SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Pai

 

Meu pai tem cabelo branco, mas às vezes fala como quem ainda guarda uma fisgada de adolescência no peito. Anda mais devagar, mas ainda arruma briga com o tempo — porque, para ele, o tempo é só um detalhe teimoso que insiste em envelhecer as pessoas erradas.

Ele é idoso, sim, o calendário garante. Mas há dias em que vejo nele o menino que talvez nunca tenha crescido por inteiro — aquele que ri sozinho vendo vídeo bobo, que fica admirado com qualquer passarinho pousado na grade da janela ou com o tamanho do leixe na pescaria, que fica bravo como se o mundo tivesse lhe roubado o último pedaço de chocolate.

Outras vezes, ele é só homem. Um homem inteiro, cheio de silêncios que carregam o peso de quem já viu demais. Um homem que não se declara com palavras, mas oferece a última xícara de café, ou pergunta se já comi, como quem diz “eu te amo” com atenção e cuidado.

E quando ele me conta histórias da juventude, do tempo em que andava de bicicleta ou tomava banho de rio, seus olhos brilham com um entusiasmo que não se dobra à velhice. Ele se torna adolescente ali mesmo na sala, com os pés dentro da memória e o riso solto como se o mundo ainda fosse uma descoberta nova.

Vê-lo assim — idoso, homem, adolescente, criança — é como assistir a um filme sem começo ou fim. Um filme feito de cenas que se sobrepõem, onde a cronologia perde para a alma.

Meu pai não é só o que o tempo fez dele. É também tudo o que resistiu ao tempo. E isso, nem os anos conseguem apagar.

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