SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

'Não se destrói uma lenda com ciência': a centenária busca pelo Monstro do Lago Ness


Lanchas no Lago Ness se preparam para uma busca ao Monstro em 1987

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Em 1987, uma equipe de cientistas usou sonares para sair em busca do Monstro do Lago Ness, na Escócia
    • Author,Greg McKevitt
    • Role,BBC Culture

O mistério do Monstro do Lago Ness vem intrigando os pesquisadores e encantando os turistas há décadas.

Lago Ness — uma longa e fina faixa de água nas Terras Altas escocesas — contém mais água do que todos os lagos ingleses e galeses juntos. Quem sabe quais segredos podem se esconder nas suas misteriosas profundezas?

De caçadores de animais até trombonistas tentando atrair o monstro com um possível chamado de acasalamento, especialistas e amadores se dedicam a tentar capturar a solitária criatura, carinhosamente apelidada de Nessie.

Em 1987, uma grande exploração com sonares tentou determinar de uma vez por todas se o Monstro do Lago Ness realmente existe. A imprensa mundial se instalou nas belas e tranquilas charnecas em torno do lago, para o lançamento da Operação Deepscan.

Uma equipe internacional de caçadores do monstro trouxe equipamento de alta tecnologia, no valor total de 1 milhão de libras (cerca de US$ 1,35 milhão ou R$ 7,35 milhões, pelo câmbio atual). Sua intenção era vasculhar todos os locais onde Nessie poderia estar escondido.

Foram 24 barcos alinhados para varrer o lago, todos armados com sonares de última geração, lançando uma parede de som até as águas mais profundas.

A frota lançou sua rede sônica através da água por 37 km, enquanto os cientistas analisavam seus gráficos em busca de sinais sonoros reveladores.

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Eles não encontraram o monstro. Mas, ao longo de uma semana, os sensores, de fato, captaram três contatos de sonar que indicavam que havia algo grande nas águas perto das ruínas do castelo de Urquhart, nas margens do lago.

Pode ter sido apenas uma foca ou um cardume de salmões. Mas a boa notícia é que aquele sinal fez com que a lenda do Monstro do Lago Ness permanecesse intacta.

O líder do projeto e veterano caçador de Nessie Adrian Shine contou à BBC:

"Se fôssemos pegar um peixe com a escala sugerida pelos contatos, acho que ninguém sairia muito insatisfeito e a presença de todas aquelas testemunhas estaria justificada."

A missão foi considerada inconclusiva — "não foi provado", como costuma dizer a legislação escocesa.

O especialista em sonares Darrell Lowrance claramente se resguardou, ao dizer que "isso não significa que há um monstro aqui, mas também não quer dizer que eu ache que não exista. Eu não gostaria de ser linchado no norte da Escócia."

Mas os turistas permaneceram inabaláveis. Uma mulher insistia ter visto "nitidamente" o monstro durante sua visita.

O apresentador da BBC Clive Ferguson (1951-2022) concluiu que "acima de tudo, a Operação Deepscan comprovou que não se pode destruir uma lenda com a ciência".

Ruínas do castelo de Urquhart, às margens do lago Ness, com diversos visitantes

Crédito,AFP via Getty Images

Legenda da foto,Os sinais de sonar indicaram em 1987 que havia algo grande nas águas próximas às ruínas do castelo de Urquhart, mantendo viva a lenda do Monstro

A lenda original de Nessie data do século 6, quando o monge irlandês São Columba (521-597) teria encontrado uma criatura no rio Ness, que flui a partir do lago.

A lenda moderna teve início em 1933, com o relato de uma testemunha um tanto relutante.

Em um dia ensolarado de primavera, a gerente de hotel Aldie Mackay avistou algo incomum na água. Ela só daria sua primeira entrevista para o rádio 50 anos depois, para o programa The World This Weekend, da BBC Rádio 4.

Mackay declarou que a superfície do lago estava calma ("parecia que você a havia passado a ferro"), quando algo subitamente emergiu.

"Era tão incomum que você simplesmente não acreditava no que estava vendo", contou ela. "Aquilo simplesmente subiu; poderia ter sido um elefante, poderia ter sido uma baleia, poderia ter sido qualquer coisa."

"Era grande, preto e brilhante, porque estava molhado. Ele saiu do lago, deu uma volta em rodopio e simplesmente desapareceu."

Mackay conhecia bem o folclore local sobre os monstros. "Você lê todas aquelas histórias de kelpies [espíritos aquáticos do folclore escocês] e outras."

Ela conta que riu sozinha e pensou: "Este é o monstro, mas não acredito nele."

Fotografia falsa do Monstro do Lago Ness, de 1934

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A imagem mais famosa do Monstro do Lago Ness surgiu em 1934, no auge da Nessiemania. Mas a fotografia foi exposta posteriormente como sendo uma fraude.

A história de Mackay logo ganhou vida própria.

"Estávamos discutindo o caso certa noite com um amigo, que saiu e prometeu fielmente nunca passá-la adiante", contou ela. "Ele foi e contou a outra pessoa que prometeu fielmente não contá-la a ninguém."

O conto continuou a se espalhar e acabou chegando a Alex Campbell, fiscal de pesca e correspondente do jornal escocês The Inverness Courier.

"A partir dali, ela só cresceu", segundo Mackay. "O Daily Mail ou algum outro jornal publicou no sul e ela simplesmente decolou."

Nessie ganha o mundo

Décadas se passaram e Mackay se manteve reservada sobre seu papel na criação da indústria global de Nessie.

"Às vezes, fico muito aborrecida por ser acusada de ter começado isso para atrair visitantes. Não é verdade. Eu não tinha capacidade de imaginar algo assim para atrair os turistas. Ganhei o crédito de ter mais cérebro do que tenho na realidade!"

Já Campbell não foi tão modesto. Ele acabou no Livro Guinness dos Recordes como "a mais prolífica testemunha do Monstro do Lago Ness", com a impressionante marca de 17 avistamentos.

Entrevistado em 1938 pelo programa de rádio Fact or Fiction, da BBC, ele descreveu como tomou conhecimento da experiência de Mackay.

"Eu sabia que era uma boa história, algo bastante fora do comum", contou ele. "Ao chegar em casa, eu me debatia com um único ponto: qual palavra usar para designar a criatura?"

"Por fim, 'monstro' apareceu e foi assim que apresentei o Monstro do Lago Ness para o mundo dos jornais."

Bonecos de pelúcia do Monstro do Lago Ness, com a bandeira da Escócia

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A gerente de hotel Aldie Mackay garante que não inventou a história do seu avistamento do Monstro para trazer turistas para o Lago Ness: 'Eu não tinha capacidade de imaginar algo assim.'

Foi assim que surgiu a mania.

Em dezembro de 1933, o jornal Daily Mail contratou o caçador Marmaduke Wetherell para procurar o Monstro.

Ele encontrou grandes pegadas nas margens do lago, mas os zoólogos desmancha-prazeres descobriram rapidamente que elas eram falsas. As pegadas foram fabricadas usando um cabo de guarda-chuva ou cinzeiro, representando uma perna de hipopótamo.

Em 1938, diversos personagens locais se apresentaram para relatar seus próprios avistamentos para o programa Fact or Fiction.

Donald McDonald, dono de um estacionamento e de um nome incrível, afirmou ter visto o Monstro cinco vezes.

"A última vez foi em março deste ano [1938]", contou ele. "Parecia um barco de pesca virado para baixo, 45 cm acima da água, com cerca de 4,5 a 5,4 metros de comprimento."

O diretor de uma escola declarou ter visto o que descreveu como "um longo e magro pescoço, parecido com uma cobra, e uma pequena cabeça saindo do lago".

O monge beneditino Basil Wedge afirmou ter visto "três corcovas consideráveis" na água. Ele estava convencido de que havia ali uma "família de monstros".

E o motorista de caminhão John Cameron declarou: "Eu diria que tinha cerca de 2,4 metros de comprimento, com as costas a cerca de 60 cm da água. Ele me lembrava um velho cavalo."

Seria o Monstro um elefante?

A imagem mais famosa surgiu em 1934, no auge da Nessiemania: um pescoço fino, parecido com uma serpente, se elevando do lago. A foto desconcertou os estudiosos de Nessie por décadas.

Em 1979, o naturalista norte-americano Dennis Power sugeriu que o "monstro" ilustrado seria um elefante nadando com seu tronco acima da água. Ele destacou que os elefantes conseguem nadar por até 48 km.

Power reconheceu que a ideia de haver um elefante nas Terras Altas da Escócia era quase tão improvável quanto um monstro de verdade.

Mas, segundo ele, "adoraríamos pedir uma subvenção governamental para quatro passagens de ida e volta para a Escócia e 40 toneladas de amendoins para tentar capturá-lo, mas isso provavelmente está fora de questão".

Já se comprovou que a foto de 1934 é falsa, mas a improvável teoria do elefante não foi esquecida.

Em 2006, Neil Clark, curador de paleontologia do Museu Hunteriano da Universidade de Glasgow, na Escócia, sugeriu que as visões dos anos 1930 poderiam ter sido de elefantes de circo, já que as companhias circenses que visitavam a cidade próxima de Inverness costumavam parar no Lago Ness para os animais descansarem.

"Quando seus elefantes nadavam no lago, podiam ser vistas apenas o tronco e duas corcovas", explica ele. "A primeira corcova era a cabeça e a segunda, as costas."

Clark admite que a maioria das visões de Nessie pode ser explicada por troncos flutuantes ou ondas. Mas, questionado se acreditava no Monstro do Lago Ness, Clark respondeu: "Realmente acredito que haja algo vivo no Lago Ness."

A Operação Deepscan pode ter fracassado na captura de Nessie, com grandes prejuízos financeiros. Mas uma tentativa menos científica, em 1976, chegou ao mesmo resultado com uma fração do custo.

O trombonista norte-americano Bob Samborski tentou atrair Nessie tocando um chamado de acasalamento com seu instrumento. Ele contou à BBC Rádio Highland que, se uma fêmea realmente emergisse, haveria duas possibilidades:

"Ou eu ficaria rico e famoso ou, se ela gostasse tanto de mim aponto de me comer vivo, pelo menos eu ficaria famoso e alguém ficaria rico."

Leia a versão original desta reportagem, com o vídeo da cobertura da Operação Deepscan em 1987 (em inglês), no site BBC Culture.

Como o filme 'A Rede Social', sobre nascimento do Facebook, 'profetizou' problemas com tecnologia há 15 anos

Como o filme 'A Rede Social', sobre nascimento do Facebook, 'profetizou' problemas com tecnologia há 15 anos

Cena do filme 'A Rede Social', de 2010

Crédito,Alamy

Legenda da foto,Do diretor David Fincher e do roteirista Aaron Sorkin, o drama vencedor do Oscar sobre a criação do Facebook provou ser uma visão profética e assustadora dos problemas que envolvem as redes sociais
    • Author,Gregory Wakeman
    • Role,BBC Culture

O lançamento do filme A Rede Social aconteceu há apenas 15 anos, no dia 1° de outubro de 2010. Mas, às vezes, parece que ele veio de uma era distante.

Dirigido por David Fincher com o roteiro vencedor do Oscar de Aaron Sorkin, o filme foi extremamente elogiado. Ele acompanha a ascensão de um dos criadores do FacebookMark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg), do seu dormitório em Harvard até a diretoria da empresa.

Mas, quando sobem os créditos, pode-se perceber o quanto Zuckerberg ainda estava distante da influente figura que viria a ser, da mesma forma que as redes sociais do filme estavam muito longe do que viriam a se tornar no futuro.

O próprio Facebook, criado em 2004, ainda era uma novidade naquela época.

O Twitter, de 2006, era ainda mais jovem. O Snapchat só surgiria em 2011 e, coincidentemente, o Instagram nasceu no mesmo mês do lançamento do filme.

Mas Fincher e Sorkin foram incrivelmente proféticos. A Rede Social pode ter sido o primeiro filme de um estúdio importante a retratar empreendedores da internet, mas só agora podemos apreciar como o longa foi perspicaz e até clarividente sobre suas distintas ambições, inseguranças e motivações — e sobre o mundo online que eles imaginavam construir.

Jesse Eisenberg, que interpretou Mark Zuckerberg em 'A Rede Social', ao lado do diretor David Fincher e do roteirista Aaron Sorkin

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A Rede Social (2010): Jesse Eisenberg (esq.) interpretou Mark Zuckerberg, com direção de David Fincher e roteiro de Aaron Sorkin (dir.)

De certa forma, o filme era apenas o mais recente de uma longa linhagem de grandes dramas americanos, com um protagonista que se sente vazio e solitário, depois de atingir seu objetivo de conseguir poder e riqueza.

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Sua visão mordaz do capitalismo americano segue a tradição de Cidadão Kane (1941), O Poderoso Chefão (1972), Sangue Negro (2007) e de outras histórias sobre ambição, riqueza e traição.

"Todos são filmes sobre ganhar dinheiro e quem se machuca ao longo do caminho", afirma o professor de mídia, comunicação e estudos cinematográficos Paul McEwan, da Faculdade Muhlenberg, nos Estados Unidos.

"É uma história americana por excelência", prossegue ele. "A Rede Social se coloca exatamente nesta encruzilhada. Ele examina as inerentes contradições entre o capitalismo sem limites e se ficamos em dívida com as pessoas que nos ajudam a chegar lá."

O que torna A Rede Social irresistível em relação aos seus predecessores é o fato de que seus personagens são muito jovens.

Zuckerberg e Sean Parker, fundadores do serviço de compartilhamento de arquivos Napster, tinham apenas 19 anos quando fizeram suas descobertas tecnológicas. E o filme considera sua juventude como fundamental para definir quem eles eram e como modelariam a internet.

"O ponto central de A Rede Social é que, pela primeira vez, pessoas tão jovens tiveram tanto poder", afirma o professor de cinema Neil Archer, da Universidade de Keele, no Reino Unido. Ele é o autor do livro The Social Network: Youth Film 2.0 ("A Rede Social: filme da juventude 2.0", em tradução livre).

"O filme mostra aquele nível de poder e riqueza consolidado em torno de adolescentes", segundo ele.

Para Archer, a situação fica mais explosiva perto do fim de A Rede Social, quando o brasileiro Eduardo Saverin (interpretado por Andrew Garfield) fica sabendo que Zuckerberg e Parker (Justin Timberlake) o forçaram a sair da companhia.

Saverin confronta a dupla, destruindo o computador de Zuckerberg na frente de todos os funcionários.

"Eles são crianças", explica Archer à BBC. "Eles não sabem como se vestir, nem como se portar adequadamente. Eles nem mesmo têm idade para beber."

Mark Zuckerberg, de bermuda, tênis e camiseta, durante uma palestra

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Os empresários da tecnologia atuais, como Mark Zuckerberg, costumam ser vistos em roupas casuais, como se fossem estudantes

Basta comparar o sarcástico e espigado Zuckerberg interpretado por Eisenberg com os machos alfa dominantes de Orson Welles (1915-1985) em Cidadão Kane, Al Pacino em O Poderoso Chefão e Daniel Day-Lewis em Sangue Negro.

Eisenberg parece mais um nerd em uma comédia adolescente do que o padrão dos líderes de Hollywood. Ele não usa terno com risca de giz, nem parece conseguir sobreviver por mais de um minuto em um campo petrolífero.

Se compararmos com os dias de hoje, os profissionais da tecnologia podem ser mais velhos do que Zuckerberg no filme, mas a cultura de roupas casuais de estudantes, os insultos brincalhões e a nerdice dos videogames permaneceram.

"Zuck é um corno", disse Elon Musk sobre Zuckerberg, em 2023. Claramente não foi a forma mais madura de se referir a um concorrente.

Em A Rede Social, a imaturidade é uma característica que define Zuckerberg e seus amigos, especialmente em relação ao sexo.

"Os gêmeos Winklevoss [ambos interpretados por Armie Hammer] basicamente querem lançar o Harvard Connection [uma rede social pré-Facebook] para que os rapazes possam sair com as garotas", explica Archer.

"A abertura do filme mostra a quantidade de garotas sendo levadas para o Phoenix Club. É o que Mark também quer."

"O filme indica a natureza superficial do uso pretendido para aquilo. Todo o filme é ancorado nas preocupações adolescentes de status social e de conseguir [garotas]", prossegue o professor.

Ficção e realidade

Fincher e Sorkin fazem uso da suposta fascinação de Zuckerberg por uma ex-namorada chamada Erica Albright (interpretada por Rooney Mara) como base para a história e o declínio do seu personagem.

Depois de ser dispensado por ela, Fincher mostra Zuckerberg voltando imediatamente para o seu dormitório, onde, como vingança, ele cria o website misógino Facemash, que compara a aparência das estudantes do campus.

Na metade do filme, depois que ele corre novamente em direção a Albright e ela o repreende, o inseguro Zuckerberg toma a decisão de expandir o Facebook, para poder provar a ela que não é um idiota, como ela diz na cena de abertura.

No final do filme, ele continua preocupado em obter o respeito de Albright, embora eles aparentemente não se falassem há anos.

Cena do filme 'A Rede Social'

Crédito,Alamy

Legenda da foto,Mark Zuckerberg desmentiu as motivações atribuídas ao seu personagem no filme

É preciso ressaltar que Albright é uma personagem fictícia, inventada pelos cineastas. Mas Zuckerberg estava em um relacionamento com sua futura esposa Priscilla Chan, na época da criação do Facebook. Ele desmentiu as motivações atribuídas ao seu personagem no filme.

"Toda a estrutura do filme é baseada em 'estou com essa garota, que não existe na vida real e me rejeita'", declarou Zuckerberg em uma palestra na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 2010.

"E, basicamente, a estrutura é que toda a razão para criar o Facebook é que eu queria conseguir garotas ou entrar em casas noturnas. Eles [Fincher e Sorkin] simplesmente não conseguem pôr na cabeça a ideia de que alguém pode construir algo porque gosta de construir coisas."

Zuckerberg pode ter razão, mas esta certamente não é a primeira vez em que um filme distorceu a realidade para fins temáticos e de dramatização.

"Como historiador e alguém que acredita muito na alfabetização midiática, sempre considero e incentivo as pessoas a considerar um filme com base em eventos reais ainda como uma dramatização", afirma Jason Steinhauer, autor do livro History, Disrupted: How Social Media and the World Wide Web Have Changed the Past ("A história, alterada: como as redes sociais e a World Wide Web mudaram o passado", em tradução livre).

"Todos os filmes de Hollywood têm liberdades, retiram elementos da história, enaltecem a dramatização e acentuam certos personagens, tudo em nome de contar a história", explica ele.

"Eu hesitaria ao ver qualquer pessoa considerar que o Zuckerberg interpretado naquele filme é, de alguma forma, um retrato muito preciso do homem em si."

Mas o surpreendente é como A Rede Social traça um tipo diferente de "retrato preciso": um quadro de certos aspectos negativos das redes sociais que só seriam analisados em profundidade anos depois do lançamento do filme.

Os críticos afirmam que a interação online aumenta a insegurança; pode incentivar hostilidades; e, como disse o jornal The New York Times no ano passado, "criou uma receita para a solidão".

Redes maiores, mas com menor qualidade

Em 2020, a rede de TV americana CNBC noticiou uma pesquisa da empresa de seguros e assistência médica Cigna, que "encontrou correlação cada vez maior entre o uso das redes sociais e a sensação de solidão".

E, segundo um estudo sobre filosofia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, realizado em 2021 por Emily Qureshi-Hurst (um dos muitos artigos recentes sobre o assunto), "as redes sociais amplificam o sentimento de alienação e distanciamento" de três formas:

  • "as redes sociais nos permitem construir versões artificiais de nós mesmos, utilizando filtros e software de edição de fotos;
  • elas fornecem meios de quantificar a aprovação social em grupos com tamanho acima da evolução do cérebro humano; e
  • elas ampliam o tamanho das nossas redes sociais, mas reduzem a qualidade das interações."

Basicamente, elas transformam a nós todos em estudantes imaturos, desesperados para sermos populares, não importa o quanto esse desespero nos faça nos sentir mal.

A cena final de A Rede Social resume este estado.

Depois de trair seu melhor amigo, Eduardo Saverin, e fazer com que seu novo melhor amigo, Sean Parker, saísse do Facebook, Zuckerberg se senta sozinho em um escritório, esperando que Erica Albright aceite seu pedido de amizade no portal.

Suas imagens sentado imóvel na sua cadeira, pressionando repetidamente o botão para ver se ela havia respondido, são o resumo perfeito do que as redes sociais fizeram com tantos de nós.

"Seguidores e curtidas são a nova economia", segundo Neil Archer. "É uma economia baseada em uma falsa ideia de conectividade, pois você não está conectado àquelas pessoas."

Em outubro do ano que vem, o público irá saber se Aaron Sorkin acredita que Zuckerberg cresceu e amadureceu na década e meia após o lançamento de A Rede Social.

Sorkin está escrevendo e dirigindo uma continuação do filme, que irá se chamar The Social Reckoning ("O acerto de contas social", em tradução livre — ainda sem título em português). O ator Jeremy Strong, da série Succession (2018-2023), interpretará Mark Zuckerberg.

"É uma história totalmente diferente", afirma Jason Steinhauer. "A história de uma enorme companhia multinacional é diferente de uma valente start-up."

"Agora, existem também diferentes responsabilidades sobre o que deverá ser incluído no filme. Sabemos que as redes sociais fizeram mal às pessoas. Sabemos que as redes sociais vêm sendo uma força de radicalização e alienação em algumas comunidades."

"Por isso, o filme precisa lidar de alguma forma com essas questões ou com as ramificações dessas questões. Será interessante observar o que eles irão apresentar", conclui Steinhauer.

A Rede Social (2010) está disponível no Brasil na Amazon Prime Vídeo, Apple TV, Google Play e YouTube.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.