Excelentíssimos senhores membros do Ministério Público, autoridades da Secretaria de Educação de Fortaleza e estimada sociedade,
Escrevo esta carta com o coração carregado de preocupação e frustração, mas também com a esperança de incitar mudanças essenciais no sistema educacional de nossa cidade. Meu nome é Egidio Guerra, e sou um professor que tem o sonho de educar as gerações futuras e contribuir para um futuro melhor através do ensino público. No entanto, este sonho tem sido ensombrado por condições inaceitáveis e desafios que não podemos mais ignorar.
Como disse, tudo começou com um sonho que se tornou realidade: ser professor de escola pública. Em muitos países os melhores ocupam essa profissão para formar as novas gerações. É incomparável educar, viver e sonhar com as crianças e jovens, mas em que condições? Primeiro quero frisar que montamos uma comissão dos concursados aprovados pela UFC junto com a Direção da Faculdade de Educação da UFC. Nós realizamos um evento com a presença da SME/PMF para comemorar a conquista de uma nova geração de professores que saíram da escola pública e agora voltam para ensinar os filhos de trabalhadores, gerando pela educação a ascensão social de ambos, esta é a nossa missão. Nós estávamos todos emocionados como podem ver o vídeo no you tube no Link https://www.youtube.com/watch?v=LopR7w1G60Q
Infelizmente, em dois meses dando aulas, a alegria inicial rapidamente se transformou em desespero quando nos deparamos com a realidade cruel e desoladora das escolas públicas em Fortaleza. Nós havíamos criado com uma Professora da Faculdade de Educação da UFC, Dra.Claudiana Melo, o DOCA- Grupos de estudos e pesquisas em docência onde dialogamos sobre a sala de aula, apresentamos casos de como estamos realizando nossas aulas, novas práticas pedagógicas, e pesquisamos. Mas os relatos vinham sem exceção de muita tristeza com as condições em que nos encontramos nas escolas, muitos alunos sem saber ler nem escrever, crianças especiais sem apoio, violências, falta de brinquedos e material pedagógico básico entre outros.
Nós tentamos por diversas vezes, incluindo a UFC, ser escutados pela SME, nunca fomos! Descobrimos que o Ministério Público havia feito um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em relação às escolas em condições precárias com a SME, mas as promessas feitas não foram cumpridas. A Secretaria de Educação de Fortaleza Dalila, que está há anos no poder, havia se comprometido a realizar as mudanças, mas não cumpriu e hoje o processo se encontra na 13a vara Federal.
A SME/PMF, UFC, SINDIUTE e outros fomos convocados para uma nova audiência em abril, foi feito um relato sobre as falas e compromissos que estão no MP. Em resumo, os 4 Promotores da Educação do MP abriram a audiência e pediram para relatar os depoimentos dos novos professores e das escolas onde atuamos, incluindo professores da Rede há mais tempo que confirmam todas as situações nas escolas, eu e outra Professora representantes de nossas escolas no SINDIUTE. Logo após 3 Professoras da Faculdade de Educação da UFC presentes, incluindo a coordenadora do grupo de pesquisa DOCA, Prof. Claudiana Melo, e as coordenadoras do curso, Professores Maurilene e Vanessa, se colocaram à disposição para colaborar no diálogo, construir juntos e afirmaram a situação enfrentada pelos seus ex-alunos, agora professores efetivos nas escolas da rede municipal. A Presidente do SINDIUTE falou negando as vozes dos professores, e afirmando que estava tudo bem nessa gestão da Educação do Prefeito Sarto. Depois a própria SME reconheceu que não foi cumprido o acordo com o MP feito anos atrás, que a comissão sobre violência nas escolas não tinha andado, entre outras omissões. Os promotores pediram a palavra e foram unânimes em dizer que era absurdo o descaso da SME com situações como essas e encaminhou providências.
Nesse mesmo período e depois eu atuei em quatro escolas como Professor de Matemática e Religião sempre em diálogo com outros professores, coordenadores e diretores. Na primeira semana na Escola levei dois professores da UFC, Alex Sandro Coitinho e Maria Jose Santos, visando implantar laboratórios de matemática e tecnologia nas escolas. O que foi negado pela SME mesmo diante das circunstâncias já descritas dessas escolas. Em quase três meses de aulas numa escola em total reforma, onde professores e alunos adoecem, eu fiquei com bronquite e rinite aguda, respirando pela metade do nariz, perdendo a voz e audição com tosse e febre, fico sem conseguir dormir, além do aumento de peso e pressão, e gerou pre diabete. Nessa mesma escola, eu e vários professores pedimos providências sobre a situação da reforma e nada foi feito pela SME. As leis trabalhistas sobre condições mínimas de trabalho nas escolas continuam sendo desrespeitadas hoje em várias escolas, como mostra os muitos depoimentos que entregamos ao MP, inclusive continua nessa escola Yolanda Queiroz, mesmo com os professores pedindo providências em relação a sua saúde.
Portanto em minhas experiências como professor de Matemática e Religião, e de outros professores em várias escolas, testemunhamos todos os dias condições deploráveis e desrespeito às leis trabalhistas. A falta de apoio para alunos com necessidades especiais, a violência nas escolas, a ausência de material pedagógico básico e a negligência com a saúde dos professores são apenas algumas das questões que enfrentamos diariamente.
Em todas as escolas públicas que ensinei e ensino desenvolvi uma relação que busca fortalecer a alegria para aprender, interação social, afetos, autonomia, conteúdo atualizado com problemas e desafios atuais, e busco compreender a vida de cada aluno. Todas essas premissas pedagógicas defendidas por Paulo Freire, Vigotsky, Wallon, Morin, Malaguzzi, e mais recente por Viviane Mosé e Pacheco. A SME contrata Viviane e Pacheco para dar palestras, mas negam essas ideias na gestão e nas escolas. Por essas razões e práticas pedagógicas meus alunos falam para todos em sala de aula e quando chego na escola que sou um dos melhores professores que tiveram; isso também é testemunhado por outros professores, coordenadores e diretores da escola. Mas isso também quer dizer que luto por essas melhorias nas escolas com coordenadores e Diretores, em especial em duas escolas que tive que ir a Regional para ter uma reunião pedagógica entre professores para dialogar sobre várias situações aqui citadas, escola que me foi negado sala para passar filmes do Chaplin para os garotos, que nos foi negado um lugar para implantar uma brinquedoteca e que os alunos cometeram violências em sala de aula. Nós mandamos para coordenação mas em poucos minutos retornam para sala de aula , sem nenhuma gestão ou intervenção pedagógica, são quase os mesmos 2 ou 3 que continuaram até o final do ano causando as mesmas violências por problemas cognitivos, pobreza, ausência da família e outros. Necessitamos lidar com esses desafios por outros caminhos, principalmente integrar política educacional com social com a participação ativa de todos os setores da sociedade. Eu passei mais de três décadas atuando com projetos sociais com pessoas lutando com nada e conquistaram muitas vitórias. Mas nunca tinha visto organizações com recursos que sabem que pessoas estão sofrendo e atuam como capitães do mato para manter seus poderes, sem mudar suas prioridades e práticas de gestão. Por outro lado vi que é possível em outras 2 escolas da rede que ensinei, vi práticas dos Diretores e coordenadores, apoiarem a sala de aula em todos os sentidos e não abandonar o professor sozinho para resolver tudo, vi a capacidade de escuta e diálogo com os professores, bem diferente da gestão da SME/PMF, me permitirem novas práticas pedagógicas porque concordam que não é educação manter o domínio de uma sala no grito ou dar uma aula no quadro sem se preocupar se os alunos estão aprendendo ou suas diversas formas de aprender, buscando transformar suas vidas. Infelizmente existe um tarefismo que privilegia SPAECE e ADRs negando condições mínimas de ensino e aprendizagem.
Neste mesmo período escrevi textos como este visando discutir de forma aberta a educação, a escola pública e gestão educacional. Mas os Diretores começaram a impedir que eu publicasse os textos nos grupos de whatsapp, mesmo sendo representante de escola, por exemplo o Sindiute nunca me colocou no grupo de representantes, assim como a atual gestão da SME há décadas no poder acham que são donos da escola pública? E que as prioridades da escola não podem ser discutidas? e que apenas a voz oficial do Grande irmão de 1984 de George Orwell pode controlar a todos?
Como disse Foucault, é mais fácil produzir fracos do que enfrentar fortes, e apesar das adversidades os professores se tornam cada dia mais fortes, lutando por processos democráticos na escola, e a transparência dos gastos públicos. Não se pode gastar com laboratórios de tecnologia e ciência que não funcionam, enquanto falta o básico e o mínimo nas escolas, enquanto professores e crianças são sacrificadas em suas vidas todos os dias, enquanto metade de nossas crianças vivem na extrema pobreza há décadas, e somos um dos estados que mais mata pessoas do Brasil é essa educação modelo do Brasil? ou um bom negócio para alguns?
Enquanto os mesmos tecnocratas estão no poder em suas organizações há décadas. Por isso estamos discutindo essas ideias e práticas com centenas de professores que pensam e agem diferente porque sofrem as consequências das más educações dos gestores, mas também é necessário que outras pessoas conheçam a realidade de verdade de centenas de escolas em Fortaleza e as vozes dos professores que a SME não vai calar nem vai trocar moedas com os escolhidos. Não podemos perpetuar a educação da mentira, fake news, e publicidade enquanto crianças e professores pagam com suas vidas, as suas humilhações e violências. E abrimos um debate com Professores da academia do Brasil inteiro e de outros países, assim como educadores, jornalistas, artistas, políticos, e outros. É hora de re ocupar as escolas e salvar as crianças, jovens e professores!
Muitas coisas aconteceram nesse período mas no texto não há espaço para falar tudo, apenas iniciar o debate e continuar a mesma jornada e luta.
Chegou a hora de uma mudança radical. Não podemos mais permitir que a educação pública seja negligenciada. Crianças, jovens e professores merecem um ambiente de aprendizado seguro, saudável e estimulante. Peço encarecidamente que as autoridades competentes intervenham, cumpram as promessas feitas e trabalhem conosco para reestruturar nosso sistema educacional.
Estamos dispostos a colaborar, a dialogar e a contribuir para uma educação de qualidade. No entanto, precisamos do apoio e do compromisso de vocês para fazer isso acontecer. Juntos, podemos re ocupar nossas escolas e oferecer um futuro melhor para todos.
Atenciosamente,
Egidio Guerra- Professor Pedagogo da Rede Municipal de Fortaleza.
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