O pensamento da filósofa e historiadora da arte Marie-José Mondzain constitui uma arqueologia crítica do poder das imagens. Para ela, a imagem não é um mero reflexo do mundo, mas um operador filosófico e político central na constituição dos sujeitos, das comunidades e da própria História. Sua reflexão, articulada em obras como «Imagem, Ícone, Economia», «HOMO SPECTATOR», «K de Kolônia» e «Confiscação», desvela como a gestão das imagens – sua produção, circulação e interdição – é inseparável da gestão das pessoas. A mudança nas formas de escrever, pensar, sentir, agir e lutar passa, inevitavelmente, por uma reivindicação do poder de olhar e de criar.
Mondzain introduz o conceito de «iconomia», retomando o debate iconoclasta bizantino. A "economia" aqui não se reduz ao financeiro, mas refere-se à oikonomia, à gestão da casa (do mundo). A questão central é: quem tem o direito de produzir e circular imagens? A iconomia é o regime que regula o visível e, portanto, o pensável. A imagem, em sua análise, é antes de tudo um vínculo, uma relação que funda uma comunidade.
Em «Imagem, Ícone, Economia», ela demonstra que a imagem cristã não representava Deus, mas manifestava uma presença e uma relação de encarnação. Essa dimensão relacional é a chave: a imagem verdadeira não é a que se parece, mas a que faz vínculo. Transpondo para a política contemporânea, a pergunta é: que tipo de vínculo as imagens hegemônicas (da publicidade, da propaganda estatal, do espetáculo midiático) estão a criar? Elas tendem a criar laços de consumo, de submissão ou de medo. A arte e a política emancipatórias, portanto, devem lutar por uma outra iconomia, uma economia das imagens que produza comunidades de partilha e não de separação.
Em «Confiscação: das palavras, das imagens e do tempo», Mondzain aprofunda a análise do poder soberano. O poder confiscatório é aquele que se apropria da capacidade de dar a ver, de nomear e de definir o tempo da história. Ele tenta monopolizar a narrativa, tornando invisíveis todas as formas de vida e de resistência que não se enquadram no seu projeto.
É aqui que o diálogo com Nicole Brenez em «Levantes» se torna crucial. Brenez, ao catalogar as imagens de insurreições, revoluções e gestos de dissidência ao longo da história do cinema, está a fazer uma arqueologia dos corpos que se recusam ao confisco. Cada frame de um levante é um ato de reapropriação do próprio corpo, do espaço e do direito à aparência. O "levantar-se" é, antes de tudo, erguer-se perante o olhar do poder, tornar-se visível como sujeito político. Esta é uma encarnação direta do pensamento de Mondzain: a luta política é uma luta pelo estatuto da imagem.
A figura do HOMO SPECTATOR é ambivalente. Por um lado, o espectador pode ser aquele que consome passivamente as imagens espetaculares, conformando-se ao regime do visível imposto. Por outro, e é aqui que reside a potência da tese de Mondzain, o ato de ver é sempre um ato de interpretação e, portanto, de liberdade. Ninguém pode controlar totalmente o que o olho vê e o que o espírito compreende.
Georges Didi-Huberman, em «Sobrevivência dos Vaga-lumes», ecoa profundamente esta ideia. Perante o "apagão geral" imposto pelo poder espetacular (a metáfora de Pasolini), os vaga-lumes são essas pequenas luzes intermitentes, essas imagens frágeis, essas formas de resistência que sobrevivem e emitem sua própria luz. Eles representam a capacidade do homo spectator de se tornar um homo insurrectus – aquele que, ao olhar de modo dissidente, encontra brechas e cria contra-imagens. Em «Casca», Didi-Huberman fala daquilo que resiste sob a superfície lisa da história oficial, tal como a casca de uma árvore guarda as memórias dos ferimentos. Ambas as metáforas – a casca e o vaga-lume – ilustram a sobrevivência de uma potência imagética que o poder não consegue extinguir totalmente, uma ideia central na economia política de Mondzain.
Em «K de Kolônia: Kafka e a descolonização do imaginário», Mondzain utiliza Kafka para pensar a burocracia como uma máquina de confiscar o imaginário. A colônia penal kafkiana é um regime onde a lei é opaca e a culpa é sempre presumida, aniquilando a capacidade de sonhar e de agir. A "descolonização do imaginário" é, então, o processo de desmontar essas máquinas de opressão interna e externa.
A arte desempenha aqui um papel fundamental. Ela opera no regime do "como se" (comme si). Ela cria ficções, imagens e narrativas que, mesmo não sendo "a realidade" no sentido factual, possuem uma eficácia real para mudar a percepção e abrir possibilidades. Um filme, uma pintura, uma performance podem fazer-nos ver o mundo como se a justiça fosse possível, como se a fraternidade existisse, como se outro futuro estivesse à mão. Esta capacidade de criar "ficções verdadeiras" é um poder de descolonização, pois liberta o desejo e a ação das narrativas dominantes.
O pensamento de Marie-José Mondzain oferece uma ferramenta poderosa para compreender o nosso tempo. Ela nos mostra que a batalha política não se trava apenas nas ruas ou nas urnas, mas no próprio campo do sensível. Mudar a forma de escrever é, então, incorporar essa luta no texto, torná-lo uma imagem que faz vínculo. Mudar a forma de pensar é adotar uma hermenêutica suspeitosa das imagens dominantes. Mudar a forma de sentir é abrir-se à potência afetiva das imagens de resistência. Mudar a forma de agir e lutar é, no fundo, reapropriar-se do direito de criar imagens – com câmaras, com corpos, com palavras – que manifestem presenças, que teçam novos vínculos e que, tal como os vaga-lumes de Didi-Huberman ou os corpos em levante de Brenez, inscrevam no visível a indomável vontade de liberdade. A História, assim, não é apenas contada por imagens, ela é feita e desfeita na luta pela sua própria economia.
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