SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 9 de novembro de 2025

A Luta pela Civilização Terra! A escolha entre a escravidão algorítmica e a sabedoria terrestre é a escolha definitiva do nosso tempo por Egidio Guerra.




Vivemos a era da suposta conectividade total, mas também a era da servidão algorítmica. Como bem expõe Laura Rivera em "Esclavos del Algoritmo. Manual de Resistencia En La Era de la Inteligencia Artificial", não somos meros usuários de plataformas digitais; somos os produtos, a matéria-prima e, em última instância, os escravos de sistemas de inteligência artificial programados para extrair dados, moldar desejos e dirigir comportamentos. Este controle, subtil e ubíquo, não opera através de grilhões de ferro, mas através de uma colonização silenciosa da mente. 




Do Biopoder à Sociedade de Controle: A Metamorfose do Poder 

A arquitetura conceptual para entender esta dominação remonta a Michel Foucault e a Gilles Deleuze. Foucault cunhou o termo "biopoder" para descrever a forma como o Estado e as instituições passaram a administrar a vida biológica das populações – seus corpos, saúde e reprodução. O poder já não se limitava a punir; dedicava-se a gerir e a otimizar a vida. Deleuze, na sua "Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle", previu a transição das sociedades disciplinares (com os seus hospitais, prisões e fábricas) para sociedades de controle, onde o poder se exerce através de modulações contínuas: cartões de crédito, algoritmos de streaming, sistemas de reconhecimento facial. Já não se enclausura, mas controla-se em fluxo. O algoritmo é o cárcere sem paredes, a máquina de moldar subjetividades e normalizar condutas, ecoando também a análise de Rancière em "As palavras e os danos" sobre como a ordem política é, antes de tudo, uma ordem do sensível, uma distribuição do que pode ser visto, dito e pensado – uma distribuição hoje profundamente mediada pela tecnologia. 




Esta lógica de controle atinge o seu paroxismo com os projetos transumanistas de figuras como Elon Musk e a sua Neuralink. A proposta de injetar chips no cérebro, sob o pretexto de curar doenças ou fundir o humano com a máquina, representa o estágio final do biopoder: a invasão direta do último reduto da privacidade e da autonomia – a mente. A promessa de uma "cognição aumentada" esconde a ameaça de uma "exploração aumentada", onde os pensamentos e as emoções se tornam a última fronteira de dados a ser minerada. A figura do ciborgue, tão celebrada na academia por Donna Haraway como um potencial sítio de resistência pós-género, é agora capturada pelo capitalismo de vigilância, tornando-se o protótipo do trabalhador perfeito e do consumidor total, cujos desejos são pré-fabricados e cujas necessidades são sincronizadas com o mercado.

 


A Civilização da Morte: Algoritmos, Crise Climática e a Espiral Bélica 

Este domínio tecnológico não opera no vazio. Ele é o acelerador de uma "civilização da morte", um conceito que ecoa as críticas decoloniais. A mesma lógica de extração, otimização e descarte que rege os algoritmos é a que devasta ecossistemas, amplia abismalmente as desigualdades e nos coloca à beira de uma Terceira Guerra Mundial. A geopolítica histórica mostra-nos que as guerras são, elas próprias, algoritmos primitivos de reconfiguração do mundo e da economia. As duas Grandes Guerras e a Guerra Fria redesenharam o mapa-múndi, consolidaram hegemonias e criaram a arquitetura financeira global atual. Hoje, o risco de um novo conflito de proporções catastróficas é agravado por uma inteligência artificial armada, por ciberguerras e por uma desumanização do inimigo facilitada pelos mesmos mecanismos algorítmicos de desinformação

Como a 'esquerda caviar' influencia a política e por que é desprezada pela esquerda radical?

NO LINK : https://www.bbc.com/portuguese/articles/c797re3nj23o




Neste cenário, a denúncia de uma certa "esquerda caviar" torna-se urgente. Refiro-me a uma elite supostamente progressista que, no entanto, traça acordos nos corredores do poder, pratica a corrupção e perpetua o nepotismo – as "nepobabys" oriundas de oligarquias que se reciclam numa retórica de esquerda. Esta casta é cúmplice do sistema, pois domestica a dissidência e esvazia os movimentos populares. Em contrapartida, emergem vozes autênticas como a de Bernie Sanders e o seu livro "Tudo Bem Ficar com Raiva do Capitalismo", que canaliza o descontentamento popular para uma crítica estrutural ao sistema econômico. A campanha do novo Prefeito de Nova York, Zohran Mandami, com o seu foco em questões de equidade e segurança pública, e, sobretudo, a ascensão da Geração Z, demonstram uma mudança no fazer político. Esta geração, nativa digital, usa as ferramentas do algoritmo para se auto-organizar, denunciar injustiças e exigir transformações radicais em torno da justiça climática, dos direitos LGBTQIA+ e do antirracismo. 


Rumo a uma Civilização Terra da Sabedoria: A Reconstrução do Comum 

Perante esta encruzilhada apocalíptica, a humanidade é desafiada a reagir. A alternativa não é o retrocesso ludita, mas a construção de uma Civilização Terra da Sabedoria. Esta civilização não seria baseada na inteligência artificial alienante, mas na sabedoria coletiva – uma inteligência social, ecológica e espiritual. 

Os alicerces desta nova civilização já existem: 

  1. O Saber dos Povos Originários e Tradicionais: A vida dos povos indígenas e quilombolas é um testemunho vivo de modos de existência em harmonia com a natureza, baseados no bem-comum e na tomada de decisão coletiva. Eles são os guardiões de um conhecimento ancestral essencial para enfrentar os desafios climáticos. 

  1. O Estado de Bem-Estar Social e o "Bem-estar Comum": Recuperando e radicalizando a ideia de Estado de Bem-Estar Social, podemos avançar para o conceito de "commonwealth" ou bem-estar comum, como elaborado por Antonio Negri. Trata-se de uma gestão coletiva e democrática dos bens comuns – a água, a terra, a energia, o conhecimento, a cultura – contra a sua privatização. 

  1. A Construção de Autonomias Locais: A resistência passa por ajudar comunidades pobres e territórios a construírem, de baixo para cima, as suas seguranças: alimentar (através da agroecologia), hídrica (com captação e gestão comunitária da água), energética (com micro-redes de energias renováveis), de renda (economia solidária), cultural, habitacional e ambiental. São estes mosaicos de comunidades resilientes que formarão as cidades e os territórios da sabedoria. 




Esta visão não é utópica; é uma necessidade de sobrevivência. Implica uma descolonização do imaginário, como propõe Marie-José Mondzain em "K de Kolônia: Kafka e a descolonização do imaginário", libertando-nos das narrativas de progresso tóxico e de destino que o algoritmo nos impõe. 

O caminho é longo, mas o horizonte é claro: substituir a civilização da morte, dirigida por algoritmos cegos e por uma elite desconectada, por uma Civilização Terra. Uma civilização onde a tecnologia seja posta ao serviço da vida, da escolha coletiva e do bem-comum, permitindo que bilhões de habitantes, nas suas diversidades, floresçam em comunidades sábias, resilientes e verdadeiramente livres. A escolha entre a escravidão algorítmica e a sabedoria terrestre é a escolha definitiva do nosso tempo. 

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