Em meio ao momento de tensão crescente na relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos, Donald Trump anunciou durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU que ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teriam concordado em se reunir na próxima semana.
"Tivemos uma boa conversa e combinamos de nos encontrar na semana que vem, se isso for do interesse dele", declarou o presidente americano, depois de comentar que os dois haviam se cruzado e se falado por alguns segundos mais cedo.
"Mas ele parece um homem muito legal. Na verdade, ele... Ele gostou de mim, eu gostei dele, mas... E eu só faço negócios com pessoas de quem gosto, eu não faço [negócios] quando não gosto da pessoa. Quando não gosto, eu não gosto."
Esta seria a primeira oportunidade de diálogo entre os dois mandatários desde que Trump anunciou, no início de julho, tarifas de 50% a produtos brasileiros exportados aos americanos mencionando entre as causas o processo criminal por tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desde então, os EUA também haviam aplicado sanções a autoridades brasileiras, com a revogação do visto de oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes e sua mulher, Viviane Barci de Moraes.
A punição contra ela foi anunciada na segunda-feira (22/9), às vésperas da Assembleia das Nações Unidas em Nova York, a primeira vez em que Trump e Lula estariam no mesmo local ao mesmo tempo desde que o republicano assumiu o segundo mandato.
Antes da manifestação de Trump, Lula havia feito seu discurso criticando "sanções arbitrárias" e "intervenções unilaterais", sem citá-lo nominalmente.
Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular.
Clique para se inscrever
Fim do Whatsapp!
"Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra."
Lula disse que a condenação de Bolsonaro por golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é um "recado aos candidatos a autocratas do mundo e àqueles que os apoiam".
"Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis."
E afirmou que "a agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável".
"Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade."
O presidente brasileiro falou ainda sobre o autoritarismo e a soberania.
"O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente à arbitrariedade", afirmou. "Seguiremos como nação independente e povo livre de qualquer tipo de tutelas."
Lula criticou o ataque terrorista do Hamas em 2023 e o "massacre" em Gaza. "Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza". E defendeu os judeus, "que dentro e fora de Israel", se opõem à guerra em Gaza.
Seguindo a tradição, Lula fez o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (23/9). A fala do presidente ocorreu depois do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e da presidente da Assembleia Geral, Annalena Baerbock.
Lula chegou na ONU acompanhando da primeira-dama, Janja Lula da Silva. Na delegação, estavam também o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, e os ministros das Relações Exteriores e da Justiça e Segurança Pública, Mauro Vieira e Ricardo Lewandowski, respectivamente.
Trump celebra novos 'acordos comerciais'
Também seguindo a tradição, após o presidente brasileiro discursar e abrir a Assembleia Geral na ONU, foi a vez do seu homólogo americano.
Donald Trump, antes de citar Lula, iniciou sua fala com o tema da economia, afirmando que o mercado de ações está subindo muito "e todos vocês nessa sala se beneficiam disso".
"No meu primeiro mandato, eu construí a maior economia do mundo e agora estou fazendo o mesmo", afirou.
Trump voltou a dizer que atuou para encerrar "sete guerras", sem listar todas. A BBC verificou a informação no passado: algumas duraram apenas alguns dias — embora fossem resultado de tensões de longa data —, e não está claro se alguns dos acordos de paz vão ser duradouros.
O republicano também defendeu o cessar-fogo entre Israel e o Hamas e pediu a liberdade de todos os reféns.
Ele mencionou o fato de que vários países poderosos reconheceram um Estado palestino nos últimos dias.
Trump afirmou que "isso seria uma recompensa" pelas atrocidades do Hamas. Em vez de ceder às exigências de resgate do Hamas, Trump afirma que aqueles que desejam a paz devem se unir em uma mensagem: libertar os reféns agora.
No discurso, Trump mencionou o que chamou de "acordos comerciais históricos" que assinou com alguns países após introduzir amplas tarifas globais.
Ele citou primeiramente o Reino Unido, que foi o primeiro país a firmar um grande acordo com os EUA durante seu governo, além da União Europeia, Japão, Coreia do Sul, Vietnã e "muitos, muitos outros".
"Os Estados Unidos voltaram a ser respeitados como nunca antes", afirmou.
A imigração também foi tema de Trump, que criticou a Europa, que tenta ser "politicamente correta" e nada faz com a entrada de "imigrantes ilegais" no território.
Em seu discurso, que ultrapassou os 20 minutos regulamentares, Trump criticou as Nações Unidas, dizendo que só conseguiu duas coisas: uma escada rolante ruim e um teleprompter quebrado.
Segundo ele, a primeira-dama americana, Melania Trump, "quase caiu da escada", o que não ocorreu porque ela estaria em "muito boa forma".
Ele perguntou à Assembleia Geral: "Qual é o propósito das Nações Unidas?"
"Não está nem perto de atingir seu potencial... são palavras vazias, e palavras vazias não resolvem guerras", disse.
Trump também falou sobre os cartéis de drogas e a entrada de fentanil nos Estados Unidos, fazendo uma ameaça: "saiba que vamos explodir vocês, vocês não têm escolha", afirmou, sobre os cartéis.
Dia de sanções
Na segunda-feira (22/09), o Departamento de Estado americano anunciou que a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, seria punida pela Lei Magnitsky.
Moraes, relator da ação penal que condenou por golpe de Estado e outros crimes o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — alinhado ideologicamente a Trump —, já havia sido submetido à Magnitsky no fim do julho.
A aplicação dessa lei é umas das punições mais severas disponíveis contra estrangeiros considerados pelos EUA autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
O ministro do STF foi a primeira autoridade brasileira a ser punida sob a lei americana. Na ocasião, representantes do governo Trump acusaram Moraes de atacar a liberdade de expressão e de tomar decisões judiciais arbitrárias.
Além de Viviane, também foi punida sob a Lei Magnitsky a empresa Lex - Instituto de Estudos Jurídicos, mantida por ela e pelos três filhos do casal: Gabriela, Alexandre e Giuliana Barci de Moraes.
Segundo o Departamento de Estado, a medida visa sancionar a "rede de apoio" a Moraes.
"Aqueles que protegem e permitem que atores estrangeiros malignos como Moraes ameaçam os interesses dos EUA e também serão responsabilizados", diz uma nota do órgão americano.
O governo Trump também revogou o visto do advogado-Geral da União, Jorge Messias, e de outros membros do Judiciário brasileiro, além de seus familiares diretos:
- Airton Vieira, foi juiz instrutor do gabinete de Moraes e hoje é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP);
- Benedito Gonçalves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele foi relator da ação que deixou Bolsonaro inelegível;
- Cristina Yukiko Kusahara Gomes, chefe de gabinete de Alexandre de Moraes
- José Levi, ex-advogado-Geral da União (2020-2021) no governo Bolsonaro, assumiu, em 2022, a secretaria-geral da presidência do TSE, comandado por Moraes na época;
- Marco Antonio Martin Vargas, ex-juiz auxiliar de Moraes quando ele comandou o TSE, em 2022, hoje é desembargador no TJ-SP;
- Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, juiz auxiliar de Moraes.
Lula concedia uma entrevista em Nova York a um canal de televisão americano quando soube da notícia sobre as sanções, informada por um de seus assessores.
Finalizada a entrevista, Lula e sua equipe conversaram e decidiram que ficaria a cargo do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) dar uma resposta, já que as medidas foram comunicadas pelo Departamento de Estado americano.

Em nota, o Itamaraty afirmou ter recebido a notícia "com profunda indignação" e que o recurso utilizado por Trump é uma "ofensa aos 201 anos de amizade entre os dois países".
"Esse novo ataque à soberania brasileira não logrará seu objetivo de beneficiar aqueles que lideraram a tentativa frustrada de golpe de Estado, alguns dos quais já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O Brasil não se curvará a mais essa agressão", diz a nota.
Até então, a possibilidade da aplicação de novas sanções pelos EUA durante a passagem de Lula pelo país era tratada como remota por interlocutores do presidente.
Também na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro; e o empresário Paulo Figueiredo, aliado de Eduardo e neto do ex-ditador João Batista Figueiredo, por ter articulado sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras.
Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo estão morando nos EUA, onde têm articulado para que o governo americano pressione o Brasil a barrar investigações e processos contra Jair Bolsonaro, seus apoiadores e aliados.

No início de julho, Trump anunciou em suas redes sociais a taxação em 50% de produtos brasileiros, justificando para isso a suposta "caça às bruxas" a que Bolsonaro estaria sendo submetido na Justiça brasileira.
Cerca de 700 produtos acabaram depois isentos da taxação.
Também em julho, o governo Trump anunciou a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil, mirando em vários assuntos, do Pix ao desmatamento.
No fim daquele mês, Alexandre de Moraes foi submetido à Lei Magnitsky.
A revogação de vistos desta segunda-feira não foi inédita. O governo Trump já havia feito o mesmo em agosto, contra brasileiros ligados ao Programa Mais Médicos.
Na segunda-feira, a TV pública americana PBS publicou uma entrevista com Lula na qual o ex-presidente disse ser "inacreditável" que Trump esteja aplicando punições ao Brasil, como as tarifas, por conta da situação de Bolsonaro.
"É inacreditável que o presidente Trump tenha esse tipo de comportamento com o Brasil devido ao julgamento de um ex-presidente que tentou um golpe de Estado contra o Estado Democrático de Direito. Que articulou e planejou minha morte, o meu assassinato, do vice-presidente e de um ministro da Suprema Corte", disse o presidente brasileiro, assegurando a Justiça do Brasil é imparcial e que Bolsonaro teve um julgamento justo.
"A explicação de uma tarifa de 50% devido ao julgamento do ex-presidente não é uma explicação para a opinião pública internacional. E o Brasil quer ter uma relação civilizada com os EUA."
Perguntado pela jornalista da PBS se o Brasil retaliaria os EUA com a reciprocidade nas tarifas, Lula disse que seu país está tentando resolver as coisas com "tranquilidade" e que está pronto para negociar com Washington. Entretanto, argumentou que Trump está agindo por motivos políticos, e não econômicos.
*Colaboraram Mariana Alvim e Marina Rossi, da BBC News Brasil em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário