SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 15 de junho de 2025

Fé, Razão e Sentimento Uma Breve Reflexão sobre 1 Coríntios 13:13 e as Obras de Dostoiévski.

 

A fé, a razão e o sentimento. Três forças fundamentais que moldam nossa percepção do mundo e de nós mesmos. A primeira, a fé, é um movimento da alma que transcende o visível e o racional, uma entrega ao invisível, ao que não se pode tocar, mas que nos transforma no mais profundo do ser. A segunda, a razão, é o esforço da mente humana para ordenar o caos, estabelecer certezas, buscar explicações para as questões imperturbáveis da existência. E o sentimento, esse território nebuloso onde os corações se perdem e se encontram, traduz nossas vivências mais íntimas, aquelas que não podem ser completamente racionalizadas, mas que nos formam e nos constituem como seres humanos.

No versículo de 1 Coríntios 13:13, Paulo nos lembra que “agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o amor”. Este versículo sintetiza a complexa interdependência entre esses três pilares da existência humana. A fé, a razão e o sentimento, ao longo da vida, são como forças em constante tensão, se confrontando, se complementando e, muitas vezes, se contradizendo. Mas, ao final, o amor – como uma síntese da fé, da razão e do sentimento – emerge como o maior de todos. Não um amor romântico ou idealizado, mas um amor mais profundo, mais complexo, que engole todas as nossas certezas, acolhe nossas dúvidas e sustenta nossa busca incessante por sentido.

Fiódor Dostoiévski, em suas obras, como Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo, mergulha nas profundezas dessa luta entre a fé, a razão e o sentimento. Ele nos mostra, por meio de seus personagens torturados, que a razão humana, quando isolada de uma fé transcendental, pode se tornar uma ferramenta de desespero, de negação da própria humanidade. Raskólnikov, por exemplo, em Crime e Castigo, tenta justificar, com sua razão fria e calculista, o assassinato como um meio para um fim maior, mas é incapaz de suportar o peso do sentimento de culpa que o consome, uma vez que se distancia da moralidade e da fé. O sentimento, por mais que ele tente negar, nunca é eliminado, e a razão, sem a fé, se perde.

Já em Os Irmãos Karamazov, Dostoiévski nos apresenta a visão contrastante de Ivã Karamazov, que representa a razão pura, a lógica que se questiona até o infinito, mas que, sem o respaldo da fé, mergulha no abismo da dúvida existencial. Ele busca encontrar respostas para o sofrimento humano, mas não consegue reconciliar a dor com um Deus de amor. A fé de seu irmão Alyosha, por outro lado, não está na resposta racional para o sofrimento, mas na aceitação do mistério da vida, algo que transcende a razão e o sentimento individual. Para Alyosha, o amor é a força que une todas essas facetas da existência.

A fé, então, não é simplesmente uma crença cega ou uma abdicação da razão, mas uma forma de transcender as limitações da razão e do sentimento isolados. A fé verdadeira é aquela que não se impõe, mas que se revela no abraço do mistério e no acolhimento do sofrimento humano, como algo que nos ultrapassa e nos move, mesmo sem respostas definitivas.

A razão, quando separada da fé e do sentimento, torna-se uma espada que corta sem direção, que destrói mais do que constrói. No entanto, quando alinhada à fé e ao sentimento, a razão se torna o instrumento da criação, da descoberta e da compreensão do que é realmente essencial para a nossa existência.

E o sentimento, sem a razão e a fé, é um fogo sem direção, que consome sem construir. Mas quando o sentimento se integra à razão e à fé, ele se transforma em algo mais, algo que pode ser vivido com intensidade e profundidade, sem cair na superficialidade da paixão momentânea.

No fim, como Paulo nos ensina, o amor, que é a síntese da fé, da razão e do sentimento, é o maior. Não o amor fácil e imediato, mas o amor que se constrói na adversidade, que atravessa o sofrimento, que se mantém firme quando a razão falha e quando o sentimento vacila. Esse amor é a resposta que transcende todas as nossas limitações e nos conecta ao infinito.

E assim, a fé, a razão e o sentimento, embora diferentes em sua natureza, se entrelaçam e nos revelam o mais profundo da nossa humanidade: o desejo de encontrar sentido, de acreditar, de amar e de viver em harmonia com o que é maior do que nós.

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