SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 2 de março de 2021

A TEORIA DA IGNORÂNCIA DA MALDADE E DO FEIO, E O DESAFIO DA TEORIA DO CONHECIMENTO! O QUE TORNA A EDUCAÇÃO POSSÍVEL, LIVRE, CRÍTICA, CRIATIVA E EMANCIPADORA! Por Egidio Guerra.

 


O jornalista pergunta a Bruno Latour “ As ciências humanas podem produzir resultados indiscutíveis?”



Ele responde : O objetivo da ciência não é produzir verdade indiscutíveis, mas discutíveis. Nem as ciências naturais e exatas produzem verdades indiscutíveis. As ciências sociais realizam perfeitamente o trabalho de gerar verdades que possam ser discutidas. Elas são como as demais ciências e em certos aspectos até mais exigentes. A antropologia é muito mais exigente que muitos ramos da psicologia, da economia e da geografia. O objetivo é produzir discussões públicas normatizadas.


Outro aspecto desse debate é a pluralidade de olhares de várias ciências sobre o mesmo objeto. O que tem levado cada vez mais a Ciência pelos caminhos da interdisciplinaridade e complexidade, ampliando o diálogo entre cientistas incluindo sobre o que consideramos conhecimento.  


O conhecimento não se reduz a uma sociedade cientificada nem ao homem, até a linguagem matemática sobre as quais estas Ciências buscam sua precisão foi questionada pela teoria da incompletude de Godel. Na era dos algoritmos que vivemos hoje, aprendemos que eles buscam reduzir a realidade a algumas variáveis, sobre os poderes da tecnologia com olhar positivista, normalizando comportamentos, excluindo tudo que foge ao padrão e é diferente.


Resumindo, até as pedras mudam em interação com o ecossistema que habita, imaginem o homem que também muda seus atos pela moral, imaginação, sentimentos, e na interação com diversos objetos, incluindo criando tecnologias que também vão transformar o homem e as formas de fazer ciência. 




Como frisa a Professora Fátima Nobre da UFC é preciso compreender o porquê ? e para quê ? da própria ciência para compreender nossa própria existência, essa é a missão do educador. Outro autor que dialoga com essa questão é Gilbert Simondon que em um de seus livros “ Do modo de existência dos objetos técnicos” nos lembra que o próprio processo de criar e produzir objetos técnicos é humano de uma ponta a outra carregado de escolhas, materiais, interfaces para esses mesmos objetos sirvam ao humano e nossas existências. Ele também escreve em outro livro que essa jornada vai ampliando a nossa individualização e singularidade de forma que cada pessoa é única mesmo abrigando a categoria do humano, como se fossemos todos iguais, e felizmente nem um método consegue nos reduzir. 


A ciência e seus experimentos ocupam um lugar na construção da realidade social assim como a economia, a política, a arte, a espiritualidade, cada vez mais as mudanças climáticas e outras . Reduzir a vida e a realidade a ciência produz cegueira ou pior o poder da tecnocracia e tecnologia em nossas vidas como os novos grandes irmãos como nos educa Orwell. Por isso a importância de dialogar com vários saberes que sejam mitos, filosofia, ciência e outros sob o olhar de várias culturas e da História. A teoria do conhecimento é o alicerce que torna a educação possível e livre dos métodos, dogmas e reduções de diversos saberes e ciências para dialogar com realidades sociais e existências complexas, diversas e dinâmicas pois o desafio é educar para criticar esses saberes e realidades visando transformá-la e criar novas realidades e existências . 



ENTRE MITOS, RAZÕES E CIÊNCIA NOS CONHECEMOS E NOS EDUCAMOS HOJE. 


Será a Bíblia um mito ? que deu origem a vários ritos e religiões. Será a Ficção científica um mito atual que através de filmes e livros, mitos filmados e escritos, tem educado vários jovens ? Sim, o mito é uma forma de educar e faz parte da teoria do conhecimento. Temos outros mitos e seus ritos atuais como o cancelamento nas redes sociais, uma forma de expulsão da sociedade que tem milhares de anos realizados por nossos ancestrais. Aprender a enxergar os mitos atuais é uma forma de nos conhecer e educar. 


Por outros caminhos os perigos da razão e da verdade hoje são combatidos com fake news. Afinal criar outras possibilidades através de perguntas, críticas e de questionamentos continua não sendo bem visto pelos poderosos. Sócrates continua a ser condenado todos os dias na luta por justiça e pela vida apenas por dizer a verdade. A filosofia nos desafia a ter uma visão sistêmica e histórica como caminho de nos educar sem ficar reféns de mitos ou de conhecimentos fragmentados que nos tornam reféns de existências míopes . 


Claro que no mundo onde as ciências e as técnicas se transformam em tecnologias impactando nosso cotidiano, economia, educação e outros; entender o pensamento científico é urgente para nos libertar dos dogmas da ciência e da tecnocracia que busca negar outras formas de nos educar e pensar nossa existência. Observação, hipótese e generalização são passos do processos científicos mas que não se reduzem a ele pois são formas de apreender.



A TEORIA DA IGNORÂNCIA DA MALDADE E DO FEIO.


Talvez em épocas como a vivemos onde todos querem ser inteligentes, criativos e ter domínio científico de preferência um Doutorado em uma Universidade americana . Torna- se necessário dialogar o que é conhecimento principalmente diante de fake news, racismos, refugiados, brutais desigualdades e violências, terra plana, mudanças climáticas, inovações tecnológicas e elites que concentram renda destruindo milhões de vidas e o planeta. Será que esses conhecimentos revelam mais ignorâncias, maldades e feituras do que inteligência ? Essa é minha hipótese, observando o mundo e pesquisando não apenas o que deu certo mas também as consequências. Nesta jornada talvez possamos dialogar sobre conhecimento e educação.  



Bem eu posso citar milhares de autores mas espero que pesquise outros ou observe ao seu redor, porque se não estarei assim como as Universidades formando papagaios que repetem palavras sem capacidade crítica e criativa; consideradas capacidades de nível superior pela UNESCO. Hoje felizmente o google pesquisa, copia e repete palavras absurdamente mais rápido que qualquer ser humano. E com seus celulares e outros equipamentos traduzem em outras línguas e reproduzem em vozes, ou seja se não quiser ler pode escutá-las. Melhor seria observar o mundo, transformar a vida numa sala de aula, criar novos mitos, definir hipóteses e pesquisar outras razões possíveis cada vez mais complexas, interdisciplinares e sistêmicas. Ir contra o método para descobrir outras formas de fazer ciência que o atual método científico limita e destrói milhões de possibilidades que nunca se quer mesmo foram pesquisadas. Enquanto isso Doutores, Políticos, Empresários e outros se reduzem aos seus saberes/ poderes que geram mais ignorâncias, maldades e feiuras como as citadas acima , consequências de nossa inteligência!



No livro Ousadia e medo, Paulo Freire nos relata um episódio na turma que ensina no curso de Doutorado em Direito. Onde ele leva um pequeno texto de três páginas escritas por um quase analfabeto que passou por suas turmas de alfabetização para ser discutida pelos doutorandos. Uma juíza fica perplexa porque terá que discutir aquele texto para depois pedir desculpas a Paulo Freire porque levaram 14 horas para entender o que estava escrito nele. Desde a Grécia, eu diria até antes em nossas sociedades mitológicas, o saber não se reduzia a escola ou a livros. Sócrates não escreveu nenhum mas a sua capacidade ou sabedoria revela com perguntas nossa ignorância e maldades de julgar o saber com cicuta. 



Umberto Eco pelo mesmo caminho escreveu uma História da beleza para mostrar que a feiura está em como olhamos para o mundo não naquilo que nos cerca. "A beleza do universo não é apenas unidade na variedade, mas também diversidade na unidade." Aprender a enxergar e definir o que consideramos unidade e diversidade talvez seja as primeiras lições da vida independente da escola. Da mesma forma que Foucault ensina nas relações entre as palavras e as coisas, existem milhares de sujeitos e objetos que invisíveis determinam o que chamamos conhecimento ou ignorância.  


Continuando a pensar com Umberto Eco na relação entre o conhecido, a ignorância e os poderes : “Se a rendição à ignorância e chamá-la de Deus sempre foi prematuro, continua prematuro até hoje.” ou “ A diferença não vem de palavras e obras, más dos olhos com que a igreja julga as palavras e a obra” e “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo.”  Porém quantas teses de Doutorado foram produzidas por religiosos negando o conhecimento? Quantos Giordano Bruno foram queimados na Inquisição ? Como a ignorância sobrevive a Iluminismo, Revolução industrial e Tecnológica cercada por holocausto e guerras ? Sim a Terra plana continua viva!    


Por isso o autor do livro “Como se escreve uma tese “ nos faz refletir que o conhecimento, a ignorância e o desconhecido andam juntos dentro de nós e no mundo em que vivemos. “Talvez a missão daqueles que amam a Humanidade seja fazer com que as pessoas se riam da verdade, porque a única verdade consiste em aprender a libertar-nos da paixão insana pela verdade.” Nos alertando que “ No futuro, a educação terá como objetivo aprender a arte do filtro. Já não fará falta ensinar onde fica Katmandu ou quem foi o primeiro rei da França, porque isso se encontrará em toda parte. Por outro lado, terá que se pedir aos estudantes que analisem quinze sites para determinar qual é para eles o mais confiável. Haverá que lhes ensinar a técnica da comparação" 



O MESTRE DOS IGNORANTES! RESENHA POR ANDRÉ FILARDI.



Um professor francês que atuou na Revolução Francesa vai morar na Holanda. “Lá, assume uma turma de estudos em línguas clássicas e as dificuldades aparecem, pois seus alunos tinham um conhecimento irrisório do francês e ele, tampouco, conhecia o holandês.”


Jacotot, então, é levado a encontrar uma forma de comunicação possível, algo que mediasse suas atividades com os alunos. Por essa época saía uma edição francês-holandês de Telêmaco. Este foi o meio utilizado por Jacotot para iniciar seus trabalhos. Propôs aos alunos, por meio de intérprete, que lessem o Telêmaco bilíngue e se exercitassem no francês o máximo possível. Ao cabo de algum tempo qual não foi sua surpresa ao notar que os holandeses se deram tão bem na tarefa quanto qualquer pessoa que tivesse um bom conhecimento do francês. 


A partir dessa experiência, refletiu que o ensino poderia se configurar sem mestre explicador, ou seja, refletiu que os métodos educacionais vigentes até aquela época, nos quais se colocava uma ênfase excessiva nas explicações de um mestre, um professor, poderiam ser repensados. E desenvolveu, a partir dessas ideias iniciais, o ensino universal e o método universal que constituem em levar as pessoas a desenvolverem suas capacidades de maneira mais autônoma, emancipadora, conforme ele coloca. 


Ao mestre caberia propor, por exemplo, que o aluno, a partir de Telêmaco, aprendesse a ler comparando e relacionando os fatos, exercitando e decorando as letras, palavras e assim por diante.


A base do método é o reconhecimento de que todas as inteligências são iguais e que o professor não precisa, necessariamente, saber da matéria que está ensinando, mas deve acompanhar o trabalho do aluno a partir da materialidade do objeto e de seu discurso. As perguntas, portanto, seriam em torno de tal eixo: o que vês? O que pensas? O que fazes com isto? Jacotot vai mais longe ao propor que seu método leva à emancipação enquanto que o método utilizado até então, e que tem por base a explicação e a hierarquia entre professor/aluno, entre quem é instruído e quem não é, opera sob a lógica do embrutecimento. 


Assim, a educação reproduziria as diferenças que ela mesma se propõe a reduzir. Se a redução das desigualdades é o objetivo, então há que se considerar que todas as inteligências têm capacidades semelhantes de aprendizado. Neste sentido, embrutecimento é a submissão do aluno à inteligência do professor e emancipação é a capacidade de operação em todos os sentidos, operar de forma autônoma: “... aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto, segundo o princípio de que todos os homens têm igual inteligência”. (RANCIÈRE, 2002). Tudo está em tudo. 



O CONHECIMENTO SEM TESES NEM CONCLUSÕES! A JORNADA PELO MISTÉRIO E O DESCONHECIDO.

  

Descobrimos o desconhecido no interior do conhecido e do cognoscente. Achamos que conhecemos, mas nos deparamos com interrogações, com a ignorância do que não se conhece. Quem pensa saber muito, é um tipo de loucura ? poderia como Borges classificar por outros caminhos e criar novas ordens ? Quando, de fato, ignoramos muito mais e se nos impõem densos mistérios a desvendar. Somos grãos de poeira cósmica diante do infinito, cujo restrito conhecimento nos recomenda a humildade, em vez das vaidades e competições, acadêmicas e não acadêmicas. Nesta relação circular do avanço do conhecimento, das descobertas de limites e da percepção do mistério, escreve Morin, depara-se o mistério. Ou tudo o que se elucida (palavra originada de luz) se torna obscuro, sem cessar de elucidar-se. 


A Bomba atômica é um tipo de conhecimento, assim como as drogas ou instrumentos do mercado financeiro. Elas revelam muito mais nossa ignorância sobre a vida e a humanidade sem as quais estas ignorâncias e maldades que levaram a milhões de feiura e mortes nunca teriam sido produzidas. Talvez seguindo Umberto eco, Foucault, Ranciere, Morin seja necessário e urgente continuar a escrever uma teoria do conhecimento sobre como ele é gerado por caminhos cada vez mais complexos, interdisciplinares, sistêmicos; e o que realiza de útil, bom, verdadeiro, e justo mas também suas ignorâncias, maldades, feiura em nossa busca pelo mistério e o desconhecido.  





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