar
Anavantu, anavantu, anarriê
Nê pa dê quá, nê pa dê quá, padê burrê
Igualitê, fraternitê e libertê
Merci bocu, merci bocu
Não há de quê
Você já leu o artigo 26
Ou sabe a história da galinha pedrês
E me traduza aquele roque, roque para o português
A ignorância é indigesta pro freguês
Que a ignorância é indigesta pro freguês
Anavantu, anavantu, anarriê
Nê pa dê qua, nê pa dê qua, padê burrê
Igualitê, fraternitê e libertê
Merci bocu, merci bocu
Não há de quê
Você queria mesmo é ser um sanhaçu
Fazendo fiu e voando pelo azul
Mas nesse jogo lhe encaixaram e é uma loucura
Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura
Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura
Anavantu, anavantu, anarriê
Nê pa dê quá, nê pa dê quá, padê burrê
Igualitê, fraternitê e libertê
Merci bocu, merci bocu
Não há de quê
Anavantu, anavantu, anarriê
Nê pa dê quá, nê pa dê quá, padê burrê
Igualitê, fraternitê e libertê
Merci bocu, merci bocu
Não há de que
Tal qual um pássaro libertino, voando pelos becos da Fortaleza da Belle Époque, a distribuir o pão da cultura como alimento para as almas esguias no deserto do obscurantismo, eis como inicia a homenagem que o cantor e compositor Ednardo dedicou, em forma de música, à Padaria Espiritual, movimento cultural surgido na capital cearense no final de século XIX, marcado pela ironia, irreverência e senso crítico, além do sincretismo literário. ("Olha o padeiro entregando o pão; De casa em casa entregando o pão").
Como a atrevida aventura contava com alguns poucos desafetos – sobretudo aqueles para quem a instrução do povo sempre foi algo assustador –, havia o receio de se entregar o "Pão" naquela casa e ser alvo de indecorosos desaforos... ("Menos naquela, aquela, aquela, aquela não; Pois quem se arrisca a cair no alçapão?")
O "Pão" era o jornal da Padaria Espiritual, entregue de casa em casa pelos próprios "padeiros" – jovens escritores, pintores e músicos, reunidos num levante cultural contra a burguesia, o clero e tudo o mais que representasse a manutenção do status quo. Batendo as asas e dançando, nos passos de uma quadrilha junina (Anavantu, anavantu, anarriê), o pássaro-padeiro distribuía seu jornal, a cantarolar os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, tão cultuados pela Revolução Francesa, mas menosprezados acintosamente, na prática, pela burguesia já vitoriosa.
O "freguês" agradecia o "Pão" recebido, em francês, tão à moda na época (Merci bocu, merci bocu – Obrigado, obrigado), e o padeiro respondia, inicialmente em francês (Nê pa dê qua, nê pa dê qua – De nada, de nada), arremedando um passo de balé (padê burrê), para depois arrebatar, já em português, "Não há de que!"
O pássaro-padeiro, amante das coisas da natureza, estava sempre a procurar novas ideias para amassar como ingrediente do saboroso "Pão". ("Rua Formosa, moça bela a passear; Palmeira verde e uma lua a pratear; Um olho vivo, vivo, vivo a procurar.")
O artigo 26, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispõe que: "Todo ser humano tem direito à instrução." A visionária Padaria Espiritual, muito antes, já se dedicava à distribuição da cultura, especialmente a partir da valorização dos elementos regionais, nada obstante o grito de alerta ainda não tenha sido escutado pela maioria das pessoas, que preferem, ainda hoje, por desconhecimento, as coisas das culturas alheias dominantes. (Você já leu o artigo 26; Ou sabe a história da galinha pedrês; E me traduza aquele roque para o português; A ignorância é indigesta pro freguês.)
Cada pessoa deve ser livre, como o sanhaçu, pássaro rebelde das nossas matas; livre para cantar e voar pelo céu, mas sempre nas asas da educação, porque sem instrução e sem cultura se é presa fácil da manipulação do sistema impiedoso. (Você queria mesmo é ser um sanhaçu; Fazendo fiu e voando pelo azul; Mas nesse jogo lhe encaixaram, e é um loucura; Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura.")
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