SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sábado, 11 de outubro de 2025

A Farsa da Ascensão Social: A Educação Brasileira entre a Promessa e o Abandono por Egidio Guerra.

 



A narrativa oficial traça um caminho linear e meritocrático: o estudante brasileiro dedica 5 anos na Educação Infantil, 9 no Ensino Fundamental e 3 no Ensino Médio – um total de 17 anos – com um único objetivo supostamente nobre: passar no vestibular, preferencialmente em uma Universidade Federal. Essa seria a chave para conquistar cidadania, ascensão social pelo trabalho, fortalecer a democracia e movimentar a economia. No entanto, esta promessa é uma mentira estrutural, cuidadosamente perpetuada por oligarquias, gangues partidárias e uma tecnocracia alienante, para manter as brutais desigualdades que definem o país. 


Essa farsa esconde um sistema educacional que, longe de ser um elevador social, funciona como um mecanismo de triagem e reprodução da injustiça. Enquanto a "Ignorância Artificial" – um conteudismo vazio e descontextualizado, embalado pelo marketing de "empreendedorismo" e "startups" que transformam exceções em regra – ganha espaço, gerações de estudantes e professores pagam com sua saúde mental por um lugar que lhes é sistematicamente negado. 


O Abismo entre a Retórica e a Realidade: Dados que Condenam. 

O Brasil ocupa posições persistentemente baixas no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), prova que avalia o conhecimento de jovens de 15 anos em Leitura, Matemática e Ciências. A comparação com nações mais pobres é elucidativa: 

  • Em Matemática (2018), o Brasil ficou com 384 pontos, atrás do Albânia (437), Cazaquistão (423) e Ucrânia (453), países com PIB per capita significativamente menor. 

  • Em Leitura (2018), a pontuação foi de 413, inferior à da Albânia (405 em 2018, mas com trajetória de crescimento) e muito abaixo da Moldávia (424), outra nação europeia pobre. 


Esses dados revelam que o problema não é apenas falta de recursos, mas uma crise de gestão, prioridade e equidade. O fosso interno é ainda mais chocante. Enquanto estudantes da rede privada e de classes mais altas atingem notas comparáveis aos países da OCDE, os alunos da rede pública, em especial os mais pobres e negros, são deixados para trás, refletindo as "brutais desigualdades" denunciadas. 


O Caso do Ceará: Um Microcosmo do Colapso 

O Ceará exemplifica a dimensão da tragédia. Com uma população de cerca de 9 milhões de pessoas, quase 6 milhões não concluíram o Ensino Médio. O estado é o quarto pior em taxa de analfabetismo do país. A pirâmide educacional cearense é aterradora: cerca de 300 mil estudantes na rede municipal de Fortaleza, outros 300 mil no ensino médio e apenas 40 mil na Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Mesmo para essa minoria que alcança o ensino superior, a promessa de ascensão social é uma ilusão. Muitos enfrentam o desemprego ou a subocupação. Como citado, milhares dependem de uma bolsa de permanência de R$ 700 para não abandonar os estudos. A reportagem é clara: após investir mais de 21 anos de sua vida (da creche à graduação), jovens são forçados a desistir por falta de um apoio mínimo. Este é o retrato de uma "ditadura da corrupção" que, silenciosamente, mata sonhos e potencialidades, enquanto bilionários usufruem de incentivos fiscais que drenam recursos que poderiam estar na educação, oligarquias e tecnocratas roubam. Todos amam prédios e inaugurações, quando falta o básico. Há décadas o Estado do Ceara governada pela mesma oligarquia é que mais mata milhares de jovens no Brasil.

O descaso é físico e simbólico. Salas de aula sem ventiladores, comprados do próprio bolso de professores, contrastam com a inauguração de novos prédios suntuosos. Estudantes e professores que ousam criticar a estrutura de poder são perseguidos, criando um clima de intimidação que sufoca o pensamento crítico.  Todos se calam para Ditadura da corrupção, faz acordos, que mata mais gente que os Golpe Militar.


A Crise dentro das Universidades: O Conhecimento Enjaulado 

Ao chegar à universidade, o estudante encontra uma instituição em crise de identidade. A Lei Darcy Ribeiro (Lei nº 9.394/96), que em seu artigo 207 define a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é frequentemente violada. O conhecimento produzido com recursos públicos é cercado e transformado em "propriedade privada" de grupos e departamentos, onde o crédito acadêmico vale mais que o impacto social. 

A pressão por produtivismo acadêmico força os professores a publicarem artigos científicos em massa, muitas vezes em revistas de acesso pago e de relevância duvidosa, em detrimento da extensão universitária – atividade que, como definiu o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, permite que a universidade "aprenda com os saberes outside". Projetos que levam conhecimento à comunidade e aprendem com ela são negligenciados, transformando o ensino em um "processo repetitivo de formação de papagaios de um saber sem sabor", como já alertava o educador Paulo Freire sobre os riscos de uma educação bancária.  Formamos a cópia da cópia da cópia sem capacidades criticas e criativas que são a missão do Ensino superior segundo a UNESCO.


O Ensino a Distância (EAD), que já supera as matrículas presenciais, é a pior e muitas vezes a única opção para muitos, sua expansão desregulada aprofunda a precarização e a evasão, sem oferecer a formação integral, a rede e a vida acadêmica que os campus e ambiente universitário presencial pode propiciar. 


Um Farol no Caos? As Lições Possíveis 

Enquanto isso, as Universidades Estaduais Paulistas (USP, Unicamp e Unesp) formam o maior sistema público universitário de excelência do mundo, com orçamento robusto e autonomia. A USP sozinha tem um orçamento maior que o de toda a UFC, que é o terceiro orçamento do Estado do Ceara. Recentemente, aprovaram programas robustos de bolsas de permanência e mantêm mais de 9 mil projetos de extensão, mostrando que é possível, com vontade política e recursos, conciliar excelência acadêmica com inclusão e relevância social.


Para onde caminha a educação superior no mundo? Lições vêm de diversos modelos: 

  1. Universidades Europeias: Forte investimento público, gratuidade ou taxas baixas, e um currículo que integra formação cidadã e profissional desde cedo. O foco é na empregabilidade e no desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo. 

  1. China: Investimento massivo em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), com as universidades sendo peças centrais no projeto de desenvolvimento nacional, atrelando pesquisa à inovação industrial. 

A educação que gera ascensão social e cidadania precisa ir além do português e da matemática instrumental. Deve ser democratizada, descolonizada e significativa. Precisa formar cidadãos conscientes, e não apenas mão-de-obra para o mercado. As universidades públicas, se libertas do aparelhamento e do produtivismo estéril, podem e devem ser os motores para resolver as desigualdades brasileiras, formando jovens que não apenas consumam, mas que, com conhecimento e criticidade, produzam riqueza, democracia e cidadania para todos, e não apenas para uma minoria. O caminho é a reinvenção de um pacto social onde a educação seja, de fato, um direito e não um privilégio. 

 



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