SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Por uma escola que nos eleve para além do que somos.

 


Por uma escola que nos eleve para além do que somos

Por Lenina Vernucci da Silva, doutoranda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

  Publicado: 18/06/2025 às 17:29
Lenina Vernucci da Silva – Foto: Arquivo pessoal

 

Aideia de que estamos diante de uma nova forma de ensinar a aprender não é nova, mas ganha novos contornos com a política de resultados por meio de plataformas de ensino proposta pela atual gestão na educação pública do Estado de São Paulo. Para os parâmetros governamentais, a plataformização do ensino é modernizar, inovar e transformar a educação, colocando-a em um patamar de maior nível.

Ora, não há dúvida de que a tecnologia é um importante facilitador e até mesmo democratizador do acesso à informação. Isso não significa que a informação pode se transformar em conhecimento ou, talvez, em um conhecimento crítico. Segundo Desmurget, há todo tipo de coisa na internet, inclusive coisas muito ruins. E os jovens, os tais nativos digitais, desde geração Z à suposta geração Alfa, estão imersos na tecnologia, tendo acesso às mais variadas notícias, narrativas e possibilidades. Digo suposta geração Alfa por entender que não há consenso terminológico na literatura contemporânea sobre juventude, pois além das particularidades de cada país e acesso à tecnologia, é preciso pensar o que define uma geração para afirmar mudanças quanti e qualitativas entre uma e outra – nesse sentido, para Haidt ainda estamos na geração Z, mesmo as crianças nascidas na segunda década do século 21 (geração Beta, como já afirmam por aí).

Pensar as juventudes em fase escolar é, sem dúvida, fundamental para o fazer docente. Assim como pensar o que cabe à escola, os conteúdos que devem compô-la, o método adotado para o processo de ensino-aprendizagem e a até mesmo a organização do espaço escolar. A questão do conteúdo tem ocupado maior destaque por compreender que o conhecimento está mais acessível, portanto, não exclusivo do ambiente escolar. Então qual deveria ser o foco da escola?

O conhecimento socialmente acumulado pela sociedade ao longo de nossa existência deixa de ser o foco, e passamos a motivar nossos estudantes a uma educação pragmática que dialoga com sua realidade virtualmente construída. Daí as plataformas serem incorporadas ao ensino: segundo consta nos cursos da Secretaria da Educação, por meio de sua Escola de Formação (Efape), as plataformas são um caminho importante por valorizar a individualidade do estudante, que aprende segundo seu ritmo e vontade.

Mas se à escola cabe o papel de seguir aquilo que o estudante já gosta e entende, ela é necessária? Volto a Sócrates, avesso inclusive à escrita (por acreditar que poderia diminuir nossa capacidade mnemônica) e, por isso, valorizava o diálogo e a criticidade, fazendo seus interlocutores serem constantemente desafiados em seus saberes. Alguns, envergonhados de suas limitações, acusavam o pensador grego de arrogância ou insolência. Outros, passaram a segui-lo, entendendo suas limitações como possibilidades. Embora discordemos de Sócrates em relação à escrita (o tempo provou que escrever e ler livros não prejudica nossa memória), a internet, ao contrário, tem nos limitado demais, e as pesquisas mostram os perigos para a juventude.

O tempo de tela, ansiedade, desvio de foco e concentração, entre outros problemas – desinformação, pós-verdade, superficialidade – devem sim ser ponto de atenção, e as telas devem ser usadas com forte moderação na escola. Cabe, talvez, aos educadores uma alfabetização digital, que inclui mostrar como pesquisar e produzir com apoio do digital, como compreender os limites e violências das mídias sociais, dos jogos virtuais e suas salas de chat. Mas plataformas de ensino não deveriam ser o foco. Nem pela questão financeira em si (que já é algo que precisamos urgentemente questionar aos cofres públicos, o dinheiro destinado para as big techs), mas pela pouca profundidade que elas proporcionam em comparação ao que o conhecimento exige.

Uma educação voltada para aquilo que a juventude já conhece é limitante e desnecessária. Ser protagonista não é simplesmente deixar o jovem fazer, ou “mediar o conhecimento”. A educação não funciona dessa forma: é preciso de alguém que ensine sim. Um debate que não se esgota em poucas linhas, mas que não é o foco agora. O desafio é a superação dos nossos desejos, dos nossos saberes. É a indagação e indignação frente ao mundo tão vasto que existe. Uma educação que tira do conforto, que se presta ao mosquito que pica o cavalo para que ele se movimente, como dizia ser a função de Sócrates.

Talvez por isso a escola esteja condenada à morte, tal qual fora Sócrates. Por não sucumbir ao fácil, mas manter-se firme no que é o certo: dominar conteúdos que nos elevem para além do que somos. Os jovens mudaram muito, mas ter acesso ao que nos humaniza continua sendo necessário para sua formação, para a sua transformação e para a sua transformação social. Esperamos que a escola não morra, nem sucumba à plataformização que não atende às necessidades da juventude digitalmente nativa, e sim ao capital e grandes corporações. Importante lembrar que educação não é mercadoria nem espaço para desovar tecnologias. À juventude, todo nosso respeito, e isso implica em não a ter no centro do processo, mas ter o processo de ensino no centro do processo.

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