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quinta-feira, 31 de julho de 2025

Estados 'bolsonaristas' serão os mais afetados por tarifas de Trump, mesmo com isenções

 

Estados 'bolsonaristas' serão os mais afetados por tarifas de Trump, mesmo com isenções

Porto do Rio de Janeiro

Crédito,Getty Images

    • Author,Luiz Fernando Toledo
    • Role,Da BBC News Brasil em Londres

tarifaço de 50% anunciado pelo presidente americano Donald Trump sobre produtos brasileiros, oficializado na quarta-feira (30/7) pelo governo americano, pode ter impacto econômico maior nos Estados brasileiros em que houve mais apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro na última eleição presidencial.

O valor real do impacto ainda não foi calculado. E nem toda exportação será afetada: o texto do decreto que formaliza a medida traz uma série de exceções às taxações. Os setores de petróleo, polpa e suco de laranja e aviões, por exemplo, aparecem na lista de produtos brasileiros isentos.

O decreto de Trump detalha 694 produtos específicos isentos. Em geral, minerais, produtos energéticos, metais básicos, fertilizantes, papel e celulose, alguns produtos químicos e bens para aviação civil estão isentos da tarifação adicional.

Sete Estados brasileiros concentraram, no ano passado, mais de 80% de toda a exportação para os EUA: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Desses, com exceção de Minas, em que Lula ganhou por margem apertada (50,2% dos votos válidos), todos deram vitória a Bolsonaro no segundo turno do pleito de 2022 (veja mais detalhes no gráfico), segundo dados compilados pela BBC News Brasil.

Carne, frutas e café não entraram na lista de exceções - produtos exportados em grandes quantidades pelos Estados que concentram eleitores de Bolsonaro.

Na terça-feira (29/7) o secretário de Comércio dos Estados Unidos abriu possibilidade de tarifa zero para produtos agrícolas que os americanos não cultivam — algo que seria aplicado a todos os parceiros comerciais, não apenas o Brasil.

As novas tarifas entrarão em vigor em sete dias, a partir do dia 6 de agosto. Antes a previsão era que as novas taxas seriam implementadas já na sexta-feira (1º/8).

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Foram cerca de US$ 40 bilhões exportados no ano passado aos EUA, sendo os mais comuns os combustíveis minerais, café, ferro, aço, carnes e outros. Só São Paulo concentra mais de 30% dessas exportações - foram US$ 13,5 bilhões em 2024, ao todo.

Um dos motivos citados por Trump para a taxação foi o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo em que ele é acusado de tramar um golpe de Estado. O ex-presidente chegou a fazer uma publicação no X em que sugere que a sua anistia seria uma forma de resolver a ameaça das tarifas.

"Em havendo harmonia e independência entre os Poderes nasce o perdão entre os irmãos e, com a anistia também a paz para a economia", escreveu Bolsonaro, em postagem no X em 13 de julho.

A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) calcula que a lista de exceções ao tarifaço representa 43,4% do total das exportações brasileiras.

"Embora essas exceções atenuem parcialmente os efeitos da tarifa de 50% anunciada, a Amcham reforça que ainda há um impacto expressivo sobre setores estratégicos da economia brasileira", diz nota da entidade.

"Produtos que ficaram de fora da lista continuam sujeitos ao aumento tarifário, o que compromete a competitividade de empresas brasileiras e, potencialmente, cadeias globais de valor."

Para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o efeito político do tarifaço pode desgastar a imagem do bolsonarismo, mas abre uma oportunidade para presidenciáveis à direita no espectro político para se descolarem da imagem do ex-presidente.

Eduardo Bolsonaro diz que tarifas foram 'resposta legítima' dos EUA

O filho do ex-presidente Jair Bolsonardo, Eduardo, publicou em sua conta no X uma defesa das tarifas aplicadas por Trump.

Para ele, as medidas "foram uma resposta legítima às agressões do regime brasileiro contra interesses e cidadãos americanos".

Disse ainda que "a insistência na repressão política levará a um isolamento crescente, com efeitos duradouros sobre a economia e as relações internacionais do Brasil". Eduardo assina o texto como "deputado federal em exílio."

O aumento da taxação das exportações foi anunciado poucos meses após Eduardo Bolsonaro se licenciar do cargo de deputado federal e se mudar para os Estados Unidos.

Ele disse que se dedicaria em tempo integral a convencer o governo Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro no Brasil e obter sanções contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, sancionado pela Lei Magnitsky.

Ele chegou a publicar uma nota dizendo que a carta de Trump "apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade."

Em suas redes, Eduardo tem feito críticas a políticos que criticaram o tarifaço dos EUA sobre os produtos brasileiros, mas não se posicionam pela anistia de seu pai e dos presos pelas manifestações de 8 de janeiro.

"É impressionante que políticos se movam mais orientados por questões econômicas do que de liberdade", escreveu no X.

Em maio, o STF abriu inquérito para investigar Eduardo por suas ações nos EUA.

O inquérito foi instaurado a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que diz que "as retaliações buscadas, concatenadas e anunciadas intrepidamente contra as autoridades responsáveis pela condução dos casos mencionados nesta peça se assomam como graves atos de interferência sobre o livre exercício dos Poderes Constitucionais."

Eduardo Bolsonaro

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Eduardo Bolsonaro disse que medidas 'foram uma resposta legítima às agressões do regime brasileiro contra interesses e cidadãos americanos'

'Janela de oportunidade para a direita'

O professor de Ciência Política da FGV Carlos Pereira afirma que as tarifas impostas por Trump podem afetar setores que historicamente são aliados de Bolsonaro.

"Esse tarifaço teve como motivação uma tentativa de fragilizar a suprema corte perante a sociedade e, consequentemente, fortalecer a direita. Só que o tiro saiu pela culatra, não foi isso que aconteceu", diz Pereira.

"Como demonstrado nesses dados levantados pela BBC, vários desses Estados em que Bolsonaro foi muito bem votado são os que mais vão perder."

Ele vê a situação, no entanto, como uma janela de oportunidade para outras lideranças de direita.

"A direita tem uma chance de ouro de se livrar de Bolsonaro. É algo que a esquerda teve no passado, quando Lula foi preso. Mas não conseguiu e Lula conseguiu sendo a principal figura carismática da esquerda."

'Direita ficou batendo cabeça nas redes'

Beto Vasques, diretor de relações institucionais do Instituto Democracia em Xeque e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), avalia que a disputa narrativa sobre o tarifaço nas redes tem sido desfavorável a Bolsonaro.

Ele citou um estudo produzido pela organização que coordena, entre 10 e 18 de julho, que avaliou a quantidade de interações sobre o assunto em cinco redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube, X e Tiktok).

Os usuários foram divididos nos seguintes grupos: conservadores, progressistas, imprensa e outros.

Segundo o levantamento, houve três vezes mais interações dos conservadores do que dos progressistas, mas com mensagens divergentes e até contraditórias entre si.

"Nesse episódio do Trump, até porque a realidade facilitava, a esquerda passou uma mensagem muito simples: a de que o vilão é Donald Trump e que o propósito é salvar a pele da família Bolsonaro da cadeia. Uma mensagem simples, com vilão característico", disse.

"Enquanto isso, direita e extrema direita ficaram batendo cabeça, uns dizendo que o vilão era Moraes, outros que era o Lula. Quem tem dois inimigos não tem nenhum."

Uma pesquisa divulgada pela Quaest/Genial Investimentos após o anúncio do tarifaço indicou que a maioria dos entrevistados (59%) não acredita que Trump é capaz de inverter a inelegibilidade de Bolsonaro.

Mesmo entre eleitores do ex-presidente há um empate técnico: 46% acreditam que pode haver impacto, contra 45% que disseram que não haverá mudança.

Pesquisas da Quaest/Genial também indicam efeito negativo do tarifaço sobre as pretensões eleitorais de Bolsonaro em 2026, e uma melhora na popularidade de Lula, que antes estava em queda.

No último levantamento, Lula aparece vencendo Bolsonaro num segundo turno, enquanto na pesquisa anterior eles apareciam empatados. Mas Carlos Pereira, professor da FGV, avalia que, com o tempo, os impactos econômicos do tarifaço podem acabar prejudicando Lula.

"A questão é saber, se no médio e longo prazo, quando essas empresas começarem de fato a perder e houver impacto na economia, se o governo vai conseguir sustentar essa sensação positiva por muito tempo", diz.

"Eu não acho que é sustentável. No curto prazo foi ótimo para o governo, que estava perdido, sem narrativa. Em que pese pesquisas de opinião ainda mostrarem que a taxa de rejeição ao governo é maior do que a aprovação, mas a diferença diminuiu."

Governadores de Estados que mais exportaram aos EUA miram Lula nas críticas

Lula acena

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Presidente Lula foi criticado por governadores de alguns dos Estados que mais podem ser atingidos por tarifas

Os governadores de alguns dos Estados que mais podem ser atingidos pelo tarifaço têm repetido críticas ao presidente Lula nos últimos dias pelo que avaliam como falta de diálogo com os EUA.

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR) destacaram em falas públicas o que chamaram de falta de negociação do governo brasileiro com o americano. Já Eduardo Leite (PSD-RS) condenou também a articulação da família Bolsonaro no país.

Em evento organizado pela XP no último sábado, Tarcísio disse que seu governo tem tentado dialogar diretamente com autoridades americanas e criticou o governo federal por politizar a questão das tarifas.

"Estamos buscando parlamentares americanos, as empresas americanas, tentando pegar agentes do governo americano que possam sensibilizar pro tamanho do problema. E estamos fazendo isso de uma forma profissional, silenciosa, pra ver se a gente consegue atenuar esses efeitos. Porque infelizmente hoje a gente vive um momento onde se busca tirar proveito político de tudo, se busca dividir o país", disse.

Tarcísio é um dos principais cotados a suceder Jair Bolsonaro na disputa presidencial de 2026, já que o ex-presidente está inelegível por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral.

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) usou as redes sociais para defender Bolsonaro, criticar Lula e pedir a suspensão do tarifaço.

"Eu não tenho dúvida de que tem motivação política no julgamento de Jair Bolsonaro, por isso tenho estado ao lado dele desde o início. O STF, estamos vendo, já passou dos limites. As provocações e intromissões de Lula em assuntos dos Estados Unidos são lamentáveis. Mas esses erros e essas injustiças não devem ser consertadas com mais injustiça e erro. A taxação imposta pelo presidente Trump a produtos brasileiros é uma medida errada e injusta. Ela precisa ser revista porque penaliza todos os brasileiros, gente que votou contra e a favor do Lula."

Segundo a analista política e antropóloga Isabela Oliveira Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), governadores de Estados afetados pelo tarifaço estão em posição delicada.

Por um lado, eles têm dificuldade em criticar abertamente o lobby de Eduardo Bolsonaro com Trump, porque poderiam perder votos entre eleitores de Jair Bolsonaro. Por outro, precisam defender os interesses econômicos de seus Estados, que podem sofrer perdas importantes com o tarifaço.

"Eles ficam em uma posição de dizer, basicamente, que a culpa é do Lula, que Lula não pegou o telefone e ligou para os EUA. Que tipo de candidatura (na eleição de 2026) eles teriam sem a base bolsonarista?", avalia Kalil.

"É muito difícil imaginar esses governadores dizendo publicamente que Eduardo Bolsonaro está errado, que a família Bolsonaro está fazendo algo que prejudica o Brasil. Precisam contar com a base".

A exceção foi no discurso de Leite. Em entrevista ao UOL News, o governador do Rio Grande do Sul afirmou que a articulação da família do ex-presidente nos EUA foi "absolutamente imperdoável" e que colocar o país em sacrifícios "em função de um interesse pessoal não pode ser admitido."

Ele tampouco poupou Lula. Para Leite, o presidente "tem tido manifestações recorrentes ao longo da sua trajetória de alinhamento a ditaduras, de países que também não são democráticos, e de um discurso muitas vezes antiamericano, que fragiliza essa relação com um parceiro comercial importante."

Kalil avalia que postura dos governadores contrasta com a do restante da política, citando o exemplo da comitiva de senadores que foi aos EUA para tentar negociar sobre as tarifas, incluindo os ex-ministros de Bolsonaro Tereza Cristina (PP-MS) e Marcos Pontes (PL-SP).

"Sinalizam que, à frente da lealdade ao Bolsonaro está à lealdade às suas bases, aos seus interesses econômicos. Ninguém vai rifar suas relações com setores produtivos que ajudaram eles a se eleger, como o agro, para ficar defendendo a família Bolsonaro, por mais que publicamente não coloquem nesses termos."

Gráficos por Carla Rosch, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil.

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