SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A Busca pelo Domínio Global da Extrema Direita: Do Estado de Exceção à Guerra Civil Permanente por Egidio Guerra.

 

A ascensão de movimentos de extrema direita em diversas partes do mundo, notadamente nos Estados Unidos, não é um fenômeno aleatório ou meramente reativo. É um projeto político sofisticado e sinistro que, ecoando as práticas do fascismo e do nazismo do século XX, busca o domínio através da sistemática desmontagem da democracia liberal. Para entender essa estratégia, as obras de Giorgio Agamben, em particular os conceitos de Stasis (Guerra Civil) e Estado de Exceção, oferecem uma lente teórica poderosa, que se materializa na análise concreta de David A. Graham em "O Projeto". 

1. O Fim da Democracia pelo Estado de Exceção Permanente 

Giorgio Agamben, em "Estado de Sítio", argumenta que o estado de exceção – a suspensão temporária da ordem jurídica para salvar a República – tornou-se a técnica fundamental de governo moderna. O que era para ser exceção transformou-se em regra, uma "zona de indiferença" onde a lei é suspensa, mas a sua força ainda é aplicada, criando um vazio onde os cidadãos podem ser reduzidos à "vida nua" (Homo Sacer), destituídos de direitos políticos e jurídicos. 

A extrema direita aplica esse manual à perfeição. Ela não busca conquistar o poder dentro das regras democráticas para depois governar; seu objetivo é suspender as regras do jogo democrático. Isso é feito através de: 

  • Narrativa de Emergência Permanente: Seja a "invasão migratória", o "perigo comunista", a "ameaça globalista" ou o "caos da esquerda", cria-se uma sensação de crise existencial que justifica medidas extraordinárias. Esta é a mesma lógica usada por Hitler com o incêndio do Reichstag. 

  • Erosão Institucional: O ataque sistemático à imprensa livre ("inimiga do povo"), ao judiciário ("politizado"), aos processos eleitorais ("fraudulentos") e ao serviço público ("Estado profundo") visa deslegitimar todos os freios e contrapesos que poderiam impedir a concentração absoluta de poder. Como Graham detalha, "O Projeto" da extrema direita nos EUA é colocar aliados leais em todas as esferas do governo, não para administrar, mas para controlar e subverter. 




2. A Guerra Civil como Paradigma Político (Stasis) 

Em "Stasis", Agamben propõe que a guerra civil não é o oposto da política, mas seu paradigma fundamental oculto. A política, em seu estado mais puro, é a gestão e a contenção do conflito inerente à comunidade. 

A extrema direita, no entanto, não busca conter o conflito; ela busca ativá-lo e instrumentalizá-lo. Ela não deseja unificar a nação, mas dividi-la radicalmente entre "nós" (o povo verdadeiro, patriota) e "eles" (os traidores, os corruptos, os diferentes). Esta é a essência da Stasis: 

  • Polarização como Estratégia: A meta não é debater ideias, mas destruir a possibilidade do diálogo. A linguagem é weaponizada para humilhar, inferiorizar e desumanizar o oponente. A tática nazista de definir um inimigo interno é revitalizada. 

  • Ameaça de Violência: Milícias armadas, grupos paramilitares e retórica incendiária servem para manter uma constante ameaça de guerra civil latente. A insurreição do Capitólio em 6 de janeiro foi um ensaio geral, uma demonstração de força e uma tentativa de intimidação. A violência não é um subproduto; é uma ferramenta política central. 

3. Novas Armas: A Tecnologia da Desinformação e o Controle Biopolítico 

Os fascismos do século XX tinham o rádio e a imprensa massiva. A extrema direita de hoje possui armas infinitamente mais poderosas: 

  • Redes Sociais e Algoritmos: Plataformas digitais permitem a criação de ecossistemas de informação fechados (como o ecossistema de desinformação eleitoral analisado por Graham), onde narrativas conspiratórias se amplificam e se tornam realidade alternativa para milhões. É uma máquina de produzir Stasis em escala industrial, criando mundos paralelos onde a violência parece a única resposta legítima. 

  • Vigilância e Dados: O controle biopolítico – o poder sobre a vida dos cidadãos – é potencializado pela coleta massiva de dados. O estado de exceção agambeniano é alimentado por tecnologia de vigilância que pode identificar, categorizar e controlar dissidentes com eficiência inédita. 

Conclusão: Do Domínio Nacional ao Projeto Global 

A busca pelo domínio mundial não se dá necessariamente através de uma guerra mundial convencional, mas pela exportação deste modelo. A extrema direita opera como uma rede internacional (como se vê na conexão entre movimentos nos EUA, Brasil, Europa e Rússia), compartilhando táticas, narrativas e financiamento. 

O objetivo final é substituir a ordem democrática internacional, baseada (ainda que imperfeitamente) em direitos humanos e instituições multilaterais, por uma nova ordem baseada no poder soberano irrestrito de líderes fortes, na lei do mais forte e na divisão permanente da humanidade entre grupos identitários em conflito perpétuo. É a normalização global do estado de exceção e a elevação da Stasis – a guerra civil de todos contra todos – ao status de princípio organizador da sociedade. O aviso de Agamben torna-se, assim, um diagnóstico urgente do nosso presente: estamos um passo de que o estado de sítio se torne a única forma de política. 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário