SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 28 de setembro de 2025

Amnésia infantil: por que não temos lembranças de quando éramos bebês

 

Amnésia infantil: por que não temos lembranças de quando éramos bebês

Um menino sorridente deitado de barriga para baixo em uma cama

Crédito,KDP via Getty Images

Legenda da foto,A amnésia infantil descreve a incapacidade dos adultos de se lembrarem de eventos específicos da sua primeira infância.
    • Author,Maria Zaccaro
    • Role,Serviço Mundial da BBC

O dia em que nascemos, nossos primeiros passos, nossas primeiras palavras são todos momentos marcantes em nossas vidas. No entanto, não nos lembramos de nenhum deles. Por quê?

Neurocientistas e psicólogos vêm se debruçando sobre essa questão há décadas.

Nossa incapacidade de lembrar eventos específicos dos primeiros anos de vida é chamada de amnésia infantil, e muitas teorias foram desenvolvidas ao longo dos anos na tentativa de explicá-la.

Nick Turk-Browne, professor de psicologia e neurocirurgia na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, afirma que o debate se resume essencialmente a duas questões fundamentais: criamos memórias nos nossos primeiros anos de vida, mas somos incapazes de acessá-las mais tarde, ou não criamos memórias até crescermos?

De acordo com o professor Turk-Browne, até a última década, os pesquisadores presumiam principalmente que os bebês não criavam memórias. Alguns acreditavam que isso se devia à falta de um senso de identidade totalmente formado ou à incapacidade de falar.

Ilustração do cérebro em azul, com uma longa estrutura em seu interior destacada em laranja

Crédito,Science Photo Library via Getty Images

Legenda da foto,O hipocampo é uma região do cérebro com formato de cavalo-marinho que desempenha um papel importante na memória.

Outra hipótese, explica ele, é que não conseguimos criar memórias até aos quatro anos de idade, porque o hipocampo — uma região do cérebro responsável pela criação de novas memórias — ainda não está totalmente desenvolvido.

"Ele mais do que dobra de tamanho durante a infância", diz o professor Turk-Browne. "E então, talvez as experiências iniciais que temos não possam ser armazenadas porque não temos o circuito necessário para fazer isso."

Examinando o cérebro de um bebê

No entanto, um estudo publicado no início deste ano pelo próprio professor Turk-Browne parece contradizer essa ideia.

Sua equipe mostrou a 26 bebês — com idades entre quatro meses e dois anos — uma série de imagens enquanto examinava os cérebros dos bebês e mediu a atividade do hipocampo.

Em seguida, mostraram aos bebês uma das imagens anteriores ao lado de uma nova e mediram os movimentos oculares dos bebês para analisar qual das duas imagens eles olhavam mais.

Se fosse a imagem antiga, os pesquisadores interpretariam isso como um sinal de que os bebês eram capazes de se lembrar dessa imagem e reconhecê-la, conforme sugerido em estudos anteriores.

Um bebê usando protetores auriculares sentado ao lado de uma máquina de ressonância magnética funcional, segurado pela mãe, com o pesquisador Turk-Browne do outro lado.

Crédito,160/90

Legenda da foto,O professor Turk-Browne e sua equipe foram pioneiros em uma maneira de examinar o cérebro de bebês enquanto eles estão acordados e ativos.

Os pesquisadores descobriram que, quando o hipocampo de um bebê ficava mais ativo ao ver uma imagem pela primeira vez, era mais provável que ele se lembrasse dela mais tarde — especialmente quando o bebê tinha mais de 12 meses.

Isso sugere que o hipocampo é capaz de codificar algum tipo de memória por volta do primeiro ano de idade.

Para onde foram as memórias?

Pule Whatsapp! e continue lendo
BBC Brasil no WhatsAp
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular.

Clique para se inscrever

Fim do Whatsapp!

O professor Turk-Browne afirma que o estudo de sua equipe é "um primeiro passo" para determinar se os bebês realmente estão formando memórias no hipocampo, sendo necessárias muitas outras pesquisas ainda.

"Se as estamos armazenando, isso levanta questões realmente fascinantes sobre onde estão essas memórias? Elas ainda estão lá? Poderíamos acessá-las?", questiona ele.

Um estudo publicado em 2023 descobriu que ratos que aprenderam a sair de um labirinto quando filhotes haviam esquecido isso na idade adulta. Mas a ativação artificial de partes do hipocampo envolvidas na aprendizagem original poderia trazer essa memória de volta à vida.

Ainda não se sabe se os bebês humanos armazenam memórias que, de alguma forma, se tornam inativas mais tarde na vida.

Catherine Loveday, professora de neuropsicologia da Universidade de Westminster, no Reino Unido, também acredita que os bebês têm a capacidade de criar memórias, pelo menos quando começam a falar.

"Sabemos que as crianças pequenas voltam da creche, descrevem algo que aconteceu e, alguns anos depois, não conseguem mais descrever. Portanto, as memórias estão lá. Só que não ficam gravadas", argumenta ela.

"Acho que a questão é até que ponto essas memórias ficam gravadas em nós ao longo do tempo, se elas desaparecem muito rapidamente e até que ponto são memórias conscientes, sobre as quais podemos realmente refletir e pensar", sugere ela.

Uma criança pequena andando de bicicleta de equilíbrio de madeira

Crédito,ullstein bild via Getty Images

Legenda da foto,Não está claro se os bebês humanos criam memórias que mais tarde se tornam inacessíveis.

Será que é uma memória falsa?

O que complica ainda mais nossa compreensão da amnésia infantil é o fato de que pode ser "quase impossível" determinar se algo que as pessoas acreditam ser sua primeira lembrança é realmente verdade, de acordo com o Prof. Loveday.

Alguns de nós podem se lembrar de um incidente específico quando éramos bebês ou estávamos no berço, por exemplo.

Loveday afirma que é improvável que tais memórias sejam recordações genuínas de experiências reais.

"O problema com a memória é que ela é sempre uma reconstrução. Portanto, se alguém lhe conta algo e você tem informações suficientes sobre isso, seu cérebro pode reconstruir algo que parece absolutamente real", explica ela.

"O que realmente estamos analisando aqui é a consciência, e a consciência é algo difícil de definir", acrescenta ela.

Turk-Browne acredita que o mistério em torno da amnésia infantil revela o cerne do que nos torna quem somos.

"Trata-se da nossa identidade", diz ele. "E a ideia de que temos esse ponto cego nos primeiros anos de vida, em que não nos lembramos das coisas, acho que realmente desafia o modo como as pessoas pensam sobre si mesmas."

Nenhum comentário:

Postar um comentário