SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sábado, 5 de julho de 2025

Pele escura, olhos castanhos, baixa estatura: o que DNA revela sobre homem que viveu no Egito há 4,5 mil anos

    • viveu no Egito há 4,5 mil anos

      Pirâmides

      Crédito,Getty Images

      Legenda da foto,Restos mortais do indivíduo que viveu na época da construção das primeiras pirâmides foram encontradas 265 km ao sul do Cairo


Em Nuwayrat, um vilarejo localizado no vale no rio Nilo a cerca de 265 km do Cairo, no Egito, viveu um homem de pele escura, cabelos castanhos, olhos amendoados, com no máximo 1,60 m de altura, que teve uma vida longeva para os padrões da época.

Ele sofria com uma artrite avançada no pé direito e no pescoço. E tinha uma ancestralidade majoritariamente relacionada ao norte da África — embora 20% de suas origens estivessem enraizadas no oeste da Ásia, na região da Mesopotâmia, no que hoje conhecemos como Iraque e Irã.

Mas o grande mistério está na sua ocupação: embora tudo indique que ele trabalhava como oleiro, na construção de peças cerâmicas, as características de seu sepultamento indicam riqueza e nobreza típica das classes mais abastadas.

O nível de detalhamento das informações que temos sobre essa pessoa sugere que a vida dela se passou em épocas mais modernas, nos últimos séculos, correto? Errado.

Estudos de radiocarbono mostram que esse sujeito morreu entre 2855 e 2570 a.C. — algo entre 4,5 mil e 4,8 mil anos atrás — poucos séculos depois da unificação do Egito e a transição entre os períodos Dinástico Inicial e o Império Antigo.

Para se ter ideia, essa foi a época da construção das primeiras pirâmides, quando o processo de mumificação artificial nem havia se tornado uma prática frequente entre monarcas e poderosos.

Os restos mortais desse homem foram encontrados em 1902, durante uma escavação. Eles estavam depositados numa urna cerâmica, que foi colocada dentro de tumba escavada numa encosta em Nuwayrat.

Esse material foi doado para o World Museum, localizado em Liverpool, no Reino Unido, onde foi um dos únicos itens do tipo a sobreviver aos bombardeios alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas, afinal, como sabemos tanto sobre esse indivíduo? Bem, graças aos avanços das ferramentas de sequenciamento genético, pesquisadores conseguiram recentemente extrair DNA de um dente do sujeito.

E a análise do genoma completo dele, associado aos estudos sobre o formato dos ossos e as evidências arqueológicas da época, permitiram traçar esse perfil tão detalhado.

O estudo, publicado no início de julho na revista acadêmica Nature, também levantou uma série de discussões e críticas, que envolvem ancestralidade, migração humana e colonialismo científico, como você confere a seguir.

Reconstrução facial do indivíduo de Nuwayrat com base em dados de escaneamento 3D do crânio e a análise dos ossos

Crédito,Caroline Wilkinson, Liverpool John Moores University

Legenda da foto,Reconstrução facial do indivíduo de Nuwayrat com base em dados de escaneamento 3D do crânio e a análise dos ossos

Um debate sobre a cor da pele no Egito Antigo

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O professor Linus Girdland-Flink, da Universidade de Aberdeen, na Escócia, destacou que o homem de Nuwayrat teve uma "jornada extraordinária".

"Ele viveu e morreu num período crítico, de muitas mudanças no Egito Antigo", resume o pesquisador, um dos autores do trabalho recém-publicado, em comunicado à imprensa.

Entre as características físicas do indivíduo que foram desvendadas pela análise genética, um dos pontos que mais chamou a atenção envolve a tonalidade da pele dele, descrita pelos autores como uma variação "entre escura e preta".

Essa informação joga uma nova luz num debate muito maior e complexo, que envolve a ancestralidade dos antigos egípcios e a cor de pele que eles tinham.

Obras da cultura moderna, como pinturas, filmes, quadrinhos e séries, não raro retratam os egípcios como brancos.

Algumas delas vão além e chegam a especular — sem qualquer evidência científica sólida, diga-se — que a construção das pirâmides só pode ter a autoria de seres de outros planetas.

Ao longo das últimas décadas, diversos acadêmicos criticaram essas alegações e as classificaram de preconceituosas, por simplesmente descartarem a possibilidade de que populações de fora da Europa tivessem a capacidade de criar inovações tecnológicas e monumentos que impressionam até hoje.

Para a geneticista brasileira Tábita Hünemeier, que não esteve envolvida diretamente com este estudo, conhecer as características dos indivíduos que viveram naquela época, como é o caso do homem de Nuwayrat, ajuda a desfazer muitos dos mitos sobre o Egito Antigo que persistem até hoje.

"Saber a tonalidade da pele dele é uma evidência de que os egípcios não eram todos brancos, de que essa não era a realidade. Muito menos nesse período específico, na Era das Pirâmides", comenta a pesquisadora, que atua no Laboratório de Genômica Populacional Humana da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, na Espanha.

"Depois realmente houve a chegada dos macedônios [que tinham pele mais clara] no Egito. Mesmo assim, eles se misturaram com a população local [cuja pele era mais escura]."

"Porém, vale lembrar que antes dos macedônios, o Egito teve dinastias de faraós negros, os núbios", complementa a especialista, que também integra o Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).

Para Hünemeier, estudos como recém-publicado ajudam a "desfazer visões eurocêntricas" sobre o Egito Antigo.

Túmulos escavados na rocha em Nuwayrat que abrigaram o recipiente de cerâmica com os restos mortais do indivíduo analisado no estudo

Crédito,Museu de Arqueologia Garstang, Universidade de Liverpool

Legenda da foto,Túmulos escavados na rocha em Nuwayrat que abrigaram o recipiente de cerâmica com os restos mortais do indivíduo analisado no estudo

Outro ponto de debate e mistérios que surgiu a partir da análise do genoma, dos ossos e dos dentes do indivíduo envolve a origem e posição social dele.

Por um lado, os pesquisadores argumentam que diversas características físicas sugerem que ele era um trabalhador braçal, possivelmente um oleiro.

"As marcas no esqueleto dão pistas do estilo de vida desse indivíduo", explicou o professor Joel Irish, que leciona Antropologia e Arqueologia na Universidade John Moores de Liverpool, em comunicado à imprensa.

"Os ossos relacionados ao ato de sentar são grandes, alargados, os braços revelam evidências de movimentos repetidos e há um grau considerável de artrite apenas no pé direito e no pescoço."

"Embora circunstanciais, essas evidências apontam para a cerâmica e o uso de instrumentos como a roda de oleiro, que chegou ao Egito no mesmo período que ele viveu", observou o pesquisador, que também assina o artigo.

No entanto, a urna fúnebre e o local onde o homem foi enterrado sugerem algo vinculado à riqueza, ou a um status social elevado.

"Isso não era algo disponível a oleiros daquele período. Talvez ele fosse um artesão de talentos excepcionais, ou alguém muito bem-sucedido no seu negócio", especulou Irish.

No topo, há oito vasos desenhados. Abaixo deles, à direita, está um oleiro sentado, usando a mão para girar uma roda de oleiro, na qual está um vaso que está criando. À esquerda, há outra pessoa curvada, prestes a levantar um vaso do chão

Crédito,The Metropolitan Museum of Art

Legenda da foto,Um pictograma no túmulo de Amenemhat, perto de Nuwayrat, mostra como os oleiros trabalhavam

O que homem de Nuwayrat revela sobre uma civilização

Ao longo do artigo, os próprios autores ponderam que os dados encontrados contam a história de uma pessoa específica, embora eles possam exprimir e sugerir algo maior, que envolve toda sociedade daquela época.

E a informação mais relevante aqui tem a ver com a ancestralidade: como mencionado anteriormente, a análise do genoma mostrou que o homem tinha 80% do DNA relacionado ao norte da África e 20% ao oeste da Ásia.

Os 80% não são tão surpreendentes assim — afinal, o Egito fica justamente no norte da África.

Mas os 20% restantes indicam algo relevante. Alguns dos antepassados desse indivíduo vieram do oeste da Ásia, da região do Crescente Fértil, reconhecida como um dos berços de importantes inovações, como o desenvolvimento da agricultura, das cidades e das primeiras formas de escrita.

Evidências arqueológicas, como artefatos encontrados por especialistas, já demonstravam que existia algum relacionamento entre populações do Egito e do Crescente Fértil.

Agora, a partir do estudo recém-publicado, é possível encontrar evidências disso diretamente no DNA das pessoas que viveram naquela época, por meio dos processos de migração de indivíduos que vinham de outras regiões.

"Nossos resultados indicam que o contato entre o Egito e o Crescente Fértil não estava limitado à troca de coisas, como animais domesticados, plantas ou sistemas de escrita, mas também envolveu a migração humana", escrevem os autores.

Isso pode ajudar a entender melhor como esses relacionamentos podem ter influenciado no desenvolvimento do Império Egípcio, o mais longevo da História.

Será que a escrita cuneiforme mesopotâmica serviu de base e inspiração para os hieróglifos egípcios, que surgiram alguns séculos depois? Será que as técnicas de agricultura e pecuária deram mais segurança alimentar e permitiram a transformação de povoados em cidades e metrópoles?

A pesquisadora Adeline Morez Jacobs, uma das autoras da pesquisa, destacou num comunicado à imprensa que "juntar todas as pistas do DNA, dos ossos e dos dentes de um indivíduo permitiu construir uma imagem abrangente".

"Nós esperamos que outras amostras genéticas de pessoas que viveram no Egito Antigo possam responder com precisão quando esses movimentos de migração a partir do oeste da Ásia começaram", complementou a especialista, que realizou estudos de doutorado e pós-doutorado na Universidade John Moores de Liverpool e no Instituto Francis Crick, ambos no Reino Unido.

Homem de Nuwayrat

Crédito,Caroline Wilkinson, Liverpool John Moores University.

Legenda da foto,A reconstrução 3D do rosto do homem de Nuwayrat permite conhecer melhor algumas das características físicas dele

Restos mortais egípcios num museu britânico?

Por fim, Hünemeier entende que o trabalho recém-publicado se destaca por ter conseguido sequenciar o genoma completo de um indivíduo que viveu há muitos anos atrás.

Segundo ela, é bem difícil recuperar o material genético inteiro por causa do dano causado pelo tempo — e, no caso do Egito, também em razão do calor intenso, que degrada essas moléculas.

Sobre os resultados obtidos, a geneticista brasileira entende que eles estão "dentro do esperado para um egípcio da época" — ou seja, pele, olhos e cabelos escuros.

"Minha impressão é que o valor desta publicação tem a ver com recuperar DNA de boa qualidade da região, de um indivíduo tão antigo e com alguma relação com a Era das Pirâmides", complementa ela.

"Mas é bom chamar a atenção aqui que esses restos mortais estão expostos em um museu britânico. Existe toda uma discussão sobre a devolução de peças de museus aos países originários", critica Hünemeier.

O caixão de cerâmica e restos arqueológicos do homem de Nuwayrat foram descobertos em 1902

Crédito,Museu de Arqueologia Garstang, Universidade de Liverpool

Legenda da foto,O caixão de cerâmica e restos arqueológicos do homem de Nuwayrat foram descobertos em 1902

Sobre esse ponto, as instituições envolvidas na pesquisa divulgaram à imprensa uma nota, em que defendem que "a exportação do sepultamento para fora do Egito pelo arqueólogo John Garstang foi aprovada sob o sistema de 'partição', uma estrutura legal estabelecida em 1883 que, até 1983, permitia a divisão de achados arqueológicos entre o Egito e instituições estrangeiras".

"Sob esse sistema, materiais considerados suficientemente representados em coleções egípcias podiam ser aprovados para exportação pelas autoridades relacionadas aos museus no Cairo"

O texto destaca que Garstang "exportou oito sepultamentos para o Reino Unido sob esse arcabouço jurídico, de mais de 900 que ele escavou durante toda a carreira".

"Os sepultamentos restantes foram mantidos no Egito, incluindo os da necrópole de Beni Hasan, nas proximidades, atualmente mantida no Museu Egípcio do Cairo", conclui o texto.

Hünemeier também diz ter sentido falta de uma "discussão sobre como realizar o retorno de resultados da pesquisa à comunidade descendente do indivíduo que foi sequenciado", uma prática que tem se tornado comum entre especialistas que atuam nesse ramo que une as ciências biológicas com a arqueologia.

A BBC News Brasil tentou contato com os autores da pesquisa para que eles pudessem comentar este e outros pontos, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.

'Nós, jovens, precisamos mudar nossas expectativas. O momento econômico perfeito que viveram os boomers nunca mais se repetirá'

 

Nós, jovens, precisamos mudar nossas expectativas. O momento econômico perfeito que viveram os boomers nunca mais se repetirá'

Kyla Scanlon, com uma estante de livros ao fundo
Legenda da foto,A escritora americana Kyla Scanlon conquistou inúmeros seguidores nas redes sociais com suas conversas francas sobre economia e finanças
    • Author,Katty Kay
    • Role,BBC Worklife

Ser jovem hoje em dia não é fácil. Vejo isso quando converso com meus filhos e os amigos deles.

Muitos enviam centenas de currículos e são rejeitados pelos algoritmosComprar uma casa é insustentável – e o custo de ter filhos parece ainda maior.

Recentemente, venho relembrando minha época de jovem adulta.

Eu me formei na universidade em 1988 e saí direto para um emprego, com um bom salário.

No ano seguinte, eu já tinha economizado o suficiente para dar de entrada na minha primeira casa. E, antes de completar 30 anos, tive meu primeiro filho.

Quando olho para as experiências dos jovens de hoje, às vezes acho que cresci em outro planeta, não em outra geração.

De quem é a culpa por construir a vida ter ficado tão difícil?

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Venho fazendo esta pergunta com frequência. E entrei em contato com Kyla Scanlon para ter algumas respostas.

Scanlon é uma escritora americana especializada em economia e criadora de conteúdo com enorme presença nas redes sociais. Ela tem 27 anos de idade e fundou sua própria empresa de educação sobre finanças pessoais, chamada Bread.

Em 2022, ela cunhou o termo vibecession, em inglês, para definir o estado da economia americana durante o governo do ex-presidente Joe Biden (2021-2025).

Muitos dos seus seguidores são jovens que buscam respostas sobre suas finanças. Seu livro mais recente é In this Economy? How Money & Markets Really Work ("Nesta economia? Como o dinheiro e os mercados realmente funcionam", em tradução livre).

Nossa conversa abordou justamente a questão de como a vida ficou tão insustentável para os jovens, financeiramente falando – especialmente nos Estados Unidos. E se existe uma resposta clara sobre os motivos e o que pode ser feito para resolver esta situação.

Se você é jovem, ou se tem um jovem na sua vida, você precisa ler nossa conversa abaixo, que foi editada por motivos de concisão e clareza.

Kyla Scanlon e Katty Kay durante entrevista
Legenda da foto,Kyla Scanlon (esquerda) e a jornalista da BBC Katty Kay, durante a entrevista

Katty Kay (BBC): Vamos começar com o que parece ser uma espécie de tensão entre as pessoas sobre como a economia funciona para cada uma delas.

Este é o quadro: tenho 60 anos de idade. Você não tem 60 anos.

Eu me formei na universidade em 1988. Saí direto da universidade para um emprego com um salário razoavelmente bom, no serviço público britânico.

Com 29 anos, tive meu primeiro filho. Na época, não pensei 'meu Deus, nunca vou conseguir sustentá-lo'. Mas, quando olho para os meus filhos e os amigos deles, é quase outro planeta.

Kyla Scanlon: Tenho 27 anos e me formei basicamente na pandemia.

O que você está contando parece muito distante de mim e das pessoas que conheço.

Para as pessoas com mais idade, havia meio que uma equação a seguir. As casas eram muito mais baratas. A educação tinha um retorno mais previsível. Não era tudo tão caro.

É claro que cada geração tem seus próprios desafios, mas a geração mais jovem de agora, com menos de 30 anos, enfrenta uma imensa batalha em termos de comprar uma casa, de economizar, do mercado de trabalho, de inflação, de uma pandemia global que prejudicou muitos jovens adultos.

Por isso, acho que tem sido um desafio.

Kay: Você olha para o que eu tive e pensa 'como assim? vocês simplesmente ficaram com tudo?'

Será que nós fomos a geração que tomou tudo para si e meio que deixou vocês sem nada? Nós fizemos algo deliberadamente para prejudicar vocês?

Scanlon: Esta é uma generalização – 43% dos baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964] não têm economias para a aposentadoria, certo?

Se eu chegar e disser 'oh, todos os boomers ficaram com todo o dinheiro', não [é verdade]!

Alguns deles fizeram isso. Eles tiveram uma bela alta no mercado de ações, os custos da moradia provavelmente aumentaram quatro, talvez cinco vezes, nas últimas duas décadas e eles se recusam a vender aquelas casas.

A quantidade de baby boomers donos de três quartos é maior que o número de millennials [nascidos entre 1981 e 1995] que têm três quartos. E seria de se imaginar que os millennials fossem donos dessas casas, pois eles precisam delas para ter famílias, filhos e espaço.

Todos vocês também enfrentaram enormes batalhas, mas vocês começaram a vida, basicamente, em uma época perfeita que talvez nunca vejamos de novo na história. Vocês simplesmente tiveram muita, muita sorte.

Por isso, acho que precisamos mudar nossas expectativas e perceber que aquilo talvez não seja o futuro. Não podemos culpar os boomers por terem aproveitado a ocasião.

Kay: Então, a minha geração é a anomalia? Aquele período do pós-guerra simplesmente produziu um crescimento extraordinário e nós fomos os beneficiários – seja a geração dos meus pais ou a minha?

Scanlon: Sim, e também a mobilidade social ascendente.

[A economista francesa] Stefanie Stantcheva em Harvard fez uma ótima pesquisa sobre a mobilidade ascendente e ela simplesmente não existe na forma em que costumávamos observar.

Este é o sonho americano: comprar uma casa, ter filhos, ter um emprego e viver – e acho que isso desapareceu, principalmente, porque, agora, a economia está sofrendo as repercussões reais da expansão do pós-guerra, que beneficiou os baby boomers.

Senadores americanos reunidos

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A idade média dos senadores americanos é de 65 anos, enquanto a idade média dos cidadãos do país é de 39 anos

Kay: Kyla, houve um momento em que tudo começou a piorar? Houve algo que os governantes fizeram ou deixaram de fazer para exacerbar esta mudança?

Scanlon: O que aconteceu, do lado político, é que os boomers votam e, como detêm alta representação na política, eles acabam projetando políticas que beneficiam a eles próprios.

É simplesmente este ciclo de décadas em que os que estão no poder querem permanecer – e estes são os incentivos colocados à sua frente. Eles irão projetar as coisas para que sejam desta forma.

Eles irão combater a moradia [a preços acessíveis] porque não querem que suas casas sejam desvalorizadas de alguma maneira.

Talvez eles não se aposentem com a idade que esperaríamos, para não perder sua posição de liderança. Eles simplesmente irão permanecer e isso cria um elemento de estagnação para quem tenta herdar o que vem depois.

Os baby boomers detêm cerca de 73 a 75% de toda a riqueza nos Estados Unidos. Eles simplesmente ainda não passaram o bastão.

Existem também muitas regulamentações e muitos entraves burocráticos, de forma que não podemos simplesmente colocar a culpa nos boomers por muitas coisas.

Mas, quando você olha para os Estados Unidos e realmente analisa [o PIB], este é o país mais rico do mundo e, às vezes, ele se recusa a ajudar seus cidadãos.

De fato, vimos muito apoio durante a pandemia, em termos de ajudar as pessoas com tolerância em relação aos aluguéis e suspender os pagamentos dos empréstimos estudantis.

Mas, nos Estados Unidos, existe uma luta mortal sobre como os cidadãos devem viver. E parte disso certamente vem de políticas que foram criadas pela população com mais idade.

Isso não é causado apenas pelos boomers, mas tem um grande impacto sobre como as pessoas enfrentam a economia.

Kay: Isso faz com que você e a sua geração queiram rever o sistema? Isso produz um grau de cinismo que, você acha, corre o risco de se tornar permanente?

Scanlon: Existe uma expressão chamada niilismo financeiro. Basicamente, é a ideia de que as pessoas desistiram totalmente de economizar para a aposentadoria.

Elas desistiram de avançar na sua carreira, por não acharem que haja um futuro para elas.

Isso me preocupa muito. Se perdermos a esperança, o que vem depois? O que você faz para que as pessoas a recuperem?

O que você pode dar a elas para que tenham esperança, se o sistema não fornece as oportunidades que elas esperavam?

[O jornalista e escritor americano] David Brooks publicou um ótimo artigo no The New York Times sobre a economia da rejeição – e a rejeição sem fim, dos aplicativos de namoro, das faculdades e dos empregos.

Simplesmente, a rejeição constante e a carga cognitiva que ela traz. E como ela realmente pode eliminar qualquer sentido de esperança nas pessoas.

Eu me preocupo muito com isso.

Pessoas com cartazes se manifestam em favor ao direito à moradia

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A falta de moradias acessíveis passou a ser um grande problema em muitos países

Kay: Existe algum país no mundo que esteja agindo certo – ou pelo menos lidando melhor com a situação – e que poderíamos usar como exemplo?

Scanlon: Podemos aprender com todo tipo de países.

Acho que os Estados Unidos realmente precisam rever sua rede de segurança social e a Europa é um exemplo relativamente bom neste campo.

Muitos países enfrentam problemas para definir o que fazer com seus jovens, pois todos atualmente vivem por muito mais tempo nos países desenvolvidos.

A Áustria fez um trabalho muito bom na construção de moradias. Eles têm moradias sociais, apenas isso. Será que nós poderíamos simplesmente ajudar as pessoas a conseguir suas casas?

Kay: Quando você examina o que poderia mudar em termos de políticas, o que você gostaria de indicar?

Scanlon: É uma resposta simples, mas definir o zoneamento e a habitação. É preciso construir casas. Esta é apenas uma das formas de sairmos disso.

Outra questão são os custos das creches, que realmente dispararam nos Estados Unidos.

É muito difícil imaginar como cobrir estes custos, mas este é um ponto importante. Se quisermos incentivar as pessoas a ter filhos e continuar construindo suas vidas nos Estados Unidos, precisamos resolver a questão dos custos das creches.

Outra questão são os custos de assistência aos idosos. Cuidar de uma pessoa idosa [nos Estados Unidos] custa em média, eu acho, cerca de US$ 10 mil [cerca de R$ 55,5 mil] por mês. Também é muito difícil imaginar como bancar isso.

Se pensarmos simplesmente em meio que estabilizar a população, precisamos dar a elas um lugar para morar, ajudá-las a ter filhos e cuidar da nossa população de idosos, enquanto as pessoas caminham rumo ao que quer que venha depois disso. Eu me concentraria nestes três pontos.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Business.