“ Em vez de resolver os problemas do sofrimento criando saídas religiosas que prometiam outra vida, outro mundo, os gregos produziram, por meio de sua exuberante cultura, um mundo divino, alegre, glorioso, cheio de deuses, semideuses, heróis, cheios de lutas e vitórias”
A primeira grande ordem que os gregos criaram e seguiram, fundada na mitologia e na arte, não era uma ordem racional, mas estética. A beleza possibilita um tipo de ordenação, de medida, e foi por meio desta medida que os gregos ordenaram sua cultura. Mas a beleza é uma aparência que tem por objetivo, mascarar, encobrir o lado obscuro e sombrio da vida, diante dos grandes desafios ela se esgota.
“Não há um ser humano que não tenha vivido a dor. E se soubesse , ele também não saberia o que é alegria.
A tragédia é concebida como uma metamorfose do poeta, que sai de si , e atua como personagem. Por meio da arte, a tragédia encena o conflito da existência, a vontade individual lutando contra as determinações da natureza, e produz alegria. O que há de emocionante e impressionante na tragédia é que vemos o terrível tornar-se arte, diante de nós. A experiência artística é uma experiência de prazer. A arte nos proporciona prazeres que não precisam ser merecidos, que não custam nenhum sacrifício, e que não exigem nenhum tipo de arrependimento. O teatro permite a transmutação do poeta, que antes falava na primeira pessoa,e que agora sai de si, quando cria personagens.
Um conceito fundamental entre os gregos desde a epopéia é a idéia de agon, que quer dizer disputa,justa,combate. A cultura grega assume e afirma a competição como uma necessidade, porque acredita que é por meio dela que as forças excessivas e violentas se encaminham para lugares que lhe são próprios. O combate não pode nem se tornar um extermínio, nem se resolver por meio de um acordo, ele deve se manter, de modos distintos e diversos, em prol da conquista em si mesma, ou seja, do engrandecimento da vida, que é uma luta constante. O talento se manifesta e se desenvolve na disputa; é por meio de uma disputa justa, que as capacidades individuais, os talentos podem surgir, isto é o que diz a boa pedagogia dos gregos. A disputa é um modo de organizar a crueldade , de conte-la. Mas este jogo do contrário é também o jogo do artista, que cria e ao criar destrói, pelo puro prazer estético. O devir é o jogo do artista que esta para além da moral.
Forma- se assim na arte uma trama de sentidos, uma rede grandiosa, bela e ao mesmo tempo perigosa, como a teia das aranhas. A fantasia se opõe a razão. A razão tem se tornado um rancor contra a vida. Já na arte “ todas as coisas trazem o seu contrário” a luz e a sombra, o doce e o amargo, estão ligados um ao outro como dois lutadores. Da luta que nasce o devir, : o dia se torna noite, o quente , frio e o frio, calor.
A essência da realidade é a atividade, a ação, a transformação constante, a mudança, mas esta luta manifesta a justiça eterna. “Onde só reinam a lei neste mundo como poderia aí vigorar a esfera da expiação da culpa ? “
Os vícios são produtos da ignorância e da falta de posse sobre si mesmo. A partir daí o homem se torna com a filosofia e a linguagem um animal moral. Porém esta “razão” é apenas um modelo de pensamento. A contemplação dos mundos das idéias que se chama em grego teoria, permite ver a articulação das essências, revelando acima de tudo, a idéia suprema, que ilumina todas as outras. Porem Aristóteles afirma que o conhecimento deve partir da experiência, mas esta experiência deve ser formulada por um discurso que seja capaz de construir sobre ela, concepções ou teorias. O caminho do conhecimento vai das sensações as imagens e percepções, destas as palavras e depois aos conceitos, proposições, silogismos.
Trata-se de uma maneira de pensar que um pensamento é posto como causa de um outro pensamento. Desta forma, ao sair do mundo,” muito mais complicado “ das sensações, a lógica, como um filtro, termina por se impor como um modelo excludente, um aparelho de filtragem, que, ao pensarmos, faz com que simplifiquemos, a multiplicidade e a diversidade dos acontecimentos, excluindo uma parte da vida, que diz respeito ao corpo, aos corpos. O que a lógica , por principio , exclui é o fluxo das sensações, paixões. A razão é a faculdade que produz os conceitos, mas estes conceitos não tem fundamento na experiência, na realidade. A razão não lida com a realidade mas com o intelecto.
Esta aberto assim o caminho para “alma como estrutura social dos impulsos e afetos, eles querem ter de agora em diante o direito de cidadania” A subjetividade moderna , esta que ainda somos, se sustenta no sujeito que acredita pensar e agir,determinar, escolher, a partir de si mesmo. A partir da modernidade, pensar é um acontecimento isolado dos fatores externos e pertence unicamente ao sujeito que pensa. O sujeito é a garantia da verdade e da estabilidade da razão. Descartes separa o pensamento daquele que pensa; ou seja, o pensamento é uma substância produzida por um substrato sujeito. É na distinção entre autor e ação que repousa a certeza cartesiana,mas essa distinção não existe. Essa argumentação nada faz mais que reproduzir um habito gramatical que associa causa e efeito, sujeito e predicado.
Um pensamento vem quando ele quer e não quando eu quero; se eu não posso controlar meus pensamentos, se pensamentos brotam em minha cabeça, muitas vezes me provocando perplexidade, espanto, como atribuir meus pensamentos a mim ? É pergunta. O pensamento não parte de uma origem, de uma intenção , do eu, ou da consciência, mas resulta de uma guerra, de um confronto plural e instável entre redes de sentidos e complexos campos de força. Pensar é impor sentido, algum sentido ao excesso. O homem , em todos os sentidos e perspectivas, esta submetido a vida, é produto da exterioridade, por isso não é uma unidade estável, mas uma eterna luta contra e a favor de si mesmo;somos uma multiplicidade, um fluxo, uma tensão de forças. A idéia de sujeito é uma ficção que oculta uma pluralidade de forças, de instintos, de sentidos. Sujeito e pensamento são reduções da língua, são palavras; por trás dessas simplificações existe um afeto , a busca por superação, por expansão.
O homem se reduz a um modelo excessivamente autocentrado, afastado dos afetos, dos instintos, do corpo, e aprisionado cada vez mais na linguagem e na moral. A verdade da razão é aquilo que ela quer obstinadamente esconder.
O homem na modernidade se reconhece pelo que imagina ou pensa ser. A eterna luta do homem racional é a disparidade entre a imagem que faz de si mesmo e aquilo que consegue ser em seu dia a dia. Ao se pautar na identidade e na unidade subjetiva, a racionalidade isolou o homem em si mesmo e o fez acreditar, especialmente a partir da modernidade, que ele era principio de suas próprias ações; distante do mundo e de suas infinitas conexões, sem o alimento explosivo da exterioridade com seus conflitos, o homem , fraco, sem vida , passou a querer alimentar-se de si mesmo, a partir das avaliações de sua própria razão.
Isto começa a mudar quando Hume afirma que a experiência é tudo, e a idéia apenas um rastro, uma lembrança. Para ele quanto mais próximas das sensações nossa idéias estiverem, mais nítidas e fortes elas serão.E quanto mais abstratas , mais pálidas e sem força. Toda representação esta relacionada com algo que não se limita ao sujeito nem ao objeto, mas a determinadas relações entre eles. As relações que podem existir entre o homem e o mundo Kant denomina como faculdades de espírito: conhecer, querer, sentir dor ou prazer.
Quando a relação esta focada no objeto , a faculdade é a de conhecer. Mas quando esta relação com o objeto é de causalidade, a faculdade é a de desejar. O domínio aqui é da razão pratica, porque ela, a moral, quem ditas as regras para a ação humana, ou seja determina os limites para o querer. E quando , enfim, a relação esta focada no sujeito, em como ele é afetado, no aumento e na diminuição da força vital, a faculdade é a do sentir dor ou prazer. O domínio aqui é o estético , que diz respeito ao juízo de gosto, que não legisla, nem determina, mas serve de ponte aos dois domínios anteriores: o teórico e o pratico.
Porque a faculdade do sentir é tratada por Kant como algo que se refere ao juízo de gosto , ou seja, a dimensão estética , à arte ? Porque para ele estas são formas superiores do sentimento, dizem respeito a um afeto desinteressado. “ O que conta não é a existência do objeto representado, mas o simples efeito de uma representação sobre mim“ . Sentir diz respeito ao sujeito , não ao objeto. Quando o que domina é o querer , o sentir dor ou prazer depende da posse do objeto, mas na arte o sentir pode se manifestar livremente, porque independente de ganho ou perda: o prazer estético é o lugar por excelência do sentir.
O senso estético existe para reunir o que a razão teve que separar. A dimensão estética , é lugar por excelência do sentir, que elabora os afetos, é também aquilo que nos alimenta e fortalece. Os senso estético diz respeito a como no sentimos em relação ao mundo, não diz respeito ao mundo, por isso se dá no domínio da liberdade e não da necessidade.
‘A mais urgente necessidade de nossa época parece ser o enobrecimento dos sentimentos e a purificação ética da vontade”.
Schiller pensa a criação de um estado estético no qual o impulso lúdico da criação artística educaria o homem para liberdade, ate o ponto em que a moralidade se tornasse uma segunda natureza, com raízes na sensibilidade, e não somente na razão e na cultura teórica, como tem sido. “ Se queremos contar com a conduta moral do homem como um sucesso natural, esta conduta deve ser da natureza do homem para que os próprios impulsos o levem a uma espécie de comportamento que em si seria conseqüência do caráter moral “ As forças da imaginação, da sensibilidade, e das emoções são muito mais eficazes sobre o agir do que a formulação de princípios abstratos e do que qualquer fundamentação teórica da moral. Desenvolver o sentido estético significa apostar nas qualidades superiores do homem, em sua razão, sua sensibilidade, sua ação, sua liberdade!
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