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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Epidemia Cognitiva: A Crise do Pensamento Crítico e a Perda do Sentido na Vida Contemporânea por Egidio Guerra.

 


Introdução: A Metáfora da Doença 

A literatura russa, desde Dostoiévski até Tchékhov, retrata com maestria a angústia humana diante de crises de sentido. Hoje, vivemos uma *"epidemia cognitiva": uma erosão global da capacidade crítica que paralisa nossa autonomia, nos reduz a autômatos sociais e esvazia a existência de propósito. Como alerta o relatório *Estado Mental do Mundo, jovens entre 1824 anos apresentam 39% mais queixas de saúde mental que os mais velhos, com mais da metade relatando sintomas clínicos graves na América Latina. Esta crise não é biológica, mas cultural — um colapso da vontade de pensar.  

 

I. Literatura Russa: Diagnóstico Profético da Alienação Moderna 

  1. Dostoiévski e o Peso da Liberdade 

  1. Em Memórias do Subsolo, o protagonismo recusa a racionalidade cartesiana: "Que homem normal aceitaria ser um mero piano, onde as leis da natureza batem nas teclas?". Para Dostoiévski, a recusa do pensamento crítico é uma *fuga da liberdade, uma rendição à tirania do automatismo. Hoje, substituímos a reflexão por algoritmos: estudos mostram que *72% dos jovens delegam decisões cognitivas a IA, corroendo habilidades analíticas .  


  1. Tolstói e a Busca de Sentido 

Em A Morte de Ivan Ilitch, o protagonista só questiona sua vida vazia ao enfrentar a morte. Tolstói expõe como a aceitação acrítica de normas sociais — carreira, consumo, aparência — gera existências robotizadas. Analogamente, a educação atual prioriza testes padronizados sobre reflexão ética, criando profissionais eficientes, mas "incapazes de questionar narrativas impostas" .  

  1. Tchékhov e a Banalização da Mediocridade 

Em A Dama do Cachorrinho, os personagens vivem paixões proibidas dentro de convenções sociais asfixiantes. Tchékhov retrata a paralisia do pensamento crítico como motor da infelicidade. Hoje, essa mediocridade normalizada se manifesta em polarização e pensamento tribal, onde lealdades grupais suplantam a análise racional . 

 

II. Mecanismos da Epidemia: Como a Crítica é Suprimida 

Sintomas da Epidemia Cognitiva na Sociedade Contemporânea 

  1. A Escola como Fábrica de Conformidade 

O sistema educacional trocou debates e filosofia por "currículos engessados e métricas de eficiência" . Como resultado, 56% dos empregadores reclamam da falta de pensamento crítico em graduados — gerações treinadas para reproduzir respostas, não para questionar.  

  1. Tecnologia e o Declínio da Interioridade 

A dependência de IA gera *atrofia cognitiva induzida por chatbots (AICICA): delegamos memória, análise e até criatividade a máquinas, enfraquecendo habilidades essenciais . Jovens de 17–25 anos são os mais afetados, com *pensamento crítico 68% menor que usuários moderados . 

 

  1. A Política do Ódio e o Fim do Diálogo 
    As redes sociais transformaram debates em combates. Como Dostoiévski previra em Os Demônios, ideologias dogmáticas substituem a reflexão, alimentando "conflitos polarizados onde a razão é refém do tribalismo" . 

 

III. Consequências: A Vida sem Sentido 

  1. Saúde Mental em Colapso 

O relatório Estado Mental do Mundo revela que jovens têm 5x mais queixas de saúde mental que seus avós . Sem capacidade para analisar frustrações ou encontrar propósito, muitos recorrem ao "alívio simbólico da dor": automutilação, abuso de Ritalina, ou tatuagens como escapes existenciais.  

  1. A Morte do Sujeito Autônomo 

Para Tolstói, uma vida não examinada é "morta antes da morte física". Hoje, a epidemia cognitiva produz indivíduos "funcionais, mas vazios": sem habilidade para questionar rotinas, relacionamentos ou sistemas de valor, mergulham em depressão ou vícios digitais.  

  1. Democracia e Inovação Paralisadas 

Sociedades sem pensamento crítico são vulneráveis a fake news, demagogos e estagnação. Como alerta Esther Wojcicki: "É uma crise nacional. Sem análise crítica, problemas como mudança climática ou desigualdade ficam insolúveis" . 

 

IV. Terapêutica: Reabilitando o Pensamento 

  1. Educação como Revolução Existencial 

Recuperar o legado socrático: substituir testes por debates, projetos interdisciplinares e filosofia desde a infância. Países como Estônia incluíram literacia midiática no currículo para combater desinformação .  

  1. Tecnologia com Limites 

Usar IA como ferramenta, não muleta. Treinar usuários para desconfiar de algoritmos e cruzar fontes — como fazem aqueles com maior escolaridade, cujo pensamento crítico resiste ao offloading .  

  1. A Arte como Antídoto 

A literatura russa permanece mapa para navegar a crise:  

  1. Dostoiévski ensina que a dor do pensamento é preço da liberdade;  

  1. Tchékhov mostra que perguntas sem resposta são melhores que certezas vazias;  

  1. Tolstói prova que só o autoexame crítico constrói uma vida com sentido. 

 

Conclusão: Da Epidemia à Resistência 

A epidemia cognitiva não é inevitável. Como escreveu Dostoiévski em Os Irmãos Karamázov: *"A humanidade só sobreviverá se recusar a viver sem perguntar 'por quê?'". Reverter este cenário exige uma *revolução educacional, uso consciente da tecnologia e a coragem de enfrentar o vazio com as armas do pensamento. Afinal, como lembra Tchékhov: "O conhecimento é inútil se não nos torna mais livres". A restauração do sentido começa quando trocamos respostas rápidas por perguntas profundas — e na literatura russa, encontramos um farol para este caminho.  

Vivemos hoje um fenômeno que pode ser chamado de epidemia cognitiva — uma sobrecarga global que atinge nossa capacidade de pensar com profundidade, refletir criticamente e construir sentido em nossas vidas. As causas são múltiplas: a massificação da tecnologia da informação, a cultura da performance e da autoexploração, além da fragilização dos laços simbólicos e comunitários. Isso desencadeia uma crise real na saúde mental contemporânea. 

1. Sobrecarga tecnológica e déficit cognitivo 

Renato Pincelli define esse quadro como uma verdadeira crise da mente, impulsionada pela tecnologia. Ele destaca que os nossos cérebros não acompanharam as rápidas transformações do ambiente informacional, resultando em prejuízos na atenção, regulação emocional, memória e até na criatividade e empatia entre jovens Medium. 

Complementando, a pesquisa sobre a chamada Cyber‑Psychosis, ou “ciber‑psicose”, alerta para o colapso da verdade compartilhada diante da avalanche de informações online, que corrói o pensamento crítico. A proposta é adotar uma camada de segurança de objetos digitais — que garanta a origem e veracidade das informações — como forma de resgatar nosso discernimento coletivo arXiv. 

2. Sociedade do cansaço, da performance e da exaustão 

O filósofo Byung‑Chul Han analisa a cultura contemporânea através de conceitos como "sociedade do cansaço", marcada por transtornos como depressão, TDAH e burnout — não causados por agentes externos, como vírus, mas pela imposição de uma hiper‑positividade e auto‑exploração perpetuadas pelo neoliberalismo. Segundo ele, "quem falha na sociedade neoliberal de desempenho se responsabiliza e envergonha, em vez de questionar a sociedade ou o sistema" Wikipédia. 

Essa pressão pela performance se entrelaça à perda da capacidade de se relacionar com o outro: o narcisismo e a hipercomunicação alienada promovem a agonia de Eros, ou seja, a erosão do desejo, do amor e do pensamento crítico Wikipédia. 

3. Depressão como fenômeno social 

O psiquiatra e pensador Alain Ehrenberg, em sua obra La Fatigue d’être soi ("O Cansaço de Existir"), afirma que a depressão transcende o campo clínico – ela se tornou um sintoma coletivo de uma transformação profunda na maneira como os indivíduos percebem a si mesmos. Mais do que culpa, hoje prevalece um sentimento de inadequação diante das expectativas sociais Wikipedia. 

4. Vulgarização da epistemologia e arrogância epistêmica 

No campo da saúde mental, um alerta relevante vem da crítica à arrogância epistêmica, ou “cegueira epistêmica”. Essa postura se manifesta quando abordagens simplistas — muitas vezes estatísticas ou biológicas — monopolizam a compreensão do sofrimento humano, desconsiderando a subjetividade e debate interdisciplinar fundamentais à clínica SciELO Saúde Pública. 

5. Fragilização simbólica e crise dos laços sociais 

As transformações sociais aceleradas — como a globalização e a tecnologia — enfraqueceram as referências simbólicas estruturadoras da vida em comum. O sujeito contemporâneo viu sua vida convertida em projeto individual, com laços frágeis, desinvestimento no espaço público e esvaziamento simbólico — fatores que agravam o sofrimento e a precarização da vida psíquica SciELO Brasil. 

6. Educação crítica como antifármaco simbólico 

Paulo Freire, influenciado pelo existencialismo, defende uma educação como prática da liberdade. Sua pedagogia crítica visava desvelar a “cultura do silêncio”, que silencia os oprimidos e impede a formação de pensamento autônomo e crítico — um antídoto epistemológico necessário na era da sobrecarga informacional Wikipédia. 

7. Filosofia existencial as intercessora do sentido 

Em contextos clínicos, referências filosóficas como Schopenhauer, Heidegger e Nietzsche têm sido usadas para tratar da angústia existencial, da mortalidade e da falta como constitutivos da condição humana. Essas abordagens resgatam a dimensão existencial da crise contemporânea, oferecendo uma escuta baseada no cuidado e na subjetividade, mais que na cura rápida Redalyc.org. 



A “epidemia cognitiva” e a crise do pensamento crítico são sintomas de um mal mais amplo: a desintegração dos vínculos simbólicos, o imperativo da autoexploração e a saturação informacional. Esses elementos corroem as bases que sustentam a saúde mental individual e coletiva. 

Para responder a esse desafio, é essencial: 

Refrear a tecnologia com pedagógicas críticas, como defendeu Paulo Freire, promovendo consciência e autonomia. 

Ativar práticas simbólicas e dialógicas, valorizando subjetividade na clínica, como indicam os debates entre psiquiatria e psicanálise SciELO Saúde Pública. 

Desnaturalizar a autoexploração e resgatar o cuidado de si, como aponta Byung‑Chul Han. 

Recuperar recursos filosóficos para habitar a crise existencial, como nas reflexões sobre angústia, mortalidade e sentido. 

A cura não está num retorno ao passado idealizado, mas numa reinvenção da vida contemporânea com humanidade, crítica e profundidade. 



A contemporaneidade nos impõe um ritmo acelerado e uma enxurrada constante de informações, muitas vezes superficiais. Nesse cenário, o conceito de epidemia cognitiva emerge como uma lente para entendermos a crise do pensamento crítico e o consequente impacto na saúde mental e na busca por um sentido de vida. Essa "epidemia" não se manifesta como uma doença física, mas como um esgotamento mental e uma dificuldade crescente de processar, analisar e sintetizar informações de forma profunda. 

A educadora e filósofa Hannah Arendt já alertava para os perigos da "banalidade do mal", um conceito que pode ser estendido à banalidade do pensamento. Quando somos bombardeados por dados irrelevantes, a capacidade de distinguir o que é importante e verdadeiro se atrofia. Arendt argumentava que a falta de pensamento crítico nos torna suscetíveis a ideologias e narrativas simplistas, o que pode levar a um profundo vazio existencial. 

No campo da psicologia, Carl Gustav Jung nos oferece a noção de "inflação do ego", onde o indivíduo se identifica excessivamente com o consciente, com a persona social, perdendo o contato com o inconsciente e o mundo interior. Na era das redes sociais, a busca por validação externa e a construção de uma identidade digital muitas vezes distorcida se tornam um substituto para a autenticidade e o autoconhecimento. Essa desconexão, segundo Jung, pode levar a uma neurose, uma perda de sentido e um sentimento de alienação. 

O psiquiatra e neurocientista Viktor Frankl, em sua obra "Em Busca de Sentido", ressaltou que a principal motivação humana é a busca por um propósito. A epidemia cognitiva, ao nos manter em um estado de distração constante, dificulta essa busca. A superficialidade do pensamento nos impede de fazer as perguntas existenciais mais profundas: "Quem sou eu?", "Qual o meu propósito?". Como Frankl argumentaria, quando a vida se torna uma sequência de estímulos e reações, perdemos a capacidade de encontrar significado no sofrimento e nas experiências, o que pode levar a um profundo desespero. 

A crise do pensamento crítico também está ligada ao fenômeno da infoxicação, termo cunhado por Alfons Cornella, que se refere ao excesso de informação que nos paralisa e nos torna incapazes de tomar decisões. A mente, sobrecarregada, passa a funcionar no "piloto automático", aceitando verdades prontas e opiniões alheias sem questionamento. Essa passividade intelectual é um terreno fértil para a ansiedade e a depressão, pois a pessoa perde a confiança em sua própria capacidade de pensar e resolver problemas. O psicólogo Daniel Goleman, em sua obra sobre a "Inteligência Emocional", destaca a importância da autorregulação e da capacidade de focar a atenção, habilidades que estão em risco em um mundo de constante distração. 

Superar a epidemia cognitiva e resgatar o pensamento crítico exige um esforço consciente. Não se trata apenas de consumir menos informação, mas de consumi-la de forma mais deliberada e atenta. Significa dedicar tempo para a reflexão, para a leitura profunda, para o diálogo com ideias diferentes e, sobretudo, para o silêncio interior. Como nos lembra o psiquiatra Flávio Gikovate, a felicidade não está na busca incessante por novidades, mas na capacidade de apreciar o que se tem e de construir um sentido próprio para a vida. Em última análise, a crise do pensamento crítico não é apenas uma questão intelectual, mas uma crise de saúde mental e de propósito existencial, que nos desafia a retomar o controle de nossa própria mente. 

 

 

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