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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Hiroshima e Nagasaki: como foi o 'inferno' em que milhares morreram por causa das bombas atômicas

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Alguns analistas dizem que foi uma medida necessária para acabar com a Segunda Guerra Mundial e salvar vidas.

Outros argumentam que foi um ato profundamente imoral e desnecessário, que matou dezenas de milhares de pessoas inocentes.

O que é indiscutível é o impacto duradouro desses ataques.

Esta é uma retrospectiva dos únicos ataques com bombas nucleares da história e das consequências que perduram até hoje.

Foto mostrando vista aérea de Hiroshima antes da explosão

HIROSHIMA

Mapa de localização da cidade de Hiroshima

No verão de 1945, os Estados Unidos estavam em guerra com o Japão há três anos e meio, após o ataque surpresa japonês à base naval americana de Pearl Harbor, no arquipélago do Havaí, em 7 de dezembro de 1941.

O ataque levou Washington a declarar guerra ao Japão e entrar na Segunda Guerra Mundial.

Diante da escalada do conflito, os EUA decidiram usar bombas atômicas contra o Japão.

Em 26 de julho de 1945, o então presidente dos EUA, Harry Truman, deu um ultimato exigindo a “rendição incondicional” do Japão — caso contrário, o país enfrentaria “destruição total e imediata”.

A mensagem de Truman não mencionava o uso de armas nucleares.

No entanto, estes artefatos faziam parte do arsenal que os EUA haviam preparado como parte de sua estratégia para resolver o conflito.

Infográfico mostrando as diferentes partes que compunham a bomba Little Boy

Hiroshima foi o primeiro alvo — a cidade havia permanecido intacta pelos bombardeios anteriores e tinha uma base militar. Vários especialistas sugerem que foi um teste para o poder destrutivo da bomba.

O Enola Gay, um bombardeiro B-29 pilotado pelo coronel Paul Tibbets, sobrevoava Hiroshima a uma altitude de cerca de 9,5 quilômetros quando lançou uma bomba de urânio-235, de codinome “Little Boy”, que explodiu no ar, a cerca de 600 metros acima do solo.

"Às 8h14 era um dia ensolarado, às 8h15 era um inferno", descreveu Kathleen Sullivan, diretora da Hibakusha Stories, organização que coleta depoimentos de sobreviventes das bombas, em um documentário do Discovery Channel.

“Às 8h15, eu estava a caminho da escola e alguém gritou: ‘Bombardero inimigo!’, lembra Toshio Tanaka. “Olhei para o céu e vi um tremendo clarão, era como um milhão de luzes, tudo ficou branco.”

O mecanismo interno da Little Boy funcionava como uma arma de fogo: disparava um projétil de urânio-235 contra outro do mesmo material.

Ao colidir, os núcleos dos átomos que os compunham se fragmentavam em um processo chamado fissão.

Essa fissão dos núcleos gera uma reação em cadeia na qual a energia é liberada, provocando a explosão.

A Little Boy carregava uma carga útil de 64 kg de urânio-235, dos quais se estima que apenas cerca de 1,4% tenha sofrido fissão.

Mesmo assim, a explosão teve uma força equivalente a 15 mil toneladas de TNT.

Para efeito de comparação, apenas um quilo de TNT poderia ser suficiente para destruir um carro.

A explosão gerou uma onda de calor de mais de 4.000 °C em um raio de aproximadamente 4,5 quilômetros.

“Homens, mulheres e crianças estavam quase nus, com roupas queimadas. Eles caminhavam em silêncio, com os braços estendidos e a pele queimada descamando pendurada nas pontas dos dedos”, lembra Tanaka.

“Pareciam fantasmas ou zumbis.”

Estima-se que entre 50 mil e 100 mil pessoas morreram no dia da explosão.

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Dois terços dos edifícios da cidade — cerca de 60 mil — foram reduzidos a escombros.

Vista aérea de Hiroshima destruída

Soldados observando a destruição de Hiroshima

Um homem em frente a um prédio destruído em Hiroshima

Mas o Japão não se rendeu.


Três dias depois, os EUA lançaram uma segunda bomba nuclear

Uma foto mostrando a cidade de Nagasaki vista do ar

Nagasaki

Mapa mostrando a localização das cidades de Nagasaki e Kokura

Nagasaki não estava na lista de alvos prioritários para a segunda missão de bombardeio.

Sua topografia acidentada e a proximidade de um campo que abrigava prisioneiros de guerra aliados a tornavam um alvo secundário.

Entre os principais alvos estava Kokura, uma cidade com áreas industriais e urbanas em terreno relativamente plano.

No dia do ataque, no entanto, Kokura estava coberta de neblina e fumaça, de acordo com o relatório dos pilotos.

A tripulação recebeu ordens para selecionar visualmente um alvo alternativo que maximizasse o potencial da bomba.

Foi assim que eles desviaram para Nagasaki.

O Bockscar, um bombardeiro B-29 pilotado pelo major Charles Sweeney, lançou uma bomba, de codinome Fat Man, que explodiu a 500 metros acima do solo.

Infográfico mostrando as diferentes partes que compunham a bomba Fat Man

A bomba era feita de plutônio-239

Embora o plutônio-239 fosse mais fácil de obter do que o urânio-235 — e a bomba contivesse muito menos dele —, a Fat Man exigia um mecanismo mais complexo para ser usada do que a Little Boy.

O plutônio-239 não era puro, o que corria o risco de causar uma reação em cadeia prematura que poderia reduzir o potencial da bomba.

Um mecanismo de implosão foi usado para ativar a bomba antes que pudesse ocorrer a fissão espontânea.

A bomba continha cerca de 6 kg de plutônio, mas estima-se que apenas 1 kg sofreu fissão.

Foi o suficiente para liberar uma energia equivalente a 21 mil toneladas de TNT.

“Corpos carbonizados, vozes pedindo socorro de prédios desabados, pessoas com a carne se desprendendo e as entranhas caindo do corpo... Este lugar se tornou um mar de fogo. Era o inferno”, lembrou Sumiteru Taniguchi, sobrevivente de Nagasaki, em 2020, durante um evento comemorativo do 70º aniversário do ataque.

A explosão foi mais forte do que a de Hiroshima, mas o terreno montanhoso de Nagasaki, localizado entre dois vales, limitou a área de destruição.

Mapa mostrando os diferentes raios de destruição de Nagasaki

Em Nagasaki, a bomba destruiu uma área de 7,7 km², deixando quase 40% da cidade em ruínas.

“Havia centenas de pessoas sofrendo em agonia, sem poder receber qualquer tipo de atendimento médico”, lembrou Terumi Tanaka, sobrevivente de Nagasaki e codiretor da Nihon Hidankyo, durante sua palestra no Prêmio Nobel em 2024.

“Acredito fortemente que, mesmo em guerra, tais mortes e mutilações nunca deveriam ser permitidas.”

Vista aérea da destruição em Nagasaki após a detonação da bomba

Edifícios destruídos após o bombardeio de Nagasaki

Estátuas entre os escombros de Nagasaki

Não há números definitivos sobre quantas pessoas morreram no total em decorrência das duas bombas, seja pela explosão imediata ou nos meses seguintes devido a ferimentos e aos efeitos da radiação.

As estimativas mais conservadoras indicam cerca de 110 mil mortos nas duas cidades até dezembro de 1945.

Outros estudos sugerem que o número total de vítimas pode ter ultrapassado 210 mil até o fim daquele ano.

Imagem mostrando a assinatura da rendição do Japão

TÓQUIO

Após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, o Japão anunciou sua rendição.

O imperador Hirohito dirigiu-se à nação em 15 de agosto de 1945, exortando o povo japonês a “suportar o insuportável” e aceitar a derrota.

A rendição oficial foi assinada em 2 de setembro a bordo do USS Missouri, na Baía de Tóquio.

Com isso, a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim.

A brutalidade da bomba

Em uma fração de segundo após a detonação, uma bomba atômica libera raios gama, nêutrons e raios X — partículas invisíveis que viajam até 3 quilômetros bombardeando tudo em seu caminho, incluindo corpos humanos.

A bomba de Hiroshima, por exemplo, foi letal para 92% das pessoas que estavam em um raio de 600 metros do marco zero.

Os sobreviventes das explosões, conhecidos como hibakusha, sofreram os efeitos devastadores do calor intenso e da radiação.

Muitos sofreram queimaduras que arrancaram a pele de seus corpos.

Foto mostrando as queimaduras nos braços de uma mulher
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A exposição ao material radioativo causou náuseas, vômitos, sangramento e queda de cabelo.

Com o tempo, algumas pessoas desenvolveram catarata e tumores malignos.

Nos cinco anos após os ataques, os sobreviventes desenvolveram problemas de saúde a longo prazo. Os casos de leucemia entre os moradores de Hiroshima e Nagasaki aumentaram dramaticamente.

Imagem mostrando um médico limpando os ferimentos de uma criança causados pela bomba nuclear
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Dez anos após os bombardeios, muitos sobreviventes desenvolveram câncer de tireoide, mama e pulmão — a incidência foi maior do que as taxas normais.

O impacto psicológico também foi profundo. Muitos hibakusha ficaram traumatizados pelos horrores que testemunharam, pela perda de entes queridos e pelo medo persistente de desenvolver doenças causadas pela radiação.

Infográfico mostrando os efeitos de médio e longo prazo da radiação: câncer de mama, câncer de pulmão, câncer de tireoide; queda de cabelo; catarata.

Muitos sofreram discriminação devido à sua aparência física e à crença de que eram portadores de doenças contagiosas.

Outros viveram com um profundo sentimento de culpa por não terem conseguido salvar outras pessoas.

A vida após a bomba

Retrato de Shuntaro Hida, sobrevivente de Hiroshima

“Tratei cerca de 6 mil pacientes, talvez 10 mil. Depois disso, não quis continuar minha carreira como médico. Todos que eu atendia morriam, um após o outro. Não havia ninguém que eu pudesse salvar.”

Shuntaro Hida, Hiroshima

Retrato de Yasuaki Yamashita, sobrevivente de Nagasaki

“Acho que a maioria dos sobreviventes ainda sofre física e mentalmente.”

Yasuaki Yamashita, Nagasaki

Retrato de Keiko Ogura, sobrevivente de Hiroshima

“Quase todas as pessoas pediam apenas ‘água’ e ‘ajuda’. Corri para minha casa, onde havia um poço, e levei água para elas. Elas me agradeceram, mas algumas delas estavam bebendo água e vomitando sangue, e morreram na minha frente. Senti remorso e fiquei com muito medo. Será que eu as matei? Será que eu as matei?”

Keiko Ogura, Hiroshima

Retrato de Toshio Tanaka, sobrevivente de Hiroshima

“Só consegui falar sobre essa experiência horrível quando completei 70 anos. Antes disso, eu estava traumatizada; achava que eles não iriam me entender.”

Toshio Tanaka, Hiroshima

Hoje, Hiroshima e Nagasaki são importantes cidades industriais e comerciais.

Ambas têm praças e museus dedicados a homenagear as vítimas dos bombardeios atômicos.

Alguns hibakusha se tornaram ativistas contra a proliferação de armas nucleares, compartilhando suas histórias para garantir que os horrores da guerra nunca sejam esquecidos.

Sua principal mensagem é a "abolição imediata das armas nucleares", como afirmou Terumi Tanaka em seu discurso no Prêmio Nobel.

Tanaka descreveu as bombas atômicas como “armas desumanas de extermínio em massa, que não devem coexistir com a humanidade”.

Há cerca de 12,3 mil ogivas nucleares no mundo atualmente, de acordo com a Campanha Internacional para Abolição de Armas Nucleares (Ican, na sigla em inglês).

Os hibakusha rejeitam a teoria da dissuasão nuclear — a crença de que a produção e a ameaça de retaliação nuclear podem impedir ataques e manter a paz.

Masako Wada está entre aqueles que se opõem fortemente à ameaça de tamanha devastação.

“Nunca aceitarei a ideia de usar armas nucleares para controlar e prejudicar pessoas”, diz ela.

“Isso só significa que Hiroshima e Nagasaki podem acontecer novamente.”

De acordo com Wada, menos de 100 mil hibakusha, na faixa de 90 anos, sobrevivem hoje.

“Cerca de 10 mil deles morrem todos os anos”, diz ela. “Portanto, em 10 anos, não vai restar nenhum.”

Sua preocupação, no entanto, vai além da perda da memória viva.

“Meu medo é que, antes que isso aconteça, tenhamos novos hibakusha.”

Esta reportagem foi publicada originalmente em 6 de agosto de 2020, e foi atualizada com novas entrevistas para o 80º aniversário dos bombardeios.

 

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