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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O Tarifaço de 50%: O Absurdo Geopolítico e os Caminhos para a Resiliência Brasileira por Egidio Guerra.


A imposição de tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros por parte do ex-presidente Donald Trump, sob a justificativa de "desequilíbrios comerciais" ou "segurança nacional", representaria não uma mera medida protecionista, mas um ato de guerra económica sem precedentes na relação bilateral. Um valor tão extorsivo e abrangente beira o inconcebível, configurando um absurdo económico, diplomático e geopolítico de proporções monumentais. Superar um desafio desta magnitude exigiria do Brasil uma mobilização estratégica que aproveitasse todas as suas vantagens estruturais: um vasto mercado interno, uma população enorme e uma reinserção inteligente no tabuleiro geopolítico global, aprendendo com as ações de outras nações que enfrentaram medidas similares.

O Absurdo de uma Taxa de 50%: Um Tiro no Pé Global

A simples proposta de uma tarifa de 50% é considerada absurda pela comunidade internacional por motivos incontestáveis:

  1. Aniquilação Comercial: Diferente de tarifas setoriais (como as anteriores sobre aço e alumínio), uma taxa de 50% universal é uma barreira intransponível. Ela tornaria virtualmente todos os produtos brasileiros – do café à celulose, dos calçados às aeronaves – proibitivamente caros no mercado norte-americano, efetivamente expulsando o Brasil de sua segunda maior parceira comercial.

  2. Inflação Imediata nos EUA: O consumidor e a indústria norte-americana seriam severamente impactados. Setores como agropecuário (que depende de produtos tropicais), construção civil (que importa madeira e ferro) e varejo sofreriam com a disparada de custos, gerando inflação e descontentamento interno.

  3. Deslegitimação Total da OMC: Uma medida tão agressiva rasga completamente o livro de regras da Organização Mundial do Comércio, aprofundando a crise do multilateralismo e abrindo um perigoso precedente para que qualquer país adote medidas similares arbitrariamente.

O Posicionamento das Instituições e Economistas

  • Banco Mundial e Economistas Internacionais: A reação seria de choque. Organismos multilaterais classificariam a medida como catastroficamente disruptiva para as cadeias globais de suprimentos. Economistas de todos os espectros alertariam para uma espiral protecionista global, capaz de levar a economia mundial a uma recessão. A condenação seria unânime e severa.

  • Economistas, Governo e Empresários Brasileiros: O governo brasileiro se veria forçado a uma resposta firme e imediata. A pauta exportadora brasileira, diversificada, entraria em colapso em diversos setores. Economistas dividiriam-se entre os que defendem uma retaliação comercial simétrica e dura (mesmo com riscos) e os que pregam cautela extrema para não piorar a situação. Empresários exportadores entrariam em pânico, pressionando por auxílio governamental e buscando desesperadamente mercados alternativos. Os bancos revisariam drasticamente suas previsões de crescimento para o país e para empresas exportadoras, possivelmente contraindo crédito para esses setores.

  • Bancos e Sistema Financeiro: A instabilidade geraria fuga de capitais e desvalorização cambial. O Banco Central teria que intervir para conter a volatilidade do dólar, enquanto o BNDES e outros bancos públicos teriam que criar linhas de emergência para empresas afetadas.

Lições de Outras Nações: Do Conflito à Diversificação

Países que enfrentaram tarifas de Trump adotaram um leque de estratégias:

  1. Retaliação Direta e Cirúrgica (União Europeia/China): Retaliaram com tarifas sobre produtos simbólicos e sensíveis ao eleitorado de Trump (whiskey, Harley-Davidson, produtos agrícolas). O objetivo era infligir dor política interna para forçar uma recuo.

  2. Contencioso na OMC: Apesar da paralisia do sistema, abrir disputas formais é crucial para marcar uma posição de legalidade e preparar o terreno para compensações futuras.

  3. Acordos Bilaterais (Estratégia Pragmática): Alguns países aceitaram cotas de exportação (limites voluntários) em troca de isenção tarifária. Para um tarifaço de 50%, essa opção seria muito menos vantajosa, pois as cotas seriam mínimas.

Para o Brasil, a retaliação pura seria perigosa devido à assimetria de poder. A lição mais valiosa é a diversificação acelerada de mercados, acelerando acordos com a União Europeia, EFTA, Reino Unido, Canadá e países da Ásia, especialmente China e Índia.

O Papel do Mercado Interno, População e Geopolítica

Perante uma crise dessas proporções, as vantagens intrínsecas do Brasil se tornariam seus principais escudos e motores de recuperação:

  1. Mercado Interno de Grande Porte (Resiliência): Com um PIB de mais de US$ 2 trilhões e uma população de 215 milhões de pessoas, o Brasil possui um mercado interno enorme e diversificado. Uma estratégia de "internalização da economia" ganharia força urgente. O foco teria que ser:

    • Substituição de Importações: Estimular a produção local de bens que o Brasil ainda importa.

    • Estímulo ao Consumo Interno: Políticas fiscais e de crédito para aquecer a demanda interna e absorver parte da produção que antes era exportada.

    • Integração de Cadeias Produtivas: Fortalecer a indústria nacional para reduzir a dependência de insumos importados.

  2. População (Mão de Obra e Consumo): A grande população não é apenas um mercado consumidor, mas também uma fonte de mão de obra e talento. Políticas de qualificação e incentivo ao empreendedorismo seriam essenciais para reabsorver trabalhadores de setores exportadores afetados e fomentar novos negócios orientados para o mercado doméstico.

  3. Geopolítica Internacional (Multialinhamento): O Brasil seria forçado a abandonar qualquer ilusão de alinhamento automático e abraçar um multialinhamento pragmático e assertivo.

    • Aprofundamento com a China: A relação com a China, já nosso maior parceiro comercial, se tornaria ainda mais vital. A diversificação das exportações para o mercado chinês, para além das commodities, seria uma prioridade absoluta.

    • Reativação de Parcerias Regionais: O Mercosul, muitas vezes negligenciado, ganharia nova importância como espaço para integração produtiva e comércio regional.

    • Liderança no Sul Global: O Brasil poderia assumir a liderança na luta contra o protecionismo desleal, articulando coalizões de países em desenvolvimento na OMC e em outros fóruns, transformando uma vulnerabilidade em poder de barganha.

Conclusão: Da Vulnerabilidade à Oportunidade Forçada

Um tarifaço de 50% seria um evento devastador no curto prazo, expondo a vulnerabilidade extrema do Brasil diante de decisões unilaterais de um parceiro comercial gigante. No entanto, forçaria uma reavaliação profunda e dolorosa do modelo económico brasileiro. A saída não estaria na submissão ou em uma guerra comercial suicida, mas na articulação de uma estratégia tripla: defender-se diplomaticamente e na OMC; diversificar agressivamente os mercados externos; e, o mais importante, redescobrir e fortalecer o próprio mercado interno.

A crise, em sua absurdidade, poderia ser o catalisador para um projeto nacional de longo prazo menos dependente de volatilidades externas e mais focado em desenvolver suas próprias capacidades produtivas e seu imenso potencial de consumo interno. O tamanho e a riqueza do Brasil são suas maiores armas nesse cenário – a tarefa seria usá-las com inteligência e coragem.

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