SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A Sabedoria: Uma Jornada das Trevas à Luz por Egidio Guerra




1. As Origens Gregas: A Sabedoria como Alêtheia e Eros 

Na Grécia antiga, antes de Sócrates e Platão, a sabedoria (Sophia) não era uma disciplina acadêmica, mas uma força viva e sombria. Como Peter Kingsley explora brilhantemente em "Nos Lugares Escuros da Sabedoria", a verdadeira sabedoria nasceu no escuro, no silêncio e no sono. Os primeiros filósofos, como Parmênides e Empédocles, não eram teóricos de gabinete, mas místicos e curadores. 

Eles buscavam a Alêtheia (ἀλήθεια), que significa "verdade", mas literalmente "não-esquecimento" ou "des-ocultação". A sabedoria era o processo de desvelar uma realidade eterna que jaz oculta sob o mundo das aparências. Isso exigia uma descida aos "lugares escuros" – um estado de receptividade profunda, de incubação (passar a noite em um santuário para receber sonhos reveladores), longe da racionalidade barulhenta. Era uma sabedoria recebida, não conquistada; uma rendição ao mistério, não uma conquista intelectual. 

2. A Tradição Bíblica: A Sabedoria como Chokmah e o Temor a Deus 

Na Bíblia, a sabedoria (em hebraico, Chokmah) é personificada. No livro de Provérbios, ela é uma mestra celestial que estava com Deus antes da criação do mundo. É um princípio divino e ordenador da realidade. 

  • Sabedoria Prática: Em livros como Provérbios e Eclesiastes, a sabedoria é profundamente prática, ensinando sobre justiça, prudência, trabalho e relacionamentos. É o guia para uma vida boa e reta. 

  • O Temor a Deus: A famosa frase "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria" (Provérbios 9:10) não se refere a um medo servil, mas a um profundo reconhecimento da finitude humana perante o infinito divino. É a humildade de quem sabe que não sabe tudo, abrindo-se assim à verdadeira sabedoria que vem do Alto. 




3. A Cabala: A Sabedoria como Chokmah e o Fluxo Divino 

Na Cabala, a árvore da vida é composta por dez Sefirot (emissores), que são atributos através dos quais o Infinito (Ein Sof) se manifesta. Chokmah é a segunda Sefirah, representando o ponto primordial de pura inspiração, o flash de insight que antecede a compreensão. 

  • É a sabedoria como um relâmpago, uma centelha divina e não-verbal. Está associada ao princípio masculino, à energia dinâmica e criativa que se une a Binah (Entendimento) para dar forma ao universo. A sabedoria cabalística, portanto, é um processo de receber (Kabbalah significa "receber") esse fluxo divino e canalizá-lo para a cura (Tikkun Olam, o conserto do mundo) e a elevação espiritual. 

4. A Perspectiva Histórica e dos Líderes Espirituais: A Sabedoria Encarnada 

A história está repleta de figuras que encarnaram a sabedoria não através de discursos, mas de ações e estados de ser. 

  • Sócrates: Sabia que sua verdadeira sabedoria estava em saber que nada sabia. Sua maiêutica era um método para dar à luz a sabedoria que já estava dentro do outro. 

  • Buda: Ensinou que a sabedoria (Prajna) é a compreensão direta da natureza impermanente e interdependente de todas as coisas, que liberta do sofrimento. 

  • Jesus Cristo: Sua sabedoria era paradoxal: "os últimos serão os primeiros", "perdoai setenta vezes sete". Era uma sabedoria do coração, do serviço e do amor radical, que subvertia a lógica convencional de poder. 

  • Mestres Sufis como Rumi: Buscavam a sabedoria através do amor divino e da dança, dissolvendo o ego para encontrar a unidade com o Todo. 

Estes líderes mostram que a sabedoria raramente é popular a curto prazo. Muitas vezes, ela desafia o status quo, questiona o poder estabelecido e é recebida com incompreensão ou hostilidade. O "sábio" histórico é frequentemente o "louco" ou o herege de seu tempo. 

5. A Síntese de Peter Kingsley e os Dias Atuais: A Sabedoria no Deserto Moderno 

Kingsley nos traz um alerta crucial: ao intelectualizarmos a filosofia e a sabedoria, nós a perdemos. Transformamos uma experiência vital de transformação em um mero exercício de lógica e debate. 

O mundo moderno, com seu culto à velocidade, à produtividade e à informação superficial, é a antítese dos "lugares escuros" de onde a sabedoria emerge. Estamos intoxicados pelo ruído e fugimos do silêncio, que é o útero da verdadeira compreensão. 

A sabedoria hoje, portanto, talvez seja o ato mais radical possível: 

  • Cultivar o Silêncio: Buscar a quietude interna em um mundo barulhento. 

  • Aceitar a Escuridão: Entender que o insight profundo muitas vezes vem da dor, da crise, da confusão e da não-resposta – dos "lugares escuros". 

  • Integrar em vez de Fragmentar: A verdadeira sabedoria não separa a ciência da espiritualidade, a razão da intuição, o indivíduo do coletivo. Ela busca a unidade. 

  • Prática sobre Teoria: A sabedoria não é o que se diz, mas o que se vive. É a compaixão em ação, a integridade na adversidade, a serenidade no caos. 



Conclusão 

A jornada da sabedoria, da Grécia arcaica aos dias de hoje, é uma espiral. Começa com a rendição de Parmênides ao mistério, passa pela personificação divina na Bíblia, pela complexidade metafísica da Cabala e pela encarnação prática nos líderes espirituais. 

O chamado de Peter Kingsley é um eco desse início: para encontrar a luz da sabedoria,我们必须我们必须 (我们必须 - devemos, em português)我们必须 ter a coragem de descer às nossas próprias trevas, de abandonar a arrogância do saber e de nos tornarmos receptáculos vazios e silenciosos, prontos para receber um entendimento que nunca foi nosso, mas sempre esteve aqui, esperando no escuro para ser revelado. A sabedoria não é uma conquista; é uma descoberta. Não é um destino; é um retorno a casa. 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário