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domingo, 21 de setembro de 2025

3 pontos para entender a batalha no Congresso pela anistia de Bolsonaro (e a mobilização da esquerda para tentar barrar)

 

Manifestantes contra anistia em ato do 7 de Setembro

Crédito,Agência Brasil

Legenda da foto,Câmara dos Deputados acelera proposta de anistia, mas o impasse sobre qual pode ser o benefício para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros condenados por crimes contra a democracia continua
    • Author,Mariana Schreiber
    • Role,Da BBC News Brasil em Brasília

A Câmara dos Deputados decidiu acelerar uma proposta de anistia, mas o impasse sobre qual pode ser o benefício para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros condenados por crimes contra a democracia continua.

Enquanto parlamentares bolsonaristas querem um amplo perdão que livre o ex-presidente da prisão e o libere para disputar a eleição de 2026, a esquerda resiste a qualquer suavização de sua condenação no Supremo Tribunal Federal (STF) por liderar uma tentativa de golpe de Estado.

É nesse contexto que o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) tenta reunir apoio para uma proposta intermediária, que reduza penas, em vez de perdoar crimes. No caso de Bolsonaro, ele foi condenado a mais de 27 anos de prisão.

Paulinho foi escolhido pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para ser o relator da proposta, ou seja, o responsável por redigir o texto final a ser votado, após negociação com outras lideranças políticas.

Ele ganhou esse papel por ter boa relação com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e um perfil mais independente no Congresso, não sendo aliado nem do campo bolsonarista, nem do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O relator já declarou que uma anistia ampla como deseja Bolsonaro e seus aliados "é impossível". A ideia de apenas reduzir penas, sem perdoar crimes, tem o apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Enquanto as negociações caminham nos bastidores, movimentos e artistas ligados à esquerda, como Anitta e Caetano Veloso, convocaram para domingo (22/9) atos em diversas cidades do país contra qualquer anistia.

A mobilização é impulsionada também pela reação à PEC da Blindagem, alteração da Constituição aprovada na Câmara para proteger parlamentares de processos criminais.

Entenda a seguir em três pontos "o cabo de guerra" para aprovar a anistia e a mobilização contra.

As negociações de Paulinho da Força

Paulinho da Força cercado de jornalistas

Crédito,Agência Brasil

Legenda da foto,Paulinho da Força deseja levar proposta à votação na quarta-feira
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O relator da proposta iniciou a articulação para uma proposta intermediária na noite de quinta-feira (18/9), com um jantar em São Paulo com o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), ex-presidente da Câmara.

Durante essa reunião, Temer ligou para os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, segundo Paulinho da Força contou ao portal Metrópoles.

Mendes é antigo amigo de Temer, enquanto Moraes foi indicado por ele para entrar no STF, em 2017, quando era seu ministro da Justiça.

Após essa reunião, o relator deu novas declarações na sexta-feira (20/9) reforçando o foco em uma proposta que apenas reduza punições.

"O projeto de lei que teve urgência aprovada não se tratava mais da anistia. Nós estamos tentando mudar o nome do PL, é um 'PL da Dosimetria'. Ou seja, estamos tratando de um projeto de lei para reduzir penas", disse à rádio CBN.

Esse caminho sofreria menos resistência no Supremo, enquanto a aprovação de uma ampla anistia no Congresso tende a ser considerada inconstitucional pela maioria da Corte.

Ao menos seis ministros do STF já se manifestaram em votos ou falas públicas contra a possibilidade de um perdão para crimes contra a democracia — Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a conjuntura política deve ajudar Paulinho a construir um acordo para aprovar uma alternativa mais branda à anistia.

"Acho que é uma escolha de um nome [para relator] que ficou distante do governo [Lula] e que enxerga nas mudanças potenciais em São Paulo, dado a possibilidade do projeto [presidenciável] do governador Tarcísio, uma oportunidade de aumentar capital eleitoral".

"Esse movimento parece ser reflexo de uma parcela da elite política que, de fato, enxerga nessa conjuntura a possibilidade de retomar o protagonismo no campo antipetista, status que foi tomado pelo Bolsonaro".

Paulinho falou também, na sexta-feira, que tem pressa para votar a proposta e que tentará que ela seja analisada pela Câmara na próxima quarta-feira (24/9).

Ao portal UOL, disse que fará nos próximos dias reuniões com governadores e as bancadas dos partidos na Câmara.

O relator já procurou governadores aliados de Bolsonaro, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

E está em diálogo também com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que mantém bom diálogo com Lula.

Seu objetivo é tentar que os governadores influenciem os deputados dos seus estados

Resistência maior no Senado?

Caso a proposta de alguma anistia ou redução de pena passe na Câmara, terá que ser aprovada também no Senado.

O presidente da Casa, Alcolumbre, tem se queixado das pressões do campo bolsonarista e se coloca contra uma "anistia ampla".

Ele disse na quinta-feira já ter uma proposta alternativa pronta, mas não detalhou seu conteúdo.

"Vou esperar o que a Câmara vai decidir primeiro. O texto está pronto, mas vou esperar lá", afirmou.

"Se não resolverem, na semana que vem eu vou tomar uma decisão", continuou.

Alcolumbre, em sessão do Senado

Crédito,Agência Senado

Legenda da foto,Alcolumbre é contra anistia ampla, defendida por bolsonaristas

A expectativa é que o texto proponha apenas redução de penas. Não está claro, porém, se a versão de Alcolumbre contemplaria apenas envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, sem beneficiar os condenados por liderar a tentativa golpista, como Bolsonaro.

A ideia tem sido criticada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

"A anistia tem que ser pra todo mundo. Não dá pra anistiar a Débora do Batom sem anistiar também o Jair Bolsonaro. Sabe por quê? Porque eles estão respondendo pelos mesmos crimes", disse, durante ato pela anistia no Rio de Janeiro, em 7 de setembro.

Já o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, fez duras críticas a Alcolumbre nesta sexta-feira e prometeu travar a pauta do Senado se Alcolumbre não colocar a proposta de anistia em votação.

Para isso, ele diz contar com o apoio da maioria do PSD, do PP, do Republicanos e do União Brasil, além do seu partido.

Valdemar falou ainda que o atual presidente do Senado não vai conseguir se reeleger no comando da Casa, caso não colabore com o andamento da anistia.

"Ele trabalha para o Supremo, ele não trabalha para o Senado, mas vai pagar caro por causa disso. Vai pagar caro, se ele não se comportar como um presidente do Senado tem que se comportar", disse Valdemar, em entrevista à rádio Itatiaia.

Rafael Cortez, da Tendências, vê espaço para o Senado aprovar reduções de penas" talvez numa versão mais suave".

"Acho que o governo vai tentar, contudo, manter o projeto sem referência ao núcleo decisório e mais para os 'peixes pequenos'", ressaltou.

Isso, porém, traz riscos para o governo, nota o cientista político, ao manter o impasse sobre a anistia. Ele ressalta que o governo está interessado em superar esse tema para que seu "pacote" reeleição ande no Congresso, como a proposta de elevar a isenção do Imposto de Renda para pessoas com ganhos de até R$ 5 mil ao mês.

"O que realmente vai contar [para aprovar algum benefício aos condenados] é se o bolsonarismo aceita versão light e se o governo está disposto a pagar a conta para ter o pacote de reeleição", reforça.

Em entrevista exclusiva à BBC na quarta-feira, Lula afirmou que vetaria uma proposta de anistia. Projetos de lei precisam ser sancionados ou vetados pelo presidente, mas o Congresso também pode derrubar um eventual veto.

O impacto dos atos convocados para domingo contra anistia

Atos contra a anistia e a PEC da Blindagem estão previstos para diversas capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Belém e Porto Alegre.

A convocação ganhou peso com a participação de grandes artistas. Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil estão anunciados para cantar na manifestação marcada para a tarde, em Copacabana.

"A gente tem que ir pra rua, pra frente do Congresso, como já fizemos outras vezes", convocou Caetano em suas redes sociais.

Pesquisas indicam que a maioria da população é contra a anistia, mas o apoio à proposta é significativo.

Segundo pesquisa Datafolha da última semana, 54% se opõem ao perdão para Bolsonaro, enquanto 39% apoiam a medida.

Já a aprovação da PEC da blindagem na Câmara gerou forte reação nas redes sociais, da esquerda à direita.

Apesar disso, o cientista político Rafael Cortez avalia que a convocação dos atos está claramente ligada à esquerda e não deve atrair uma participação social maior, limitando seu impacto.

"Minha leitura é que [essa mobilização] não altera o jogo de forma relevante, diante da dificuldade de mobilizar um número mais expressivo para se tornar pressão para além do campo da esquerda", disse.

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