Algumas turmas de escolas públicas brasileiras hoje, normalmente profissionalizantes, são formadas por alunos de uma cidade, com alunos de outras cidades ao redor e os alunos de bancadas oriundos de escolas privadas. Do lado dessas escolas de excelência sempre tem as escolas onde estudam os alunos de piores notas, normalmente muito pobres e das zonas rurais. Resumindo na disputa dos Governos para quem tem as melhores notas, temos vários tipos de escola pública para os mesmos cidadãos brasileiros que não vão ter a mesma chance. Umas que tem melhores condições físicas, enquanto outras não tem banheiro nem água nem biblioteca , outras Professores recebem o décimo quarto salário pelo seu desempenho e outras nem salário mínimo, enquanto estas mesmas escolas sofrem as consequências do aumento da criminalidade, disputam vagas nas Universidades e na formação de capital humano, no mundo onde educadores gerenciam metas e resultados em busca de rankings, e cientistas de dados buscam estratégias de melhorar o desempenho da escola. Bem, esse é um resumo do atual capítulo da história da educação brasileira, mas como podemos pensar e escrever os próximos capítulos ? Bem, um caminho é compreender a história da educação brasileira e entender quando ela passa a se tornar mais brasileira, passando a ser escrita por outras cores e lidando com os reais desafios de todos os brasileiros e não os privilégios de alguns.
O Brasil ao invés de pensar o sistema educacional para todos a longo prazo, como fizeram várias nações com menos dinheiro e condições que nós, incluindo as questões sociais como fez a Finlândia. O Brasil continua focado em melhorar as notas de alguns, enquanto uma minoria entra no ensino superior ou coloca eles numa posição melhor no mercado de trabalho e renda ? Não.
Os primeiros passos de Paulo Freire vai ser alfabetizar aqueles que nem as escolas chegavam e que representavam milhões de pessoas porque tão importante quanto o ENEM, cotas, estruturas físicas, melhores condições para os professores, avaliação e gestão é questionar como se dá o acesso à escola pelo cidadão mais pobre de todas as cidades, onde tudo deve começar. Essa prioridade é tão importante quanto o método de alfabetização que ele criou. Além de outras lições que ele nos deixou em seus livros e frases que de diversas formas começa a colorir a educação brasileira com soluções para desafios típicos brasileiros. Sim porque grande parte de nossa população não tem acesso a educação de qualidade, é preta, pobre e cercada pelo crime e várias formas de escravidão e violências desde o descobrimento do Brasil.
ESTUDAR NÃO É UM ATO DE CONSUMIR IDÉIAS, MAS DE CRIÁ-LAS E RECRIÁ-LAS.
Esse é outro ponto essencial: o que consideramos educar como nação brasileira ? A Finlândia por exemplo que nos anos 70 era um país rural , sem estradas, fica ao lado da Rússia que há qualquer momento podia invadi-la e invadiu, resolveu que não dava para separar educação dos problemas sociais, segundo que deveriam ter menos aula para as crianças terem mais tempo com a família e ócio, e terceiro aos invés de priorizar a avaliação era melhor gastar energia em melhorar a aprendizagem. É quase a opção inversa brasileira que não resolve as questões sociais, aumenta o período escolar e foca na avaliação. Nós deveríamos aproveitar nossa diversidade cultural e ambiental como nos ensinou Darcy Ribeiro visando fortalecer nossa criatividade na economia como temos feito nas artes, incluir o ensino da cidadania, ética, filosofia, política, culinária, cuidar da casa e outros como acontece em vários países como Japão, Inglaterra, Canadá e França; isso nos faz muita falta porque fortalece a autonomia, a civilidade e a cooperação além de ensinar a pensar pelos caminhos da capacidade crítica e criativa.
Infelizmente as Escolas e Universidades brasileiras têm servido para enquadrar pessoas de acordo com critérios nascidos em outros países. Não valorizamos e punimos a singularidade de nossos alunos desde a creche, onde se comportar igual e de preferência calado é um valor central para o que consideramos educar. Desrespeitamos muitas vezes os saberes populares , os idosos e as comunidades evitando que o tecido social e vínculos criem espaços de educação que transcendam a escola, e inclua o diferente e o excluído. Essas são outras lições que temos que aprender com Paulo Freire se quisermos colorir a educação brasileira.
No livro medo e ousadia duas lições de Freire são essenciais: uma onde uma aluna dele, juíza da turma de Doutorado em Direto, o questiona sobre uma aula porque vão estudar uma carta de três páginas de um agricultor analfabeto ? Essa aula vai levar 16 horas para eles entenderem o saber que o agricultor transmite e a juíza pede desculpas. A segunda é quando Paulo Freire é questionado se o professor pode levar ideologia de esquerda ( ou de direita ) para sala de aula ? ele responde “ quem pensa que são esses professores ? representantes de DEUS para fazer isso e discorda.” Talvez a escola seja o último espaço democrático e republicano que sobrevive em nosso País de Governos, Empresas, Exércitos, Igrejas e ONG 's aparelhadas por grupos políticos. Não se trata da escola sem partidos e sim do direito à educação, a liberdade e a autonomia, as políticas públicas sem ser moeda de troca ou refém de carteirinha de partido assim como os programas sociais .
NINGUÉM LIBERTA NINGUÉM, NINGUÉM SE LIBERTA SOZINHO: OS HOMENS SE LIBERTAM EM COMUNHÃO
Eu considero que devemos ter um compromisso pedagógico com as palavras do Paulo Freire se ele pensou e escreveu algo devemos respeitar suas posições e não negá-las. Da mesma forma Darcy Ribeiro como Antropólogo , Ministro e Reitor deixou várias contribuições e ajudou a colorir a educação brasileira à luz de nossas raízes e olhando de frente e de forma profunda nossos desafios educacionais como nação.
Ele que fundou o sambódromo no Rio colocou nossa cultura como um dos eixos educacionais e o povo brasileiro. Ele que fundou a UNB e foi um defensor e legislador incansável da educação brasileira aprovando leis que até hoje protegem a educação como a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Lei No 9394/96) que gerou o Fundeb e outras que por exemplo facilitam a avaliação por outros meios. Porém principalmente por ter enfrentado a Ditadura e contribuído de diversas formas com as lutas educacionais, sociais, indígenas e populares e ter vivido e escrito sobre elas, nos dá um referencial teórico para pensar a educação brasileira a partir do Brasil e de seu povo.
Eu considero que este deve ser o primeiro capítulo de nossa história, talvez nossa história contada de trás para frente, ajude a entender que tentaram tornar a educação reféns dos religiosos, militares, de elites, oligarquias políticas e burocracias partidárias. Essas fórmulas de cima para baixo nunca criaram raízes, pelo contrário se fragmentaram ou transformaram em programas pontuais; os nossos mais duros e difíceis desafios que é levar o acesso a uma educação de qualidade para todos com o potencial de transformar vidas e as cidades onde vivemos, incluindo nossa economia, mas não tornando a educação refém nem do Estado nem do mercado mas que pertença a todos cidadãos brasileiros.
Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
e me diz desconfiado, tu tá aí admirado
ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
eu nem posso olhar pro prédio
que eu ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
por que que eu deixei o norte
eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
tinha direito a colher
Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
e o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
e na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
e na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Nenhum comentário:
Postar um comentário