Um grande amor pode surgir das formas mais imprevisíveis. Para o filósofo Jean-Paul Sartre, o amor é um projeto existencial—algo que damos significado através de nossas escolhas. Já Friedrich Nietzsche via o amor como uma força poderosa, capaz de elevar ou destruir, pois, como ele dizia, "há sempre algum loucura no amor, mas há sempre alguma razão na loucura".
Mas por que alguns amores duram mais que outros? A ciência oferece algumas respostas. O antropólogo Helen Fisher explica que o amor romântico ativa sistemas cerebrais associados à motivação e à recompensa, liberando dopamina e criando uma dependência emocional. Já o psicólogo John Bowlby, com sua teoria do apego, mostra que os laços formados na infância influenciam como vivenciamos o amor na vida adulta—amores intensos muitas vezes reativam padrões de ligação profundos.
E quando esse amor acaba? Como seguir em frente? O filósofo Arthur Schopenhauer diria que o sofrimento amoroso é parte inevitável da vida, já que o desejo é uma fonte permanente de insatisfação. Mas Epicteto, estoico, lembraria que não são os eventos que nos machucam, e sim a forma como os interpretamos. A ciência contemporânea reforça isso: estudos sobre neuroplasticidade mostram que o cérebro é capaz de se reconfigurar após uma perda, criando novos caminhos emocionais.
Para Clarice Lispector (embora não seja filósofa, sua prosa filosófica é essencial), "Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome." Esquecer um grande amor não significa apagá-lo, mas ressignificá-lo. A física Marie Curie, que enfrentou perdas devastadoras, mostrou que mesmo na dor é possível encontrar um novo propósito.
Então, como retomar a vida? Albert Camus sugeriria abraçar o absurdo da existência—aceitar que o amor foi e se foi, mas que a vida continua cheia de possibilidades. Aos poucos, como diria o poeta Vinicius de Moraes, "que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure."
O grande amor fica na memória, mas não precisa governar o futuro. Como ensina a filosofia e confirma a ciência, recomeçar não é trair o passado—é honrar a própria capacidade de renascer.
Muito do que aprendi, aprendi lendo livros. Se, por um lado, senti que minha vida de infância sempre foi meio desprovida de acontecimentos muito marcantes, era nas histórias de ficção que tinha acesso a outras realidades, outras culturas, viajava para países que apenas sonhava em conhecer no futuro – alguns deles os quais inclusive conheci pela segunda vez presencialmente, depois de ter conhecido através das páginas que lia.
Fazer análise é como se alfabetizar em uma língua que você na verdade sempre falou. Não só do jeito lacaniano de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem , com as metáforas que estruturamos para falar o que está implícito na nossa repetição, o que de nosso existe em tudo o que dizemos e de que nos queixamos. Mas muito mais também no sentido de que, em certo ponto de um processo de análise, o sujeito se dá conta de que toda a verdade que carrega sobre si é, em essência, ficção.
Empresto uma citação do livro Léxico Familiar, da italiana Natalia Ginzburg, para ilustrar o que tento transmitir – porque a literatura, entre muitas outras coisas, também me traduz um pouco: “Os livros extraídos da realidade frequentemente não passam de tênues vislumbres e estilhaços de tudo o que vimos e ouvimos”. Apesar de se tratar de uma não ficção na tentativa de retratar um recorte de sua vivência familiar, o autor pede em sua introdução: leiam-me como um romance.
Cada sujeito que me escuta traz uma não-ficção que é leio como romance. Por definição própria, com a informalidade de que o estilo desse texto me permite — da qual tentarei não abusar, apesar de tentar —, um romance implica a marca da ficção, aquilo que não tem necessariamente compromisso com a releitura exata da realidade e de como as coisas aconteceram. O inconsciente, na minha leitura, funciona e se mostra em análise de maneira semelhante: não existe leitura exata da realidade , uma vez que a fantasia (aqui não falamos de gênero literário) está sempre interceptando tudo o que nos afeta, determinando o que nos atravessa. Exercício rápido: caso esteja em análise, tenho certeza de que você fecha os olhos e consegue ouvir a pergunta do seu analista: “ como é isso para você? ” — ou algumas das variações semelhantes. Te explico muito rapidamente que essa pergunta aparece porque existe uma diferença fundamental entre o que aconteceu e como isso te atravessou — e essa diferença é marcada pela fantasia que sustenta cada um de nós.
Lembro de pensar que só quando temos a sorte de encontrar livros muito bons é que temos a oportunidade de ler o que de pior se passa na cabeça das personagens , sem o pudor de precisar ser socialmente aceitável ou “algo que se diria em voz alta”. Algo do desejo cru, aquela coisa que se pensa antes de dormir e depois automaticamente vem a censura e a noção de que ninguém nunca pode saber.
Isso me enlaça e acredito que sempre vai enlaçar: ter acesso a aquilo que, em outras situações, não seria possível de ser dito, algo do que se popularmente julga como sendo o pior, o resto, o indizível. Em cada história que lemos, está escrito o cru da experiência vivente. Em cada pauta que levamos para a nossa análise, está em jogo mais ou menos algo muito parecido. Seu analista quer ouvir, de você, o que você não falaria em mais nenhum lugar.
Claro que não sou especial, e Freud já dizia um pouco disso em seu tempo. Uma citação do velho que eu amo é do texto “A Feminilidade”, no qual ele reafirma a posição antiga de que a arte sempre vem antes da psicanálise dizendo que, caso queiramos saber mais, perguntamos então aos poetas. Através da ficção de tantos autores que sempre foram queridos, encontrei também uma via possível de apreender muito da psicanálise. É surpreendente como a arte fornece lentes para que possamos enxergar melhor o que estava nublado.
Por que eu acho que o processo de uma análise se diferencia um pouco do hábito de leitura? Porque estamos sempre lidando com ficção — seja ela criada por nós mesmos, na tentativa de explicar nosso mundo de uma maneira que faz sentido (e é aí que muitas vezes mora a angústia), seja ela escrita em páginas por um autor. Uma diferença fundamental? Uma vez que, em análise, nos alfabetizamos em nossa língua, chega a próxima questão: o que fazer agora que sei ler o meu texto?
E você, sente-se preparado para fazer o movimento de ler a própria ficção que vem escrevendo a vida toda?
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