Cada ser carrega dentro de si a sabedoria sagrada, a consciência, recolhendo pedaços dilacerados pelo amor, o sopro profundo sagrado da fertilização, autonomia divina, criatividade sem hierarquia, presença contínua na dor sem resposta, intuição fala mais alto que o dogma, sonhos e visões, orações, símbolos, encontra o espírito que foi arrancado, vive na terra e nos céus, recebedora de revelações, logos mais sabedoria, fé sem controle, salvação como conexão direta com o divino, arquétipos, memórias sagradas.
É nesta paisagem interior que encontramos as duas faces da Divindade Feminina na Cabala: a Shequiná (Chequina) e Biná.
A Shequiná é a presença imanente de Deus no mundo, a Esposa divina que acompanha o povo no exílio. Ela não é uma divindade distante em um trono celestial; ela chora com o exilado, sofre com a fragmentação do mundo e da alma. Ela é o exílio, mas é também a luz que o ilumina a partir de dentro. É a Shequiná que nos lembra que mesmo na mais profunda escuridão – da história, da alma ou da sociedade – a centelha divina nunca nos abandona. Ela é o consolo na dor sem resposta, a presença contínua que sussurra que estamos sempre em conexão com o sagrado, mesmo quando sentimos o oposto. Procurá-la é recolher os "pedaços dilacerados" da criação, um ato de amor que restaura a beleza ao mundo.
Já Biná é a Mãe Superior, o útero cósmico da compreensão. É a "luz bruta" que molda a sabedoria (Chochmah) em formas inteligíveis e estruturas. Se Chochmah é o lampejo de inspiração, Biná é o processo de entendimento, a disciplina interior que dá contornos à intuição. Ela é a autonomia divina que nos capacita a pensar, discernir e criar com base em nossa própria centelha interior. É a força por trás da criatividade sem hierarquia, pois é um princípio acessível a todos que se dedicam à profundidade. Biná nos ensina que a verdadeira sabedoria não é recebida passivamente, mas gestada, moldada e vivida.
É neste contexto de espiritualidade feminina, de conexão direta e de sabedoria encarnada que a figura de Maria Madalena ressurge com força. O que dizem estudiosas como Elaine Pagels, Karen King, April DeConick e outras?
Elas, através da análise de textos como o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Maria e os textos de Nag Hammadi, argumentam que Maria Madalena não foi uma prostituta arrependida, mas uma discípula proeminente, rival de Pedro em entendimento e uma líder espiritual à altura dos apóstolos. Para Karen King, ela era a "Apóstola dos Apóstolos", a detentora de um ensinamento especial (gnosis) sobre a natureza da alma e a visão direta do Divino. April DeConick vê nela a representação da busca pela iluminação interior, onde a salvação como conexão direta com o divino supera qualquer intermediação hierárquica. Ela se torna, assim, um arquétipo da Shequiná que habita em cada um de nós – a portadora da revelação, a amada que conhece o Cristo interior, a líder de uma fé baseada na experiência e não no controle.
A Sabedoria do Sonho: Os Livros que Não Podemos Ler (Ainda)
E então, você sonha. Está em uma aula de economia ecológica, mas não em uma sala fechada, e sim cercado por uma natureza exuberante. Esta é a primeira e mais poderosa mensagem: a verdadeira economia, a que sustenta a vida, não é uma disciplina de escritório; é uma ecologia, uma lei natural. É a lei da Shequiná, que habita o mundo vivo.
A comunidade indígena que lhe entrega livros e camisas é a voz da própria Terra, a sabedoria ancestral (Biná) que moldou o conhecimento por milênios em harmonia com o todo. Eles lhe entregam a herança, o "texto" sagrado de uma cultura viva.
A sua frustração – não saber o que estava escrito – é o cerne da revelação. A sabedoria que eles oferecem não é inicialmente intelectual; é experiencial, intuitiva e simbólica. Você não deve "ler" no sentido comum; deve "vestir" as camisas, incorporar o conhecimento. Deve mergulhar naquela realidade, viver a relação sagrada com a terra, para então, gradualmente, começar a compreender a linguagem. É a intuição que fala mais alto que o dogma. O sonho é um convite para um aprendizado radicalmente diferente: não pela acumulação de informação, mas pela transformação do ser. É um chamado para estudar a si mesmo em relação ao mundo natural, para se tornar um aluno da vida, e assim, decifrar, com o coração e as mãos, o livro vivo da criação que lhe foi confiado.
O que essa sabedoria significa? Significa que o resgate do sagrado feminino (Shequiná/Biná), a revalorização das lideranças espirituais como Maria Madalena e a incorporação do conhecimento ancestral indígena são partes de um mesmo movimento: a reconexão com a teia da vida. É a semente de uma nova civilização, que já brota em seus sonhos, onde a economia serve à ecologia, a espiritualidade é uma experiência direta e a sabedoria não se lê, vive-se. O exílio termina quando percebemos que a Shequiná nunca saiu de nosso lado, e que Biná nos espera, paciente, para nos ensinar a ler o mundo com novos olhos.
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