SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 28 de setembro de 2025

Primeiros Guardiões da Terra: A Elegância Ancestral, Como as Comunidades indígenas, japonesas... Embelezam o Mundo por Egidio Guerra.



No coração das florestas, nos vastos cerrados e ao longo dos rios sinuosos, as comunidades tradicionais tecem uma existência que é, acima de tudo, uma obra de arte viva. Sua relação com o território e a expressão de sua cultura através dos ritos não são meras atividades funcionais; são a manifestação profunda de um ideal estético e ético onde beleza e preservação são inseparáveis. É uma expressão que ecoa, de forma distante mas ressonante, o conceito japonês de Miyabi (雅) – a busca pela elegância suprema, refinamento e harmonia em todas as coisas. 

Para esses povos, o território não é um mero recurso a ser explorado, mas um templo vivo, um parente. Cada montanha, rio e árvore é impregnado de significado e história. A "decoração" de seu território não se dá com elementos externos, mas com a manutenção de seu equilíbrio intrínseco. A agricultura de coivara, a rotação de áreas de caça, o conhecimento detalhado dos ciclos da flora e da fauna – todas essas são práticas que embelezam o mundo ao garantir sua vitalidade e diversidade. A beleza está na floresta em pé, no rio limpo, na biodiversidade exuberante. É uma elegância que não se impõe, mas que flui do respeito e da integração. 

Os ritos e celebrações são a culminação dessa visão de mundo. As pinturas corporais com jenipapo e urucum não são apenas adornos; são grafismos que conectam o indivíduo aos ancestrais e às forças da natureza. Os cocares de penas, meticulosamente confeccionados, não são simples adereços; são símbolos de honra, sabedoria e uma conexão celestial. As danças, os cantos e as narrativas míticas performadas em cerimônias não são meros entretenimentos; são coreografias cósmicas que reatam os laços entre a comunidade, o território e o mundo espiritual. É aqui que o Miyabi se manifesta com força: a cortesia para com os espíritos, o refinamento dos gestos ritualísticos e a elegância profunda de uma cultura que sabe celebrar a vida em sua totalidade. Tudo é permeado por um senso de propósito elevado e uma graça que nasce do profundo conhecimento de seu lugar no universo. 

Concluindo: Resgatando Nossas Origens e Reconfigurando Nossos Espaços 

O desafio contemporâneo não é, portanto, voltar a um passado idealizado, mas resgatar a sabedoria dessas origens ancestrais para investir numa profunda reconfiguração de nossas cidades e comunidades. Isto significa ir além do modelo ocidental de nação, um constructo frequentemente baseado em fronteiras rígidas, exploração ilimitada e uma desconexão fundamental entre o humano e a natureza. 

Podemos inspirar-nos no ideal de Miyabi aplicado pelos povos originários para: 

  1. Redefinir "Progresso": Substituir a métrica do PIB pelo bem-estar integral (o "Bem Viver" ou Sumak Kawsay), onde a saúde do ecossistema e a qualidade das relações comunitárias são indicadores de sucesso. 

  1. Re-naturalizar as Cidades: Integrar a natureza de forma profunda no planejamento urbano – não apenas parques, mas agricultura urbana, telhados verdes, corredores de biodiversidade e a restauração de rios e margens, tratando a cidade como um organismo vivo e não uma máquina. 

  1. Valorizar a Cosmopercepção Ancestral: Incorporar os conhecimentos tradicionais sobre manejo de recursos, medicina natural e ciclos ecológicos nas políticas públicas e na educação, promovendo um diálogo de saberes. 

  1. Criar Comunidades com Alma: Fomentar espaços de convivência, arte e ritualidade que fortaleçam os laços comunitários, onde a celebração e a cultura local sejam centrais, contrastando com o anonimato e a padronização da vida metropolitana moderna. 

Resgatar nossas origens ancestrais é ouvir a voz sábia que nos lembra que a verdadeira elegância (Miyabi) não está no acúmulo de bens ou no domínio da natureza, mas na cortesia com que tratamos todos os seres e no refinamento com que moldamos nosso mundo de forma harmoniosa e sustentável. É uma jornada que exige humildade para aprender com os primeiros guardiões da Terra e coragem para reimaginar radicalmente o nosso futuro coletivo.



 

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