Antes do voto ou da guerra política, existe a ética, o amor a Deus e ao povo brasileiro. Existem os trabalhadores que produzem e consomem nossos produtos, aqui e nos EUA; os empresários; os governos que devem servir às nações pela democracia e, claro, pela lei. Tento olhar nos olhos de Bolsonaro e Trump, o olhar de quem é olhado sobre quem olha. Vejo um olhar utilitário, astuto e agressivamente egoísta, sem culpa por seus atos e omissões. Vejo também o olhar daqueles que seguem cegamente suas violências e palavras vazias de sentido, ciência, economia e valores.
O mundo e a política já não controlam a situação, mas controlam os indivíduos que deixam de pensar e se tornam insensíveis e indiferentes às dores dos outros. Crises econômicas, ditaduras e holocaustos como o Terceiro Reich e Gaza não são orgias de monstros e demônios, mas condições horríveis que levaram alemães, e agora republicanos americanos e brasileiros, a se calarem sobre o que essas violências e brutalidades provocam na vida de milhões de pessoas. Não adianta querer fugir de insuportáveis dilemas humanos!
Basta olhar os olhos de uma criança inocente com fome, de um pai procurando emprego, de uma empresa falida pelas tarifas ou, de forma mais simples, de quem busca por amor e recebe indiferença e maldade, até mesmo nas falsas igrejas. O que você diria para uma criança judia na Alemanha que busca ser salva? Você se omitiria, calaria ou simplesmente fingiria não ver, cumprindo as ordens de Trump, Bolsonaro e Benjamin Netanyahu?
O mal está em não reagir ao sofrimento de outra pessoa, em sermos insensíveis e não nos importarmos com a ética, a justiça social e Deus, que luta pelos pobres, imigrantes e escravos. Culpar apenas o Estado, os partidos e as oligarquias por suas maldades é um absurdo. Cada um de nós tem culpa pelo silêncio diante dessas violências, das corrupções, das fake news.
Como escreveu Carl Gustav Jung em seus estudos sobre o cristianismo e o judaísmo: quando não houver diferença entre o certo e o errado, a verdade e a mentira, as violências e a bondade, o mal terá dominado tudo, começando pela sua consciência, coração e alma. Afinal, liberdade para os inimigos da liberdade e tolerância para os inimigos da tolerância não é a lei, o nome disso é a lei humana e divina.
Má sorte é a sina de Hitler, Stalin, Benjamin Netanyahu, Trump e Bolsonaro, que expressam a doutrina da intolerância. A eles cabe a lei, e não o silêncio e a indiferença. Eles são sedentos de sangue, tumulto e crueldade. Mas muitos preferem ser amigos das aparências, dos poderosos ou de quem lhes garante suas ambições e vaidades, muitas vezes associadas ao consumo de luxúria. E simplesmente lavam as mãos, como fizeram com Jesus.
Mas as relações entre pessoas não se resumem a consumidores e mercadorias. Não devemos usar pessoas ou nos deixar ser usados por poderosos para que atendam nossas expectativas. Afinal, a democracia, a Constituição, a lei e a Bíblia foram criadas contra essas maldades diabólicas feitas por indivíduos com ou sem poder. Mas não se esqueça: vêm outras mercadorias ou poderes para satisfazer os mesmos desejos, e eles não preenchem o vazio. Sua consciência, alma e corpo não conseguem esconder de você mesmo seus atos e omissões.
O consumo, os poderes e os falsos deuses dominam mais do que a verdade, mas você sempre tem o direito de escolher de que lado está. Não é uma questão entre Lula e Bolsonaro, mas de que Deus falamos? Das famílias pobres ou dos poderosos e bilionários? E se somos uma nação? Ou ainda, se somos humanos com ética e espiritualidade?"
O rosto do Outro como espelho da divindade e a revolta contra a indiferença
Como nos lembra, a ética começa no rosto do Outro — naquele que me interpela, que me exige responsabilidade antes mesmo de qualquer contrato ou lei. "A epifania do rosto é ética", escreve Levinas. O olhar da criança faminta, do pai desempregado, do refugiado rejeitado é um chamado divino: "Não matarás" não é um mandamento abstrato, mas um grito que desarma minha indiferença. Bolsonaro, Trump e Netanyahu não falham apenas na política; falham como seres humanos, pois reduzem o Outro a um obstáculo ou instrumento. Suas políticas de exclusão e ódio negam a própria humanidade que deveriam servir.
Em O Mestre e Margarida, Mikhail Bulgakov expõe a corrupção do poder com ironia diabólica. Woland, o demônio, diz: "O homem é pobre porque não sabe ver a riqueza ao seu redor". Mas a verdadeira riqueza está na solidariedade, como mostra Margarida, que renuncia ao seu desejo pessoal para salvar almas condenadas. Enquanto isso, os burocratas de Moscou — assim como os políticos modernos — preocupam-se apenas com aparências e privilégios. A cena em que Pilatos condena Yeshua (Jesus) no romance ecoa nossos tempos: a covardia do poder que lava as mãos enquanto inocentes sofrem.
Pier Paolo Pasolini, em O Evangelho Segundo São Mateus, mostra um Cristo radical — não o messias dos ricos, mas o que lança "a si sobre os poderosos". Sua câmera crua sobre os rostos dos pobres e oprimidos é um soco no estômago da hipocrisia religiosa que hoje abençoa armas e desigualdades. Já em Decamerão, Pasolini celebra a vida dos marginalizados, sua resistência através do riso e do corpo, numa crítica direta aos moralismos vazios que servem ao status quo.
A escolha entre o Céu e o Inferno
Levinas alerta: "A justiça só é possível se reconheço que o Outro vale mais que eu". Trump e Bolsonaro invertem essa lógica — para eles, o povo é apenas meio para seu projeto de poder. Mas como Bulgakov nos lembra, o diabo não precisa do fogo do inferno; basta a mediocridade humana que troca a alma por um pouco de conforto.
Pasolini, Levinas e Bulgakov nos convocam à : recusar a cumplicidade com os algozes, seja pelo voto, pelo silêncio ou pelo consumo alienado. A verdadeira espiritualidade não se esconde em templos, mas nas ruas, onde crianças imigrantes, judias, palestinas ou brasileiras ainda esperam por quem as defenda.
Como diz Levinas: "Deus vem à ideia" no momento em que escolhemos o Outro. Resta perguntar: em qual Deus acreditamos? No dos opressores — ou no que crucificaram por amar demais?"
A voz de Anatole France ecoa essa crítica à indiferença disfarçada de lei ou ordem. Sua famosa frase, "A majestosa igualdade da lei, que proíbe tanto ricos como pobres de dormir debaixo das pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão", revela a perversidade de um sistema que, sob o manto da legalidade, perpetua a injustiça e a miséria. A taxação, em sua essência, deveria ser um instrumento de justiça e equidade, e não de violência ou de favorecimento de poucos em detrimento de muitos. Quando ela se torna um fardo para os mais vulneráveis, é a própria ética que é violada.
O Espírito e a Vida em Face da Barbaridade
A crítica de Ludwig Klages à civilização moderna, que ele via como um afastamento da vida e da alma em favor de uma racionalidade abstrata e tecnocrática, ressoa com a preocupação sobre a perda de sentido e valores. Para Klages, a excessiva intelectualização e a dominação do espírito (Geist) sobre a alma (Seele) e a vida (Leben) levam à frieza e à indiferença, a uma desconexão com o que é verdadeiramente humano. A busca utilitária de Bolsonaro e Trump, desprovida de empatia, pode ser vista como uma manifestação desse "espírito" que, ao se desconectar da vida pulsante e de suas dores, gera a barbárie.
A Formação do Caráter e a Trágica Escolha Humana
Eduard Spranger, com sua teoria dos tipos de personalidade baseada em valores, poderia analisar a conduta desses líderes. A busca desenfreada por poder e controle, a indiferença ao sofrimento alheio, a instrumentalização das pessoas, tudo isso aponta para uma personalidade desviada dos valores éticos e sociais. Spranger defenderia que uma educação e uma sociedade verdadeiramente humanas devem fomentar o desenvolvimento de valores como o altruísmo, a solidariedade e a busca pela verdade, valores ausentes na conduta desses falsos lideres.
O Diabo, a Ilusão e a Escolha da Consciência
A obra "El Diablo Cojuelo" de Luis Vélez de Guevara oferece uma metáfora poderosa para essa ilusão. O Diabo Coxo, ao levantar os telhados das casas, revela a verdade oculta por trás das aparências, expondo as hipocrisias, as vaidades e as ambições que movem os homens. Assim como o diabo de Guevara revela a podridão por trás dos belos edifícios, seu manifesto busca desvelar a verdadeira natureza das ações de certos líderes, que, sob o verniz do poder e da retórica, escondem a indiferença e a crueldade. O consumo, os poderes e os falsos deuses dominam mais do que a verdade, mas você sempre tem o direito de escolher de que lado está?
A resposta a essas perguntas reside na nossa capacidade de não ceder à indiferença, de ouvir a interpelação do Outro e de agir com base na ética, na justiça e no amor, os verdadeiros pilares de uma sociedade digna e humana.
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