Glauber rocha é um profeta nem de Deus nem do Diabo, é da humanidade em cada um de nós , mesmo que a câmera seja seu facão e o cinema sua religião!
Por Egidio Guerra
Sabe como se produz um bom perfume? Misturando essências diferentes , nas porções adequadas, para que ele atinja um equilíbrio nas se
nsações que nos provoca. Assim também é o trabalho do gourmet, misturar sabores, o doce e o amargo juntos constrói sabores inesquecíveis.
E o cinema ? Quando Glauber Rocha resolve misturar Deus e o Diabo na Terra do Sol , temos mais do que um filme! Podemos sentir a luz do sol “ estourada “ tocando o olho da vaca, as moscas ,a terra árida. Ela se mistura com a musica e diálogos que conversam sobre as forças políticas, sociais, religiosas ... que criam os personagens. Eles são a síntese de milhares de histórias que dão forma a uma odisséia do sertão!
Manuel , o sertanejo, só conhece o trabalho até encontrar a promessa do milagre no Beato Sebastião. Porem são as bênçãos de Glauber Rocha que vão ensinar que na partilha do gado , a lei esta com o coronel, e não adianta esperar milagre do Céu. A câmera como um olho fixo corre como um faroeste sem xerife!
Assim Glauber como Homero anuncia na boca de Manoel “ não temos nada para levar a não ser nosso destino “ pois nesta época cabe ao cinema fazer o que a política não faz! Anunciar que a terra prometida não viram das orações de São Sebastião, que Deus pode mandar no Céu, mas o homem deve mandar na Terra. Só desta forma o sertão vai virar mar! As cenas ganham forma em homens que apesar de condenados tem coragem, são os anti heróis que constituem procissões de bala e de rezas.
Ícones bíblicos como bezerros, sacrifício de Isaac, a mulher como tentação e maldição do homem e outros aparecem cena a cena. A mulher de Manoel ganha forma em Rosa cheia de espinhos que a realidade se desmonta ,como pétalas , em suas descrenças. Afinal é a Republica das desgraças que é montada para anunciar que ate a igreja vê concorrência nos beatos, que as chicotadas de Cristo nos infiéis na praça ; são o argumento para Antônio das mortes colecionar mais umas na conta do padre!
Como eu disse os personagens vão surgindo a medida que as forças da história exige. Como se estivessem sendo cozinhadas pelo sol, assim como as pessoas e as adversidades em tempos de cólera, como diria Gabriel Garcia Marques neste realismo fantástico brasileiro.
A esperança tem o som do silêncio que o enredo deste povo mude. Porem a esperança só muda de forma , vira penitência, reza, castigo da natureza, sacrifícios que as vezes são a única oportunidade de viver. Essa é a contradição que marca os corpos e a fé do sertanejos e elas são o “figurino de arte” quando transforma um povoado na ironia cinematográfica de um cenário. O sertão em preto e branco sangrando e rezando!
Nós temos que escolher durante o filme assim como Manuel para onde vai nossa fé ? “Porque só depois de lavar a alma, estaremos limpos, estamos possuídos por vários Deuses “ Bem que Glauber pode apontar a câmera ou uma faca para quem compartilha esta jornada de sofrimento no Nordeste. Os gritos, a loucura, a devoção fazem parte do nosso cotidiano assim como os desfechos ; o povo que mata o santo, o cego que vê tudo e anuncia a hora do Diabo, já que o São Sebastião, Canudos, seu povo, estão mortos. Porem só resta Manoel, Rosa e agora Corisco e Dada para nos contar o resto da história.
Corisco anuncia “ to cumprindo minha promessa com Pe. Cícero , não deixar o povo morrer de fome” Lampião continua vivo agora falando através de Corisco e as referências históricas no filme são vitais! A dor cresce com o sol, Manoel é batizado Satanás, já não é um beato é a vez do Diabo ! Manoel é desafiado “a cortar a macheza deste Corno” ele fica entre o crucifixo e a faca ; para mim a melhor cena do filme.
Porem como terminar o filme ? “Fazer justiça na terra com sangue ?”
Corisco não tem duvida de sua fé no facão “ Matei porque não posso ver esta miséria” .
E profetiza “ Um dia vai ter uma grande guerra!” Talvez esta seja a maior dor e esperança de todos como no filme ; que possa haver justiça para este povo.
Portanto Glauber rocha é um profeta nem de Deus nem do Diabo, é da humanidade em cada um de nós , mesmo que a câmera seja seu facão e o cinema sua religião!
Corisco enfrenta o dragão das riquezas, sabe que se morrer nasce outros, e se o sertão não virou mar, o sertão virou periferia nas grandes cidades.
“ Te arespeita homem safado, homem nesta terra só tem validade se pegar nas armas, para mudar o destino. Vai pra lá Satanás” Responde a quem duvidar que ele não escolheu um lado e a forma de lutar.
Antônio das mortes mata Corisco mas o facão de Glauber corta os poderes e despedaça Deus e o Diabo na Terra do Sol.
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