Vivemos em uma sociedade que idolatra a juventude. Filmes, propagandas e até narrativas empresariais falam do novo, do veloz, do jovem. O envelhecimento, nesse imaginário, é sinônimo de perda: perda de energia, de beleza, de prazeres. Por isso, muitos acreditam que envelhecer significa caminhar para o fim da linha, resignando-se a trocar sonhos por memórias. Esse é, no entanto, o primeiro passo rumo à morte existencial: quando a pessoa se contenta apenas em lembrar, em vez de continuar a protagonizar.
O problema não está no envelhecimento em si, mas na forma como escolhemos atravessá-lo. Quem encara a maturidade como decadência, perde a chance de descobrir que, ao contrário, ela é uma fase de potência — não a potência do corpo, mas a potência da alma.
Cláusulas pétreas da vida: a integridade como base
A maturidade só floresce plenamente quando chegamos a ela com nossas cláusulas pétreas da vida preservadas. Esses princípios inegociáveis — integridade, caráter, autenticidade — são o cimento que nos sustenta diante das erosões do tempo. Se nos mantemos fiéis a eles, não perdemos prazeres; apenas os transformamos.
Assim como a água que, ao mudar de estado, continua sendo água, também nós migramos de uma forma de prazer para outra, sem deixar de ser quem somos. Essa transição não é uma renúncia, mas uma expansão.
A troca de prazeres: do usufruir ao proporcionar
Na juventude e vida adulta, nossos prazeres estão centrados no usufruto: viajar, conquistar, provar, experimentar. Na maturidade, começa uma transformação sutil. Descobrimos que há tanta intensidade — ou até mais — em proporcionar prazer a outros quanto em viver para nós mesmos.
Nietzsche falava da “transvaloração de todos os valores”. O envelhecer, quando bem vivido, é justamente essa transvaloração: o egoísmo dá lugar ao altruísmo, o “sentir” dá lugar ao “fazer sentirem”. E isso não é menos prazeroso. Muitas vezes, é mais.
O sorriso de um filho, a conquista de um neto, o brilho nos olhos de alguém que ajudamos — esses prazeres não são menores; são apenas de outra natureza. Quem entende isso, descobre que envelhecer não é empobrecer, mas enriquecer.
A importância do protagonismo em qualquer idade
O fio que costura todas as fases da vida é o protagonismo. Não importa se somos jovens, adultos ou maduros: o que não podemos é viver de forma coadjuvante, passiva, apenas reagindo ao que acontece.
O futuro não é um lugar para onde vamos. O futuro é um espaço que ajudamos a construir todos os dias. Quem se retira do palco cedo demais, acreditando que sua parte já terminou, abdica da maior riqueza da maturidade: a possibilidade de orientar, inspirar e guiar.
Ser protagonista significa não aceitar a lógica do “fim”. Significa manter-se no jogo, ainda que em novas posições, exercendo influência com sabedoria.
O verdadeiro sucesso: quatro fases da relação com a história
Ser bem-sucedido não é acumular bens, dinheiro ou poder. É atravessar as quatro fases da relação humana com a história:
- Na infância: ouvir histórias. É o tempo da imaginação, quando o mundo é revelado por narrativas.
- Na vida adulta: fazer histórias. É o tempo da ação, da construção, dos feitos.
- Na maturidade: contar histórias. É o tempo da sabedoria, da partilha, do legado.
- Na morte: virar história. É o tempo de permanecer, de ser lembrado, de inspirar.
Aquele que atravessa essas quatro etapas plenamente pode, de fato, se considerar bem-sucedido. Não pelo que possui, mas pelo que se tornou e deixou.
O risco da abdicação precoce
Infelizmente, muitos abandonam o protagonismo cedo demais. Quando a vida adulta começa a pesar, abrem mão dos sonhos e se refugiam nas memórias. Vivem como se estivessem apenas aguardando o final.
Essa abdicação é perigosa. Porque viver não é apenas respirar: é construir sentido. Uma vida sem protagonismo é uma vida sem significado, e sem significado, a maturidade se torna apenas um prolongamento estéril do tempo.
A maturidade como ápice da vida
Se olharmos para a vida como uma curva, a juventude é a largada, a vida adulta é o meio do caminho, mas a maturidade é o cume da montanha. É ali que finalmente temos visão panorâmica.
Na juventude, temos energia, mas falta perspectiva. Na vida adulta, temos conquistas, mas falta tempo. Na maturidade, quando chegamos inteiros, temos o mais raro dos bens: a capacidade de olhar para trás sem remorso e para frente sem medo.
Essa é a verdadeira vitória do tempo: não nos tirar prazeres, mas nos dar outros mais sutis, mais plenos e mais profundos.
A pedagogia da maturidade
A maturidade é, em si, uma forma de pedagogia. Ensina que a vida não é apenas sobre acumular, mas também sobre compartilhar. Ensina que a beleza não está apenas no vigor físico, mas na serenidade do espírito. Ensina que felicidade não é intensidade contínua, mas ritmo harmônico entre usufruir e proporcionar.
E, sobretudo, ensina que cada fase da vida tem seu protagonismo específico. A criança protagoniza na imaginação, o adulto na ação, o maduro na sabedoria.
Viver é protagonizar até o fim
A verdadeira decadência não está em envelhecer. Está em desistir de sonhar, de protagonizar, de ser parte ativa da construção do futuro.
Quem preserva suas cláusulas pétreas e entende a troca de prazeres não apenas envelhece: amadurece. E amadurecer é uma bênção, não um fardo.
No fim, só pode ser chamado de bem-sucedido aquele que atravessou todas as fases da relação com a história, mantendo-se protagonista até o último ato.
Porque viver, afinal, é isso: continuar escrevendo capítulos, mesmo quando o livro parece estar perto do epílogo.
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