Por Egidio Guerra
As vezes os sons tem que transmitir a estética de poesias de Lorca, a musica espanhola , as pinturas de Salvador Dali, as tensões de um país em transformações políticas,o olhar de Luis Bunuel, sim mais são os sons de sua Juventude. Algo que tem que ser leve e encantador, misturadas com o choque de realidades trágicas, moralistas e decadentes. Pode ser o som também surrealista ? Pode assim misturar as poesias de Lorca , o filme de Bunuel e os quadros de Salvador Dali no tecido de atitudes, olhares e sons destes jovens ? Compreender as essências que moldaram estes artistas ? Qual o papel do som nesta estética ?
A dança entre a musica, o silêncio e os ruídos é fenomenal neste filme! Eles se tocam na tela e produzem imagens. Eles antecipam imagens e diálogos. Quase como pinceladas no quadro ou escritas no livro.
“Uma paixão que limita entre a vida e a morte é a gana que move um artista de verdade.” Dali ainda era cubista, não bebia , nem fumava, e passou a conviver nos bares e quartos com Lorca, Bunuel e seus amigos. Regados por bebidas, musicas, poesias, quadros e peles misturadas entre elas. Será que os quadros de Dali e as poesias de Lorca se transformam nos film
es de Bunuel ?
O som começa a orquestrar a mudança das temáticas do filme, dos bares para tristeza e a solidão. As imagens vão escurecendo , o som de poucas notas , mais do que a voz , conta a dor de quem exprime seu sofrimento “ Não gosto de sapatos novos “ Lorca lembra quando trabalhadores que protestavam nos campos eram mortos e exibidos em carroças , corpos deitados , usando sapatos brilhantes. A cena é preto e branco e o dialogo “É quando posso escutá-la , a morte respirando por de trás da porta. “
Você pode escutar este som ?
No filme pode.Todo ruído neste filme tem sentido, inclusive gestos simples como cortar sua camisa mas ele dança com a musica incidental. Ele mostra a mudança no comportamento dos personagens e nos acontecimentos na Espanha. A musica dança com os personagens como se fossem marionetes. Acho que o filme tem uma frase que resume e ironiza a “técnica dos sons e dos filmes” Ela diz: “ Esqueçam as regras não há ciência na Arte, sintam o desenho, ( poderia ser o som ) interpretem, interpretem o que vocês vêem. ( ou escutem ) Vejam com a alma, vejam o que sentem, expressem”
De repente a musica para! E agora ? Ah é que eles vão entrar no mundo chato da Sociedade espanhola. De repente também um militar pede para Lorca fazer valer sua refeição em troca de uma poesia . Qual o som do enfrentamento numa sociedade que ainda não tem o rock? A voz do poeta suave assume a estética do som recitando cidade dos ciganos tão leve como a pluma de uma nuvem por ouvidos que odeiam sua passagem , mas não pode evitar suas verdades. Viva a revolução, eles correm ao som de sua alegria e medo. Nada melhor do que a musica espanhola para cantar sentimentos.de paixão, dor e medo. Touradas e fugas de homens do seu destino, desviando os cortes da harmonia. Qual o som que pode harmonizar as igrejas e as lutas entre os homens? Talvez o som que toca dentro deles, que mistura silêncio, em busca de um harmonia impossível com líricas quase angelicais. Quando as poesias assume a tela , elas tem autonomia sobre as imagens , não se reportam a elas mas aos seus sentidos múltiplos. O som da natureza, se une com as líricas, a lua, o mar, e acho que anjos. A tonalidade dos sons é idênticas as cores da tela. Um bale de bolhas que dançam com os corpos que se aproximam.
“ Meu inconsciente devora meu interior “ Será que o inconsciente tem som ? Podemos imaginar isto já que as misturas de sons, cores e paixões são tão fortes no Brasil como na Espanha.
A homossexualidade e o amor entre Dali e Lorca revelam segredos inconscientes e com eles uma fúria de sons, incompreensíveis à época. Só outra poesia com seus sons e sua musica para continuar a jornada . Só que os sons perturbadores não param de tocar e se misturam com a musica e vice-versa recompondo agora pelo inverso o inicio da tragédia entre eles e da época. Os pesadelos em preto e branco com sons de touradas e sons de bordeis sufocam Lorca ,será esta a musica do inconsciente ? Sons misturados sem sentido que demarcam momentos no filme .
Sons e fúrias com gritos e gemidos formam uma “única `musica composta por este filme para recitar em notas o amor entre Dali e Lorca. Ele não tem ritmo nem refrão são ruídos fragmentados dos sentimentos.
Começa a evidenciar a “loucura” de Dali que também é musicada algo em torno da comédia e da tragédia de uma época ao lidar com seus gênios. Dali tem suas pinturas dilaceradas pela dor formando objetos estranhos, surreais , incapazes de lidar ao mesmo tempo com o amor e a dor, ele corta seu cabelo, ele grita, mas os tons “ angelicais não abandonam o filme assim como os ruídos, gargalhadas, entre eles. O som do Inconsciente não abandona o consciente som angelical da moral de uma época.
O sons e as cenas do filme de Luis Bunuel, O cão andaluz, surge na tela para resolver o enigma. Os toques de cumprimento viram sexo, as mãos se transformam em revolveres, uma navalha corta o olho como se cortasse uma nuvem , alguma semelhança com as poesias de Lorca não são meras coincidências ; numa percepção de que existe outra realidade por de trás daqueles ruídos e musicas.Será que Lorca é o cão da Andaluzia de Bunuel e Salvador Dali ?
O sons angelicais voltam a tocar e a nos tocar, os sons do teatro acompanham Lorca por seus espetáculos. Agora os sons mudam para acompanhar os manifestos que lê em lugares públicos contra o fascismo a favor do governo popular, como ele diz a favor da liberdade e não de um ideal romântico.
Chega a hora do último encontro entre Dali e Lorca, a mesma musica em tons diferentes nos acompanha ate aqui. Dali declara a solução da sua época , de seus contrastes, entre fascismo e socialismo, entre o consciente e o inconsciente , entre a razão e a loucura de Dali, a única solução para o Surrealismo é a guerra! Uma limpeza, um grande dilúvio. Portanto de sons angelicais e rápidos ruídos damos um salto em marchas, não há mais musica, a guerra começou em preto e branco. Os últimos momentos refletem uma musica síntese com ritmo, meio maluca, feita de algumas notas angelicais de um piano sempre presente no filme.
Finalmente a musica e o piano de Lorca assume o primeiro plano! O destino de Lorca a ser preso não é mostrado mas falado, ele esta só, Dali esta distante.Será executado enquanto a musica do piano não para de tocar, as pessoas no restaurante, Dali pintando em algum lugar, sua morte é anunciada pelo rádio. A musica como se fosse um funeral de uma sociedade angelical não para de tocar, ela se mistura com as ordens e os grito da execução, mais do que a morte de Lorca , é fim de um amor, de uma terra!
Mata-se amor, mata-se poetas, mas a musica não para de tocar, ela carrega os sentidos que não morrem.
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