SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Por que mudança radical de Trump na política externa dos EUA preocupa Europa

 

O presidente dos EUA, Donald Trump, sentado, com um terno azul, camisa azul, gravata vermelha e um broche na lapela com a bandeira do país

Crédito,EPA/Shutterstock

    • Author,James Lewis*
    • Role,Serviço Mundial da BBC
  • Tempo de leitura: 7 min

A estratégia de segurança nacional do governo do presidente americano, Donald Trump, tem alarmado os aliados mais próximos dos Estados Unidos e representa um afastamento dramático dos princípios fundamentais de décadas da política externa americana.

O documento de 33 páginas, divulgado pelo governo há alguns dias, apresenta o mundo principalmente como um cenário econômico, destacando acordos bilaterais e nacionalismo econômico em detrimento do multilateralismo e da promoção da democracia.

A estratégia reflete as "vertentes mais ideológicas" do governo Trump, avaliou Tom Bateman, correspondente da BBC News no Departamento de Estado dos EUA, no podcast The Global Story, do Serviço Mundial da BBC.

Essa estratégia também tem implicações para a América Latina, tanto na forma como os EUA se relacionam com os governos de direita, cada vez mais numerosos, até a nova versão da Doutrina Monroe (em referência ao presidente americano James Monroe, no século 19, que afirmava a primazia dos EUA no continente americano e rejeitava a interferência europeia). Essa doutrina repaginada reafirmaria a região como o "quintal" dos EUA.

Igualmente impactante é o que o documento omite, sem praticamente crítica alguma a adversários tradicionais como a Rússia e a China.

Em vez disso, reserva a linguagem mais carregada para a Europa, o que gerou preocupação nas capitais europeias.

'Eliminação civilizacional'

Enquanto as estratégias de segurança nacional anteriores tendiam a reafirmar os valores e as prioridades compartilhados dos EUA com os países europeus, este documento segue por um caminho diferente.

A Europa será "irreconhecível em 20 anos ou menos", afirma o texto, em razão da adesão do continente às instituições multilaterais e de suas políticas migratórias, que teriam se tornado uma influência corruptora da "identidade ocidental".

Em sua seção dedicada ao tema, a estratégia declara de forma categórica que os Estados europeus enfrentam o que chama de "eliminação civilizacional".

Líderes europeus ficaram, ao menos em conversas privadas, "horrorizados" com o documento, disse Bateman, do Serviço Mundial da BBC. "Eles não se surpreendem com o fato de essa ser a posição ideológica de algumas partes do governo, mas vê-la articulada em um documento político formal é bastante preocupante para eles."

JD Vance, em um terno escuro, dirige-se a um público a partir de um púlpito

Crédito,Reuters

Legenda da foto,O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, fez um discurso mordaz contra as democracias europeias durante a Conferência de Segurança de Munique

'Divórcio'

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A reação ao documento na Europa, de ambos os lados do espectro político, não demorou.

O jornal francês de esquerda Le Monde descreveu o rompimento como um "divórcio", afirmando que ele marca uma ruptura histórica com o período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-45).

"O divórcio está concluído, restando apenas a divisão de bens", escreveu o jornal em seu artigo.

Ainda mais revelador, em termos da imprensa francesa, disse Bateman, do Serviço Mundial da BBC, é o comentário do jornal francês conservador Le Figaro sobre a aparente contradição do documento ao sustentar, de um lado, o que chama de "pretensão do não intervencionismo" e, de outro, defender explicitamente o intervencionismo no caso dos países europeus.

A estratégia afirma textualmente a intenção dos EUA de estimular a resiliência de partidos de oposição nos países europeus. Isso implica apoio a partidos de extrema-direita, como a Alternative für Deutschland (AfD, na sigla em alemão) na Alemanha, o Partido Reformista no Reino Unido e o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, na França, entre outros.

Trata-se de um apoio explícito a movimentos políticos na Europa que defendem o nacionalismo econômico e uma oposição rígida à migração. Eles são descritos pelo documento como "partidos patrióticos".

O paralelo com a América Latina

A estratégia em relação à Europa seria uma repetição da forma como o governo Trump atuou na América Latina, avaliou Bateman, do Serviço Mundial da BBC.

Na Argentina, por exemplo, ele menciona o socorro econômico aprovado por Trump ao governo de Javier Milei poucos dias antes de o partido do presidente argentino enfrentar eleições legislativas que definiriam o futuro de seu projeto político.

"Isso foi interpretado pelos opositores (de Milei) como uma evidente interferência dos EUA", afirmou Tom Bateman.

Donald Trump e Javier Milei, cercados pelas bandeiras dos EUA e da Argentina

Crédito,Reuters

Legenda da foto,A oposição na Argentina criticou o 'apoio' político que Trump deu a Javier Milei antes das eleições legislativas

Esse apoio se repetiu antes das recentes eleições em Honduras, quando Trump concedeu indulto ao ex-presidente Juan Orlando Hernández, que cumpria pena de 45 anos nos EUA por narcotráfico, ao mesmo tempo em que manifestou apoio ao candidato de direita Nasry "Tito" Asfura.

O mesmo ocorreu no Brasil, com os ataques de Trump aos tribunais do país que condenaram o ex-presidente "trumpista" Jair Bolsonaro (PL) por sua tentativa de golpe após a derrota nas eleições de 2022.

O 'corolário Trump' à Doutrina Monroe

A nova estratégia destaca o continente americano, referido como o "Hemisfério Ocidental", como um dos principais focos da política externa dos Estados Unidos.

O governo quer "assegurar… que a região permaneça estável e suficientemente bem governada para evitar e desencorajar a migração em massa para os EUA", segundo o documento.

A estratégia introduz a ideia de um "corolário Trump" à Doutrina Monroe, ao posicionar a tática do governo como uma continuação da política do presidente James Monroe (1817-1825), no século 19, que afirmava a primazia dos EUA no continente americano e repelia a interferência de potências coloniais europeias.

O governo considera essa atenção renovada necessária para contrabalançar a influência da China na América Latina, observa nosso correspondente, apesar de o país não ser mencionado diretamente no documento.

Segundo Trump, a China ganhou muita influência econômica na região, embora sua insinuação de que Pequim estaria "operando" o Canal do Panamá não seja literalmente verdadeira.

O maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald R. Ford, com aviões de combate no convés, fotografado perto de uma ilha caribenha

Crédito,Reuters

Legenda da foto,A presença de navios de guerra dos EUA no Caribe reforça a ameaça do uso da força militar

Os recentes esforços diplomáticos, incluindo a visita do Secretário de Estado, Marco Rubio, a países latino-americanos no início do ano, sinalizam a intenção dos EUA de reafirmar seu domínio tanto econômico quanto estratégico na região.

Embora a estratégia não se aprofunde na dimensão militar dessa política, a campanha de bombardeios aéreos contra supostos narcotraficantes no Caribe e a presença de múltiplos navios de guerra e de militares dos EUA diante da costa da Venezuela reforçam a ameaça do uso da força militar.

Um desgaste anunciado

A deterioração das relações entre os EUA e a Europa vem sendo evidente há meses.

Um dos primeiros sinais da postura do governo Trump em relação à Europa ocorreu em janeiro, quando o vice-presidente dos EUA, JD Vance, fez um ataque mordaz às democracias europeias durante a Conferência de Segurança de Munique (Alemanha), repreendendo seus líderes por ignorarem as preocupações dos eleitores com migração e liberdade de expressão.

Na prática, porém, essa relação desconfortável tem se desenvolvido em outro cenário: a guerra na Ucrânia.

O documento sugere que a Europa não compreendeu as dinâmicas de poder em jogo e que os EUA precisam investir energia diplomática para estabilizar a região.

A União Europeia é acusada, segundo o texto, de dificultar os esforços dos EUA para encerrar a guerra na Ucrânia, e os EUA deveriam "restabelecer uma estabilidade estratégica em relação à Rússia", o que, por sua vez, "estabilizaria as economias europeias".

A mensagem central é que a Ucrânia deveria continuar sendo um Estado viável, mas isso exigiria o reconhecimento da posição dominante da Rússia.

Trump está "perdendo a paciência" com a Europa e com a Ucrânia, disse Bateman, do Serviço Mundial da BBC.

"Está claro que a pressão recai sobre os europeus para que aceitem uma posição que os ucranianos interpretam basicamente como uma capitulação", comentou Bateman.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky (à esquerda), com as mãos cruzadas, reunido no Salão Oval com o presidente dos EUA, Donald Trump (centro), e seu vice-presidente, JD Vance (à direita). Os três estão sentados, e Trump e Vance gesticulam com a mão em sinal de desagrado em direção a Zelensky

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, foi chamdo de 'ingrato' na Casa Branca

A tensão em torno da Ucrânia já se manifestou em momentos de grande repercussão, incluindo a reunião no Salão Oval entre Trump e Vance com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em fevereiro, na qual o líder ucraniano foi rotulado de "desrespeitoso" e "ingrato".

Os líderes europeus agora enfrentam a realidade de que os EUA podem pressionar por um desfecho muito mais favorável ao governo russo do que ao ucraniano.

A Rússia recebeu positivamente a Estratégia de Segurança Nacional, descrevendo-a como "amplamente consistente" com sua visão.

A nova Estratégia de Segurança Nacional já reconfigurou os debates em Washington D.C. (capital dos EUA) e em diversas capitais europeias.

As implicações para a Ucrânia, para as relações entre EUA e Europa e para a ordem global mais ampla ainda estão em evolução.

Mas o documento deixa uma coisa clara inequivocamente: o governo Trump pretende redefinir as prioridades da política externa dos EUA e espera que seus aliados se adaptem a essa nova realidade.

*Com informações adicionais do podcast The Global Story, do Serviço Mundial da BBC


quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

O Jogo das Existências – Quando a Vida Vira Missão por Egidio Guerra

 



Enquanto as redes sociais tradicionais aprisionam usuários em loops infinitos de likes e comparações vazias, a Terra da Sabedoria propõe uma revolução lúdica: “Existência: O Jogo do Mundo Real”. Não é um RPG fantástico com dragões e espadas mágicas, nem um jogo de tabuleiro com regras abstratas — é um RPG vivo, jogado nas ruas, nas comunidades, nos biomas e nas relações humanas. 

Inovação Ludonarrativa: O Game que Descoloniza 

Diferente dos RPGs convencionais onde heróis solitários salvam mundos fictícios, Existência opera como um ecossistema de missões colaborativas. Enquanto no Dungeons & Dragons você cria um personagem para derrotar monstros, aqui você descoloniza seu próprio imaginário para enfrentar monstros reais: racismo estrutural, desigualdade econômica, destruição ambiental. 

Comparado aos jogos de tabuleiro competitivos como War ou Banco Imobiliário — que naturalizam lógicas imperialistas de conquista e acumulação — nosso game inverte a lógica: vencer é coletivo, a vitória é medida pelo bem-estar do ecossistema social. Como num tabuleiro vivo de Catan só que com territórios reais, recursos naturais verdadeiros e negociações que afetam vidas concretas. 

O Big Brother Brasil a Céu Aberto: Onde a Audiência é a Transformação 

Imagine um Big Brother Brasil radicalmente diferente: sem confinamento em casas espelhadas, mas imersão nas comunidades. Sem paredes invisíveis, mas fronteiras sendo desfeitas. Sem edição para criar vilões e heróis caricatos, mas narrativas autogeridas pelos jogadores. Aqui, o “reality show” é a realidade mesma — um “Big Brother Social” onde as câmeras são os olhos da comunidade, os votos são decisões coletivas, e a eliminação não é de pessoas, mas de preconceitos, lixos plásticos, desigualdades. 

Enquanto o BBB fabrica conflitos para entreter uma sociedade adormecida, nosso game documenta conflitos reais sendo transformados por inteligência coletiva. Não espetáculo, mas espelho crítico: cada missão é um episódio de uma série onde a humanidade é ator e espectador de sua própria evolução. 

A Narrativa de um Jogador: Miguel, 19 anos, periferia de São Paulo 

Miguel entra no game através de um celular simples. Sua primeira missão: “Mapa Afetivo da Quebrada”. Ele não caça orcs, mas histórias esquecidas: entrevista Dona Maria, 82 anos, que viu o córrego virar esgoto; mapeia o ponto de descarte irregular que vira enchente; registra a feira orgânica que nasceu da horta comunitária. 

Miguel escreve em seu diário de missão: 

“Nível 1 completo: hoje entendi que minha comunidade não é ‘carente’, é sabotada. O lixo não é ‘falta de educação’, é falta de política pública. Minha missão virou projeto: vamos criar um sistema de compostagem com as vendas da feira. Ganhei o badge ‘Descolonizador do Lixo’ e conectei com uma jogadora de Portugal que está fazendo o mesmo com pescadores. RPG de verdade não tem ficha de personagem, tem identidade em transformação.” 

Facebook e Instagram: As Máquinas de Fantasmas Coloniais 

Enquanto isso, nas redes hegemônicas, a economia da atenção fabrica depressão e divisão. O Instagram vende corpos perfeitos enquanto nossas cidades adoecem de solidão; o Facebook otimiza discursos de ódio para engajamento, alimentando bolhas que explodem em violência real. São jogos perversos com regras invisíveis: quem acumula mais likes vence uma corrida por validação que ninguém escolheu entrar. Seus algoritmos são feitiços coloniais modernos: nos fazem acreditar que a riqueza é ter, que o sucesso é aparecer, que a vida é uma vitrine. 

Na Terra da Sabedoria, o algoritmo é pedagógico: sugere conexões não por interesses comerciais, mas por potenciais colaborativos. Ele não explora dados, cultiva saberes. 

A Revolução das Missões Educadoras: Clima, Pobreza, Desigualdade 

Imagine 5 milhões de jovens simultaneamente engajados em missões como: 

  • “Árvores de Histórias”: plantar mudas nativas enquanto se registram memórias orais dos anciãos sobre o bioma local. 

  • “Moedas Solidárias”: criar sistemas locais de troca que valorizam serviços comunitários. 

  • “Fronteiras Diluídas”: conectar periferias de diferentes países para trocar soluções de segurança alimentar. 

Cada missão gera dados abertos que viram ferramentas de advocacy político. As “aventuras” não terminam em castelos, mas em projetos de leicooperativas reaistecnologias sociais replicáveis. O game vira um parlamento global juvenil, onde o level up é medido pela redução do índice de homicídios na comunidade, pela recuperação de um rio, pela transformação de um ponto de tráfico em centro cultural. 

Kibuts Digitais: Comunidades que Jogam Juntas 

Cada “clã” no jogo é um Kibut digital — uma comunidade intencional que atua no físico. Eles não competem por recursos escassos, mas regeneram abundância. A “gráfica” do jogo não imprime magias, mas cartilhas de direitos. A “loja de itens” não vende espadas, mas ferramentas de agricultura urbana enviadas através de parcerias com cooperativas. 

E quando um jogador completa a missão “Descolonize seu Prato” (mapeando a cadeia alimentar local e criando uma horta comunitária), ele não ganha pontos de experiência abstratos, mas colhe legumes reais e compartilha o excedente com idosos isolados — ato registrado e inspirador para outros milhares. 

O Impossível é Apenas o Não-Imaginado Ainda 

Enquanto o Facebook nos faz acreditar que a solidão é normal, que a rivalidade é natural, que o consumo é felicidade, nosso game revela o feitiço: essas não são leis da natureza, são construções coloniais. Desobedecê-las é o ato mais revolucionário. 

Existência é mais que um jogo: é um tratado de desobediência lúdica. Suas regras são flexíveis como a vida, sua narrativa é escrita coletivamente, sua vitória é um mundo onde ninguém precisa jogar para ser herói — porque a vida cotidiana, digna e plena, já é a maior aventura. 

A partida começou. Seu avatar é você mesmo. O tabuleiro é seu território existencial. E a próxima missão — “Reescreva um Pedaço do Mundo” — aguarda seu primeiro movimento. 

*“Não jogue para escapar da realidade. Jogue para transformá-la. O dado mais importante não é o de 20 lados, é o da consciência coletiva.”* 
— Manual do Jogador, Terra da Sabedoria, 2026