SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

O Mito da Meritocracia no Brasil e no Ceará: Por Que Este País É Uma Máquina de Esmagar Sonhos por Egidio Guerra.




Em sociedades consideradas dinâmicas, os caminhos para o sucesso, embora não igualitários, costumam ter portas de entrada discerníveis. O jovem com ideias inovadoras pode acessar crédito e construir uma empresa como a Apple. Um talento artístico pode, a partir de um quarto, alcançar os Grammys. Um intelectual com coragem e conhecimento pode ascender na academia e influenciar o debate público. A trajetória exige esforço, mas a estrutura, em tese, não é projetada para impedi-la. 



No Brasil, contudo, essa narrativa colide com uma realidade perversa. Aqui, lutar por uma sociedade mais justa pode fazer de você um Obama ou um Prefeita de Nova York, mas para chegar ao poder, a regra não escrita exige ser filho de político ou recorrer à corrupção para comprar votos. Ter a ideia de um grande negócio não garante que você será o próximo Steve Jobs; sem os “contatos” certos, o crédito some e as portas do sistema fecham-se. O dom artístico, sem um padrinho na indústria, raramente ecoa além do quarto. E o cientista ou educador brilhante descobre que suas ideias só circulam se ele for sócio ou amigo do Rei e das Oligarquias. 



Este é o retrato de um dos países mais desiguais, improdutivos e corruptos do mundo: uma nação que, na mesma proporção em que gera privilégios para poucos, mata talentos, ideias e sonhos de forma impune e sistemática. Como chegamos a esse ponto? A resposta reside em uma engrenagem perversa, alimentada por heranças históricas tóxicas e mecanismos de poder que transformam o Estado em instrumento de espólio. 





1. A Herança Colonial e o “Jeitinho” Como Sistema 

Nosso DNA social foi moldado pela exploração e pela lógica da casa-grande e senzala. Essa mentalidade se metamorfoseou no famoso “jeitinho brasileiro” — não a criatividade para resolver problemas, mas a arte institucionalizada de burlar regras para benefício próprio. O sistema não pune essa astúcia; premia-a. Assim, o mérito genuíno é substituído pela habilidade de navegar em águas turvas, onde ter um “parente importante” ou saber “ser babão” vale mais do que qualquer currículo ou projeto revolucionário. 



2. O Estado Como Botim, Não Como Ferramenta Pública 

Enquanto em outras democracias o Estado atua (ao menos na teoria) como mediador e garantidor de oportunidades, no Brasil ele é tratado como butim. Acesso a crédito, licitações, cargos, concessões de rádio — tudo vira moeda de troca para fortalecer alianças políticas. O resultado? O empreendedor sem “padrinho” não consegue empréstimo. O artista independente não toca nas rádios. O pesquisador de ponta mofa sem verba. A inovação é estrangulada no berço, pois o sistema privilegia quem está dentro do círculo, não quem tem a melhor ideia. 


3. A Justiça Seletiva e a Cultura da Impunidade 
A lei, no Brasil, tem dois pesos e duas medidas. O ladrão de colarinho branco desvia bilhões, arrasta processos por décadas e, se condenado, cumpre pena em condições especiais. Jovens periféricos são presos por crimes insignificantes. Essa impunidade seletiva envia uma mensagem clara: as regras são para os fracos. A corrupção não é uma falha no sistema; é o sistema funcionando conforme planejado. Ser “ladrão, mentiroso ou matador” — desde que com as conexões certas — não é obstáculo; é, muitas vezes, uma credencial. 



4. A Indústria da Miséria e o Voto Como Commodity 
A pobreza, em muitas regiões, não é um problema a ser resolvido, mas um recurso a ser gerenciado. Mantém-se uma parcela da população na dependência de favores, cestas básicas e empregos precários. O voto, que deveria ser de consciência, é transformado em commodity. Como um cidadão comum, com propostas reais de mudança, pode competir com máquinas políticas que compram apoio com dinheiro público desviado? O “Obama brasileiro” que emerge da periferia é cooptado, ameaçado ou simplesmente ignorado pela grande mídia — que também integra as oligarquias. 


5. O Desprezo Estrutural Pelo Mérito e Pelo Conhecimento 

Vivemos em uma cultura que frequentemente desdenha do intelectual, do professor, do cientista. O sucesso não é associado ao estudo e à competência, mas à “malandragem”, à aparência e à proximidade do poder. As universidades públicas, que poderiam ser escadas de mobilidade social, são sabotadas por cortes e por guerras ideológicas que as transformam em campos de batalha, não de excelência. Publicar livros, pensar com autonomia, propor novas ideias — tudo isso esbarra na muralha dos interesses estabelecidos. 



6. A Violência Como Mecanismo de Controle Social 

Por fim, o talento da favela é interrompido por uma bala perdida — ou “achada”. A jovem cientista abandona sua pesquisa para sobreviver com três subempregos. A violência física e a violência econômica atuam em tandem para eliminar qualquer rebeldia, qualquer sonho que possa ameaçar a ordem estabelecida. O país mata literal e simbolicamente seus potenciais, enquanto gera miséria e exclusão para a maioria de seu povo. 

Conclusão: Da Revolta à Ação 
O Brasil, portanto, não é apenas desigual. Ele é um ecossistema hostil ao potencial humano. Um cemitério de invenções, obras de arte, políticas públicas e lideranças que poderiam tê-lo transformado em uma potência. A revolta e a indignação são, mais do que legítimas, necessárias. Mas precisam ser canalizadas. 

A mudança exige a construção de instituições fortes e transparentes, a educação crítica como arma de emancipação e o apoio coletivo a iniciativas que brotam na base e recusam o jogo sujo. É preciso recusar a narrativa conformista de que “sempre foi assim”. O Brasil só deixará de ser a terra onde os sonhos vêm para morrer quando a maioria — diariamente roubada não só de recursos, mas de futuro — compreender que a perpetuação desse sistema depende de sua anuência, ainda que passiva. 

A semente de um novo país está na coragem de exigir mais, na solidariedade entre os que querem construir pelo mérito e na recusa definitiva a compactuar com uma engrenagem que nos condena, coletivamente, ao atraso. O talento brasileiro existe em abundância. O que falta é um país que mereça recebê-lo. 

 

 

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Sofrendo no país mais feliz do mundo.


 

Gilmar Mendes recua e permite que qualquer cidadão proponha impeachment de ministros do STF.

 

Gilmar Mendes.

Crédito,EVARISTO SA/AFP via Getty Images

Legenda da foto,Ministro suspendeu a própria decisão, que restringia pedidos de impeachment a magistrados da Corte

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu parcialmente nesta quarta-feira (10/12) sua própria liminar que alterava a Lei do Impeachment em pontos que dizem respeito a ministros do Supremo.

A decisão foi tomada após pedido do Senado, enviado ao ministro nesta quarta, solicitando que ele suspendesse a decisão ao menos até que o Congresso vote uma nova Lei do Impeachment (PL 1388/2023), de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não caminhava desde 2023.

Gilmar Mendes suspendeu dois pontos da decisão original, que atribuíram exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a competência para apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do STF.

Os demais trechos alterados pela liminar, referentes ao quórum necessário para abrir o processo e aos motivos que levam a isso, permanecem em vigor.

Na decisão, o ministro ressalta o avanço no Senado da proposta de atualizar a legislação que rege o processo de impeachment de autoridades, que incorpora elementos da liminar.

"Tal aprimoramento legislativo não se limita a atender formalmente às determinações do Supremo Tribunal Federal, mas configura ato de elevado espírito público, voltado à preservação da integridade do Poder Judiciário e à proteção da harmonia entre os Poderes", afirmou o ministro.

No pedido de suspensão, o Senado havia pontuado que seu objetivo não era contrariar a autoridade do STF em se manifestar sobre o assunto, mas garantir que fosse respeitada a prerrogativa do Congresso de legislar sobre o processo de impeachment e garantir a segurança jurídica no tema enquanto a nova Lei do Impeachment tramita.

Na decisão de agora, Mendes lembra que Davi Alcolumbre, em sua primeira gestão à frente da Presidência do Senado Federal (entre 2019 e 2021), analisou 36 pedidos de impeachment apresentados contra ministros do Supremo.

Em todas essas oportunidades, Alcolumbre, "demonstrando elevado espírito público, aguda percepção institucional, prudência e notável coragem cívica, determinou o arquivamento das iniciativas, preservando, com firmeza e responsabilidade, a estabilidade das instituições republicanas e a independência do Poder Judiciário", disse Mendes.

Com isso, o julgamento da liminar expedida pelo ministro na semana passada, previsto para começar no plenário virtual do STF na próxima sexta-feira (12/12) e que confirmaria ou não sua decisão, foi retirado da pauta.

O que Gilmar Mendes havia decidido

Gilmar Mendes havia decidido em 3 de dezembro alterar a Lei do Impeachment, em vigor desde 1950, suspendendo trechos relativos ao afastamento de ministros da corte.

Na decisão, Mendes restringia à PGR a prerrogativa de entrar com um pedido de impeachment contra os magistrados.

Outro ponto alterado pela decisão do ministro foi o quórum necessário para a abertura, no Senado, de um processo contra magistrados da corte: 2/3. Até então, a lei previa maioria simples, ou seja, 21 senadores.

Mendes estabeleceu também que não era possível responsabilizar ou instaurar processo de impeachment contra os magistrados com base somente no mérito de suas decisões.

As mudanças ocorreram em resposta a dois processos, movidos pelo partido Solidariedade, e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos quais Mendes é relator

No mesmo dia da decisão, na quarta-feira da semana passada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), abriu a sessão na Casa criticando a medida.

De acordo com ele, as mudanças tentam "usurpar as prerrogativas do poder Legislativo".

"Manifesto que esta presidência recebe com muita preocupação o conteúdo da decisão monocrática da lavra do ministro Gilmar Mendes", afirmou o presidente da Casa.

"Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar a anulação desse comando legal. Muito menos, repito, muito menos, por meio de uma decisão judicial. Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever os conceitos puramente legais, sob pena de grave ofensa constitucional a separação dos poderes", disse Alcolumbre.

Plenário do STF.

Crédito,Antonio Augusto/STF

"Eu não vi a mesma gritaria quando o Supremo mudou a Lei do Impeachment de presidente da República", afirmou à BBC News Brasil Ademar Borges, um dos advogados que fizeram o parecer para a AMB.

Para ele, tanto o quórum para a abertura de processos no Senado contra ministros da Corte, quanto a impossibilidade de se abrir um processo com base nas decisões de um magistrado, são "quase incontestáveis".

"Se a gente imaginar que o quórum era maioria simples, é o menor quórum possível, usado para decisões de menor relevância", diz. "A gente não pode equiparar a abertura de impeachment de ministros do Supremo a decisões ordinárias. É inconstitucional."

Borges, que também é professor de Direito Constitucional do O Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual Gilmar Mendes é um dos sócios, afirma que o quórum no Senado deve ser o mesmo para a abertura de processos contra presidentes da República.

A decisão de Mendes pela liminar, na semana passada, ocorre em um momento de escalada do autoritarismo, como afirma Borges.

"Os pedidos (de impeachment de ministros da Corte) não são feitos por má conduta ética, corrupção ou atos de desvio. Pela primeira vez, um presidente da República formulou pessoalmente um pedido de impeachment contra um ministro do Supremo. Todo baseado em decisões tomadas no exercício regular da função."

Ele afirma, no entanto, que desconhecia a decisão por restringir os pedidos somente à PGR.

Já para o criminalista e professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Mauricio Dieter, a decisão de Mendes na semana passada é "no mínimo controversa".

"Dizer que a Constituição determina que os processos de impedimento contra os ministros sejam de exclusividade da PGR é, em larga medida, atribuir sentidos ocultos à Constituição e contrários a muitos princípios de natureza democrática que a estruturam", diz.