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sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Do morango do amor ao pudim: por que brasileiros gostam tanto de açúcar.

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- Author,André Biernath
- Role,Da BBC News Brasil em Londres
- X,@andre_biernath
Do morango do amor aos brigadeiros gourmet, passando pelos bolos de pote e ovos de Páscoa recheados, o Brasil viveu sucessivas "febres" de doces.
Mas, afinal, por que os brasileiros gostam tanto de açúcar?
A história do açúcar no Brasil começa séculos atrás, bem antes dos doces modernos, e tem relação direta com a colonização portuguesa.
A cana-de-açúcar, de onde boa parte do açúcar utilizado no país é extraído, é originária da Papua Nova Guiné, na Oceania.
Pesquisadores acreditam que ela passou a ser cultivada pelos seres humanos há cerca de 10 mil anos e, aos poucos, se espalhou pela Polinésia, pela Ásia e pelo Mediterrâneo.
Mas, durante muito tempo, a oferta de açúcar era bem limitada e ficava restrita às farmácias, onde havia uso na formulação de remédios ou como tônico para dar energia.
Isso começou a mudar a partir do século 14, quando Portugal investiu nas suas primeiras grandes plantações de cana-de-açúcar na Ilha de Madeira, modelo que foi expandido para o Brasil — em uma escala ainda maior — a partir do século 16.
O açúcar, então, se tornou a grande commodity da então colônia portuguesa, que dependia da mão-de-obra dos escravizados nas lavouras e nos engenhos.

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Em seu livro História da Alimentação no Brasil, o historiador Luís da Câmara Cascudo estima que, entre 1583 e 1587, os 66 engenhos de Pernambuco produziram quase 3 mil toneladas de açúcar.
Ainda que boa parte dessa produção fosse exportada pra Europa, a facilidade no acesso ao açúcar no Brasil influenciou diretamente as receitas de bolos e outras sobremesas, além das conservas e compotas com frutas.
"No século 16, você já começa a perceber a alteração através dos livros de receitas das rainhas, principalmente, a alteração de receitas que eram feitas com mel ou tinham uma outra configuração. Por exemplo, o manjar branco, que antes era um prato que não era feito nem com açúcar nem mel, passa a ser feito com açúcar", explica a historiadora e professora da USP Vera Ferlini.
"Gradativamente, o açúcar vai entrando como um elemento da dieta e da constituição de um receituário, principalmente conventual, de doces, que são os que nós conhecemos: os fios de ovos, vários tipos de pasteis, esses doces com massas, o pão de ló e tudo aquilo que ainda encontramos na doçaria portuguesa. Então a doçaria brasileira vai ser uma herdeira dessa doçaria portuguesa", acrescenta.
Houve ainda a influência dos africanos e dos indígenas, que de acordo com a pesquisa de Câmara Cascudo, preferiam o gosto que vinha direto da cana, de frutas como o cupuaçu, o açaí, o guaraná e o caju, ou dos favos de mel das abelhas.
Mesmo hoje, séculos depois, o Brasil continua sendo o maior exportador de açúcar do mundo.
A revolução do leite condensado
A partir do século 20, a relação do brasileiro com o açúcar se diversificou. A industrialização dos alimentos trouxe novos produtos à mesa: refrigerantes, bolachas recheadas e o leite condensado.
Em 2021, em uma reportagem da BBC Brasil, a Nestlé disse — citando dados de uma pesquisa do Kantar Ibope, realizada em 2020 — que o leite condensado estava presente na casa de 94% dos brasileiros, que consomem em média 6 quilos e meio de leite condensado por ano.
A empresa, que é uma das maiores fabricantes do produto, afirma que o leite condensado é parte de cerca de 60% das sobremesas feitas no Brasil, um número sem paralelo em nenhum outro país.
A popularização deste produto, fabricado há mais de 100 anos, se reflete em inúmeras sobremesas no Brasil: no brigadeiro, nos mousses, pavês e, mais recentemente, no morango do amor.
"O leite condensado junta em um produto só vários atributos que o brasileiro ama. Porque a gente gosta de coisas doces, bem doces. E a gente gosta de doces molhadinhos. E o leite condensado é isso. Ele é úmido, ele é doce, ele traz textura. E ele é neutro, porque a base láctea permite esses acréscimos do pistache, do chocolate, do morango, do limão, do maracujá, do coco, do café, da laranja… Então você abre um leque de receitas com saborização enorme, com uma facilidade de uso imensa", explica a historiadora Débora Oliveira, autora do livro Dos Cadernos de Receitas as Receitas de Latinha : Indústria e Tradição Culinária (Editora Senac).

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Curiosamente, as primeiras campanhas de marketing promoviam o leite condensado como um alimento pra bebês e crianças, uma espécie de substituto do leite tradicional e das fórmulas infantis.
Uma marca famosa dizia para as mães: "Senhora, não se aflija com a falta de leite. Há um bom substituto, o único substituto, no qual você deve ter total confiança."
Não existe nenhuma evidência científica que sustente essas afirmações — e hoje o consumo de açúcar é desaconselhado antes dos dois anos de idade.
A BBC News Brasil entrou em contato com a Nestlé, que fabrica a principal marca de leite condensado no mercado, para que ela pudesse comentar o assunto, mas não foram enviadas respostas até a publicação da reportagem.
Alguns anos depois, o leite condensado passou a trazer fascículos com receitas, ou instruções de preparo de sobremesas nos próprios rótulos, que passaram a ser colecionados pelas donas de casa.
Segundo pesquisadores, essas campanhas acertaram ao mirar exatamente nas principais dores dos consumidores e oferecer uma solução prática, confiável e barata pra preparar alimentos ligados ao conforto e ao bem-estar de reuniões de família.
"O Gilberto Freyre tem essa frase no livro dele, que eu amo, que aqui no Brasil, o doce visita. O doce agradece. O doce dá as condolências. O doce celebra e tem um papel social. Então, quando nasce alguém, nasceu seu sobrinho, você vai visitar a criança e não leva um leitão à pururuca. Você leva um docinho. O doce tem uma função social de ser recompensa, de ser essa gratidão, onde ele simboliza muito do afeto", afirma Débora Oliveira, que tem mestrado pela USP.
O antropólogo Gilberto Freyre escreveu livros inteiros sobre a importância desse ingrediente para a formação da identidade nacional. É o caso da obra Açúcar: uma Sociologia do Doce, em que ele defende que, sem o açúcar, não é possível compreender o homem do Nordeste.

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O leite condensado também teve impacto em outros setores da vida pública, como a política.
O próprio nome de um dos doces mais populares do Brasil, o brigadeiro, teve origem nas eleições de 1945, quando o brigadeiro Eduardo Gomes candidatou-se à presidência da República. No contexto militar, brigadeiro é uma das mais altas patentes da força aérea brasileira.
Os apoiadores de Eduardo Gomes criaram o slogan: "Vote no brigadeiro, que é bonito e solteiro" e distribuíram um novo doce, que recebeu o mesmo nome, em festas e eventos de campanha.
O doce virou um sucesso, mas não foi suficiente pra garantir a vitória nas eleições, que sagraram Eurico Gaspar Dutra como o novo presidente.
Anos depois, o leite condensado voltou à cena política em uma polêmica, por representar gastos de R$ 15,6 milhões pelo Governo Federal.
Na época, o presidente era Jair Bolsonaro, que compartilhou diversos vídeos comendo esse ingrediente em um pedaço de pão.
Os doces brasileiros são mais doces?

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Fazer uma comparação como essa é difícil, mas algumas receitas indicam que o brasileiro, em geral, usa mais açúcar que o resto do mundo. Geralmente, as receitas brasileiras levam cerca de 50% a mais de açúcar do que as versões parecidas disponíveis em outros países.
Um exemplo clássico é o tradicional bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Enquanto a versão inglesa do carrot cake leva cerca de 200 gramas de açúcar, a brasileira pode chegar a 400 gramas, ou seja, o dobro.
Situação semelhante acontece quando comparamos a receita do pudim de leite brasileiro com o francês, ou o nosso doce de leite e o dulce de leche argentino.
"Se você for pensar no pão de mel alemão, ele é um pão, um pão com especiarias, tem açúcar mascavo, uma doçura menor, ele é mais seco. Aqui [no Brasil], quando você fala pão de mel, você pensa em um bolinho, recheado com doce de leite, se possível banhado com chocolate", exemplifica a historiadora Débora Oliveira.
Até mesmo nossas próprias "criações" são bem açucaradas. O brigadeiro, por exemplo, marca registrada do Brasil, é preparado com uma lata inteira de leite condensado. Esse ingrediente já carrega, em média, 55 gramas de açúcar a cada 100 gramas.
Quanto açúcar o brasileiro consome?
O Ministério da Saúde calcula que o brasileiro consome, em média, 80 gramas de açúcar por dia — o equivalente a 18 colheres de chá de açúcar. Isso representa 50% a mais do limite máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de 50 gramas diárias, ou 12 colheres de chá.
Esse alto consumo coloca o Brasil no topo do ranking mundial de ingestão de açúcar, ao lado dos Estados Unidos, Rússia e México. Para comparação, os brasileiros chegam a consumir o triplo de açúcar que chineses ou japoneses.
Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária ainda revelam que esse hábito cresceu nas últimas décadas. Nos anos 1930, o consumo individual era de cerca de 15 quilos de açúcar por ano. Em 1990, esse número passou para 50 quilos, e hoje gira em torno de 65 quilos, segundo a OMS.
O consumo médio de açúcar também cresceu em outras partes do mundo. Estima-se que o consumo aumentou 100 vezes de 1850 até os dias de hoje, com algumas variações regionais.
Estudos apontam que cerca de 60% dessa ingestão vêm de açúcares adicionados a alimentos e bebidas. O restante está presente em produtos processados e ultraprocessados.
"É muito comum no Brasil, no setor público, por exemplo, você ter café e ele já estar adoçado na garrafa. A pessoa nem adoça o próprio café, porque essa é a prática. Temos também pessoas que adicionam açúcar no leite com achocolatado, que já tem o açúcar", destaca a professora do Instituto de Nutrição da UERJ Daniela Canella.

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Excesso de açúcar e saúde
Se por um lado o açúcar está enraizado na cultura brasileira, por outro, o consumo excessivo se tornou um grave problema de saúde pública.
Segundo o Ministério da Saúde, o alto consumo de açúcar está relacionado a uma série de doenças crônicas que cresceram no Brasil nas últimas décadas, como o diabetes tipo 1 e a obesidade.
"Um ponto bem importante é o ganho de peso, e se a gente pensa que a obesidade cresce no Brasil e no mundo, o ganho de peso é bastante sensível. Não é a obesidade, o peso mais elevado como uma questão estética. A obesidade é um problema e está relacionada ao desenvolvimento de infinitas doenças: diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer", explica Daniela Canella.
Isso não quer dizer que você deva cortar todo o açúcar da sua alimentação ou que não possa experimentar o tão famoso morango do amor. Segundo a nutricionista, o segredo é consumir com moderação.
Reduzir gradualmente o açúcar nas receitas, resgatar o sabor real dos ingredientes — que muitas vezes acabam escondidos pela doçura — e repensar hábitos alimentares são estratégias que ajudam a equilibrar saúde e prazer à mesa.
"Talvez a redução drástica seja muito difícil porque as pessoas estão acostumadas com aquele paladar, mas talvez fazer uma transição sem substituir por edulcorante [aditivos alimentares popularmente conhecidos como adoçantes]. Se você vai reduzindo aos poucos, o paladar vai se acostumando até parar de consumir ou consumir menos. E evitar consumir ultraprocessados com alerta de açúcar e, no dia a dia, tentar reduzir esse açúcar adicionado [em bebidas, cafés] também ajuda muito", aconselha Canella
Edson Fachin: qual é o perfil do ministro eleito como novo presidente do STF, indicado por Dilma Rousseff

Crédito,Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
- Author, Giulia GranchiGiulia Granchi
- Role,Da BBC News Brasil em Londres
O Supremo Tribunal Federal (STF) elegeu nesta quarta-feira (13) o ministro Edson Fachin como novo presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o biênio 2025-2027. Na mes
ma sessão, o colegiado escolheu o ministro Alexandre de Moraes para ocupar a vice-presidência. A posse está marcada para 29 de setembro, às 16h.
A votação foi simbólica, com placar de 10 a 1, já que o próprio candidato não vota em si. A escolha seguiu a tradição de eleger o ministro mais antigo que ainda não tenha exercido a presidência. O mandato de dois anos terá início no dia seguinte ao fim da gestão de Luís Roberto Barroso, em 28 de setembro.
De acordo com o Regimento Interno do STF, a eleição ocorre na segunda sessão ordinária do mês anterior ao término do mandato vigente. Na abertura da sessão, Barroso elogiou o sucessor: "Considero, pessoalmente e institucionalmente, que é uma sorte do país poder, nesta conjuntura, ter uma pessoa com a qualidade moral e intelectual de Vossa Excelência conduzindo o Tribunal".
A eleição tem um efeito simbólico. É como uma corrida de revezamento: o bastão agora chegou aqui e recebo com o sentido de missão e com a consciência de um dever a cumprir", afirmou.
Moraes também agradeceu e destacou a parceria com Fachin — os dois já dividiram a liderança no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022.
Quem é Edson Fachin
Luiz Edson Fachin nasceu em 8 de fevereiro de 1958, em Rondinha (RS). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde é professor titular de Direito Civil, Fachin possui mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorado no Canadá.
Antes de integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), atuou como advogado e consultor nas áreas de Direito Civil e Direito Internacional, além de participar de comissões acadêmicas e jurídicas de relevância nacional.
Indicado para o STF pela então presidente Dilma Rousseff, tomou posse em 16 de junho de 2015 e atualmente ocupa a vice-presidência da Corte. Ao longo de sua trajetória no tribunal, Fachin já presidiu ou foi vice no Tribunal Superior Eleitoral, consolidando experiência em julgamentos de alta complexidade.

Crédito,Antonio Cruz/Agência Brasil
Casos de destaque
Operação Lava Jato
Fachin ganhou notoriedade ao assumir, em 2017, a relatoria dos processos da Operação Lava Jato no Supremo, após a morte do ministro Teori Zavascki.
Considerado um entusiasta da operação, Fachin tem um histórico de decisões que foram consideradas "favoráveis" à operação.
Entre os desdobramentos recentes sob sua relatoria está o caso do ex-presidente Fernando Collor, condenado a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em processo ligado a irregularidades na BR Distribuidora.
A condenação, de maio de 2023, foi confirmada em 2024, e a prisão de Collor foi determinada após o esgotamento dos recursos. Em decisão referendada por 6 a 4 no STF, Fachin acompanhou o voto do relator Alexandre de Moraes para manter o ex-presidente preso. Posteriormente, a pena foi convertida em prisão domiciliar por questões de saúde.

Crédito,José Cruz/Agência Brasil
Marco temporal na demarcação de áreas indígenas
Fachin também se destacou em processos envolvendo direitos indígenas. No julgamento sobre o chamado "marco temporal" — tese segundo a qual só poderiam ser demarcadas terras ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 — o ministro votou contra a adoção dessa regra. O caso, de repercussão geral, tem como origem uma disputa por terras em Santa Catarina e pode definir o futuro de dezenas de processos semelhantes.
Além disso, em janeiro de 2024, Fachin suspendeu decisões judiciais que travavam a demarcação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no Paraná. De acordo com o ministro, as decisões não observaram o direito ao contraditório e à ampla defesa das comunidades indígenas.
"É fundamental que as soluções possam de fato refletir as diferenças de realidade e de percepção entre as partes. O envolvimento ativo de todos os atores estatais, sobretudo para ouvir as partes e as auxiliar a encontrar pontos comuns", decidiu Fachin, conforme noticiado pela Agência Brasil. O processo voltou a avançar após anos de impasse e aumento da tensão na região, incluindo ataques armados contra indígenas Avá-Guarani. O ministro também conduz ações que pedem medidas de proteção a povos isolados e de recente contato.
Revista íntima
Em outro caso envolvendo segurança pública, o Supremo concluiu em abril de 2025 o julgamento que proibiu a chamada "revista íntima vexatória" — procedimento adotado em presídios que expõe e humilha visitantes e detentos. O processo foi relatado por Fachin.
Pela decisão, a prática está proibida imediatamente. No entanto, o tribunal estabeleceu um prazo de até 24 meses para que os estabelecimentos prisionais se adaptem e instalem equipamentos como scanners corporais e detectores de metais. Nesse período de transição, só poderão ser usados métodos de revista que não sejam invasivos nem humilhantes, como inspeção visual de objetos ou detectores portáteis.
'Uberização'
Sob relatoria do ministro Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa um recurso que discute se motoristas de aplicativos têm vínculo empregatício com as plataformas digitais — tema conhecido como "uberização". A decisão terá efeito vinculante para todos os casos semelhantes no país, graças ao reconhecimento da repercussão geral (Tema 1.291).
Em dezembro de 2024, Fachin promoveu uma audiência pública com 58 expositores, incluindo representantes de motoristas, empresas, sindicatos e especialistas, para subsidiar a decisão do tribunal. O objetivo foi avaliar aspectos como a carga horária, o controle algorítmico das atividades e a ausência de benefícios trabalhistas típicos, como férias e 13º salário.
A definição do STF terá impacto direto em milhares de processos espalhados pelo Judiciário brasileiro, estabelecendo um padrão para a relação entre trabalhadores e plataformas digitais.
Após o resultado, Fachin agradeceu a confiança dos colegas e disse que pretende manter o fortalecimento da colegialidade, do diálogo e da pluralidade.