Meu pai tem cabelo branco, mas às vezes fala como quem ainda guarda uma fisgada de adolescência no peito. Anda mais devagar, mas ainda arruma briga com o tempo — porque, para ele, o tempo é só um detalhe teimoso que insiste em envelhecer as pessoas erradas.
Ele é idoso, sim, o calendário garante. Mas há dias em que vejo nele o menino que talvez nunca tenha crescido por inteiro — aquele que ri sozinho vendo vídeo bobo, que fica admirado com qualquer passarinho pousado na grade da janela ou com o tamanho do leixe na pescaria, que fica bravo como se o mundo tivesse lhe roubado o último pedaço de chocolate.
Outras vezes, ele é só homem. Um homem inteiro, cheio de silêncios que carregam o peso de quem já viu demais. Um homem que não se declara com palavras, mas oferece a última xícara de café, ou pergunta se já comi, como quem diz “eu te amo” com atenção e cuidado.
E quando ele me conta histórias da juventude, do tempo em que andava de bicicleta ou tomava banho de rio, seus olhos brilham com um entusiasmo que não se dobra à velhice. Ele se torna adolescente ali mesmo na sala, com os pés dentro da memória e o riso solto como se o mundo ainda fosse uma descoberta nova.
Vê-lo assim — idoso, homem, adolescente, criança — é como assistir a um filme sem começo ou fim. Um filme feito de cenas que se sobrepõem, onde a cronologia perde para a alma.
Meu pai não é só o que o tempo fez dele. É também tudo o que resistiu ao tempo. E isso, nem os anos conseguem apagar.
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