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sábado, 15 de julho de 2023

Como 'ilusão do fim da história' afeta nossas escolhas sociais e profissionais

 

Como 'ilusão do fim da história' afeta nossas escolhas sociais e profissionais

Senhora posa em frente de projeção de foto sua na infância

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 

Você consegue imaginar como você será daqui a 10, 20 ou 30 anos?

  • Author, David Robson
  • Role, BBC Future

Se você examinar sua história de vida, provavelmente irá identificar uma série de transformações que fizeram com que você se tornasse a pessoa que você é hoje.

Você pode ter sido tímido na infância e encontrado mais confiança no ambiente de trabalho. Ou talvez você fosse uma criança rebelde que acabou encontrando a paz interior. Muitas pessoas descrevem estes processos como sua jornada pessoal.

Agora, se você olhar para o futuro, certamente poderá visualizar eventos importantes na sua trajetória, mas pode ser difícil imaginar as transformações futuras das suas principais características.

É como se o seu sentido de si próprio tivesse chegado ao seu destino. Você considera que irá manter as mesmas características, valores e interesses que você tem hoje.

“Nós reconhecemos nossa evolução de quem éramos no passado para quem somos hoje, mas não conseguimos observar que iremos continuar a mudar no futuro”, observa o psicólogo Hal Hershfield, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, e autor do novo livro Your Future Self (“O seu ‘eu’ futuro”, em tradução livre).

Este viés é conhecido como a “ilusão do fim da história” e pode trazer consequências infelizes para a nossa vida pessoal e profissional.

O estudo científico da ilusão de fim da história começou com o programa de TV Leurs Secrets du Bonheur (“Seus segredos da felicidade”, em tradução livre). Como seu nome sugere, o programa lidava com a ciência do bem-estar e os telespectadores eram frequentemente convidados a participar de estudos pelo website do programa.

Usando esta oportunidade de atingir grande audiência, o professor Jordi Quoidbach (atualmente, na Universidade Esade Ramon Llull, na Espanha) e seus colegas prepararam uma série de questionários, pedindo aos participantes que refletissem sobre o seu passado, presente e futuro. Eles publicaram os resultados da pesquisa na revista Science.

Homem sorrindo

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 

As pessoas costumam imaginar que a personalidade que elas têm agora irá durar por toda a vida

O primeiro estudo concentrou-se na personalidade. Os voluntários avaliaram a si próprios em relação a uma série de características.

Em uma escala de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), eles precisaram responder, por exemplo, se consideravam a si próprios:

  • extrovertidos, entusiasmados
  • críticos, briguentos
  • confiáveis, autodisciplinados
  • ansiosos, facilmente perturbados
  • abertos para novas experiências, complexos

Em seguida, os pesquisadores pediram à metade dos participantes que respondesse à mesma pergunta 10 anos no passado e, à outra metade, 10 anos no futuro.

Mais de 7,5 mil participantes responderam, com idades variando de 18 a 68 anos. Isso permitiu que Quoidbach e seus colegas avaliassem o quanto as pessoas percebem sua trajetória de mudanças pessoais em muitos estágios de vida diferentes.

Faria sentido que um recém-formado, que acabou de entrar na vida adulta, considerasse sua jornada de vida de forma muito diferente de alguém que está chegando à idade de se aposentar. Mas, de forma geral, a idade dos participantes fez pouca diferença.

Embora a média dos participantes observasse mudanças consideráveis de personalidade no passado, eles previram que iriam vivenciar poucas alterações no futuro. Eles pareciam pensar que sua personalidade permaneceria congelada na forma atual pelo resto das suas vidas.

Para testar se a ilusão do fim da história se estenderia aos valores pessoais de cada um, os pesquisadores recrutaram uma nova amostra de 2,7 mil participantes. Eles pediram que os participantes indicassem a importância de conceitos como hedonismo, realização e tradição nas suas vidas. E, em seguida, deveriam imaginar quais seriam suas respostas 10 anos no passado ou 10 anos no futuro.

A conclusão foi que a ilusão do fim da história estava a pleno vapor – as pessoas reconheciam como seus valores mudaram no passado, mas foram incapazes de prever as mudanças futuras.

Mudanças e incertezas

Se você já tiver feito uma tatuagem com um desenho do qual depois se arrependeu, não ficará surpreso ao saber que a ilusão do fim da história também se aplica aos nossos gostos pessoais.

Podemos facilmente reconhecer como nossas preferências musicais evoluíram ao longo das últimas décadas, por exemplo, mas consideramos que nossas músicas preferidas atuais irão manter seu lugar especial nos nossos corações para sempre.

“Tanto os avós quanto os adolescentes parecem acreditar que a velocidade das suas mudanças diminuiu muito e que eles recentemente se tornaram as pessoas que irão permanecer”, concluíram os pesquisadores no seu estudo original. “Parece que a história está sempre terminando hoje.”

Mulher tatuada ouvindo música

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 

Você escolheria hoje a mesma tatuagem que você fez quando era mais novo?

No seu novo livro sobre o conceito de si mesmo, Hershfield relaciona a ilusão do fim da história às pesquisas sobre a confiança excessiva em geral.

“A maioria das pessoas gosta de si própria, acreditando que suas personalidades são atraentes para os demais e que seus valores devem ser admirados”, escreve ele. “Pode ser assustador pensar que, se fôssemos mudar, estaríamos abandonando esta posição de nobreza e, por isso, tentamos nos fixar a quem somos agora.”

Hershfield propõe que a ilusão do fim da história também pode reduzir as sensações problemáticas causadas pela incerteza.

“Gostamos de pensar que nos conhecemos bem e a noção de que nossas personalidades, valores e preferências podem vir a mudar talvez produza certa ansiedade existencial. Se não sabemos como podemos ser diferentes no futuro, como sabemos realmente quem nós somos hoje?”, questiona o autor.

Mas o conforto psicológico que isso oferece, às vezes, pode ter um custo, se prejudicar o nosso julgamento em decisões importantes da vida. Hershfield sugere que a ilusão do fim da história pode nos levar a postergar experiências agradáveis até não as querermos mais.

Se você anseia viajar, por exemplo, poderá postergar constantemente seus planos até que tenha economizado dinheiro suficiente para pagar por uma viagem de luxo. Mas, quando você conseguir o dinheiro, pode já ter perdido o anseio de explorar novos locais – porque aquele momento já passou. Talvez tivesse sido melhor aproveitar um dia de cada vez.

O mais importante é que a ilusão do fim da história pode nos colocar em caminhos profissionais que não nos ofereçam realização a longo prazo.

Um dia, você pode ter considerado que o alto salário era mais importante que o seu interesse inerente pelo trabalho que você faz – o que pode muito bem ter sido verdade naquela época.

Mas, quando você chega à casa dos 30 anos de idade, esses valores podem ter mudado e, agora, você talvez anseie por paixão e não por um holerite com altos valores.

“Aqui está o problema: quando nos deparamos com novos rumos na carreira ou perspectivas de emprego, se cometermos erros levando em conta o que achamos que terá importância, podemos decidir seguir (ou não) caminhos de que nos arrependeremos mais tarde”, escreve Hershfield.

Por isso, embora certamente não haja nada de errado em celebrar nossa “jornada”, todos nós faríamos bem em examinar um pouco mais de perto todos os possíveis caminhos à nossa frente.

As mudanças podem ser inevitáveis e, se nos esforçarmos mais para tentar reconhecer este fato, poderemos aproveitar ao máximo nossa incrível capacidade de crescimento.

* David Robson é escritor de ciências e autor do livro O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar sua vida (em tradução livre do inglês), publicado no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.


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