
- Alessandra Corrêa
- De Washington para a BBC News Brasil
A decisão dos Estados Unidos de sancionar a "rede de apoio do juiz brasileiro Alexandre de Moraes", ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é o exemplo mais recente de como o governo de Donald Trump tem atacado ou tentado interferir no Poder Judiciário de outros países em processos envolvendo aliados.
No caso brasileiro, o governo americano vem adotando uma série de medidas desde o meio do ano em resposta ao que descreve como "perseguição" sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao longo do processo judicial contra o ex-presidente brasileiro, Trump se pronunciou várias vezes reclamando do que considera uma "caça às bruxas" contra seu aliado ideológico.
Ao mesmo tempo, impôs diversas sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, como as tarifas de 50% sobre vários produtos brasileiros, a revogação de vistos de brasileiros ligados ao programa Mais Médicos e restrições financeiras a Moraes por meio da Lei Magnitsky.
As ações contra o Brasil se destacam pela severidade, mas não são a primeira vez que Trump quebra o protocolo diplomático ao acusar juízes e promotores de outros países por uma suposta "caça às bruxas".
Trump também usa esse termo para se referir a processos na Justiça enfrentados por ele próprio após seu primeiro mandato.
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"O governo Trump já criticou processos judiciais em outras democracias, como Israel, França e Colômbia", diz à BBC News Brasil o especialista em democracia Thomas Carothers, diretor do Programa de Democracia, Conflito e Governança do Carnegie Endowment for International Peace (Fundo Carnegie para a Paz Internacional), em Washington.
"Mas, nesses casos, as críticas foram apenas verbais, como mensagens nas redes sociais do presidente Trump ou do secretário de Estado, Marco Rubio. Não envolveram o mecanismo de sanções."
"O que é incomum no caso brasileiro, em comparação com esses outros, é a intensidade das ações do governo Trump. Eles realmente parecem estar atacando o Brasil de uma forma muito mais dura", afirma Carothers.
Nesta terça-feira (23/09), um dia após o anúncio das novas sanções contra autoridades brasileiras, Trump disse que teve um breve encontro com presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que discursou antes dele na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Ainda não está claro se a conversa ocorrerá pessoalmente ou por telefone, mas o aceno de Trump pode representar uma abertura para negociação em meio à escalada de tensão recente entre os dois países.
As novas medidas contra o Brasil

As novas sanções, anunciadas na segunda-feira (22), incluíram na lista de alvos da Lei Magnitsky a mulher de Moraes, Viviane Barci de Moraes, e a empresa LEX - Instituto de Estudos Jurídicos, que pertence à família do magistrado.
Também foram revogados os vistos de sete autoridades brasileiras ligadas ao Judiciário e à Justiça Eleitoral — como já havia sido feito anteriormente contra juízes do STF e familiares.
A Lei Magnitsky, que pune estrangeiros por graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção, já havia sido usada para aplicar sanções econômicas contra Moraes em 30 de julho.
Aquela foi a primeira vez que uma autoridade brasileira recebeu esse tipo de punição, geralmente aplicada em casos de crimes como tortura ou assassinato. A lei já foi usada contra ditadores e terroristas.
"O que é incomum aqui é usar as sanções Magnitsky para punir um juiz e sua família em um país democrático", afirma Carothers.
"Os Estados Unidos se inserirem na política de um país democrático e tentarem tomar partido em questões políticas internas que, neste caso, não são sobre irregularidades óbvias por parte do governo", observa.
Na época das primeiras sanções a Moraes, a justificativa do secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, foi a de que o ministro seria "responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".
No anúncio desta semana, uma nota à imprensa em nome do secretário de Estado, Marco Rubio, acusou Moraes de usar "sua posição a fim de instrumentalizar tribunais, autorizar detenções preventivas arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão".
"Aqueles que protegem e permitem que atores malignos estrangeiros como Moraes ameacem os interesses dos EUA também serão responsabilizados", conclui a nota.
Em resposta ao novo anúncio, o Itamaraty divulgou comunicado manifestando "profunda indignação" com o que descreveu como "nova tentativa de interferência indevida em assuntos internos brasileiros" e "um novo ataque à soberania brasileira".
As sanções contra o Brasil ao longo dos últimos meses foram adotadas ao mesmo tempo em que um dos filhos do ex-presidente Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mudou-se para os Estados Unidos e iniciou articulações junto ao governo americano para tentar pressionar pela absolvição do pai.
Posts em defesa de aliados em Israel e França
Além das sanções, Trump também saiu em defesa de Jair Bolsonaro em sua rede social, a Truth Social.
Em uma postagem de julho, o republicano disse que o ex-presidente brasileiro era alvo de um "ataque a um adversário político".
"Algo que eu conheço muito bem! Aconteceu comigo, vezes 10", afirmou o republicano. "Estarei assistindo à caça às bruxas de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores, muito de perto."
Tom semelhante foi usado pelo presidente americano em postagens questionando decisões judiciais contra aliados em outros países.
Nesses posts, Trump, que foi alvo de vários processos após a derrota na eleição de 2020, costuma traçar paralelos com sua própria experiência.
"É sempre sobre ele", diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University.
"Você pode pensar que é sobre um amigo dele no exterior ou algo parecido, mas tudo se resume a ele e à forma como ele é visto."
Em abril, após a condenação da líder da direita radical francesa Marine Le Pen por desvio de fundos da União Europeia, Trump disse que "a caça às bruxas contra Marine Le Pen é outro exemplo de esquerdistas europeus usando a guerra jurídica para silenciar a liberdade de expressão e censurar seus oponentes políticos".
"É a mesma estratégia que foi usada contra mim por um grupo de lunáticos e perdedores", postou o presidente após a decisão judicial francesa, que declarou Le Pen inelegível por cinco anos, impedindo que concorra à Presidência na eleição de 2027.
Na ocasião, o então primeiro-ministro da França, François Bayrou, criticou a declaração de Trump como "interferência".

Em junho, Trump usou a Truth Social para criticar processos judiciais contra Benjamin Netanyahu por acusações de fraude, quebra de confiança e aceitação de subornos.
"Como é possível que o primeiro-ministro de Israel possa ser forçado a ficar sentado em um tribunal o dia todo, por nada", questionou Trump, lembrando que o líder israelense precisava conciliar o julgamento com os conflitos com o Irã e o Hamas.
"É uma caça às bruxas [com motivação] política, muito semelhante à caça às bruxas que eu fui forçado a aguentar", postou o presidente, descrevendo o caso como "insanidade" e os promotores como "fora de controle".
"Os Estados Unidos gastam bilhões de dólares por ano, muito mais do que com qualquer outra nação, para proteger e apoiar Israel", escreveu Trump na ocasião. "Não vamos tolerar isso."
Intromissão em processos legais legítimos
Os Estados Unidos também criticaram processos judiciais na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe foi condenado em julho por corrupção passiva de testemunhas e fraude processual.
Nesse caso, as declarações não vieram diretamente de Trump, mas do secretário de Estado, que postou na rede X (antigo Twitter) que o "único crime" de Uribe teria sido "lutar incansavelmente e defender sua pátria".
"A instrumentalização do poder judiciário da Colômbia por juízes radicais agora estabeleceu um precedente preocupante", disse Rubio, após a condenação.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, respondeu: "O mundo deve respeitar os juízes da Colômbia."
O Departamento de Estado dos EUA criticou ainda processos judiciais no Reino Unido, em uma atitude considerada "incomum" por alguns observadores. Esses casos não envolviam líderes políticos.
Em março, o departamento afirmou estar "preocupado com a liberdade de expressão no Reino Unido" e avisou estar monitorando o julgamento de uma ativista antiaborto.
Meses depois, disse que iria monitorar o caso de outra mulher, condenada por incitar ódio racial online.
Esses exemplos, em que o governo americano questionou a imparcialidade de sistemas judiciais de cujas decisões discordou, são considerados por especialistas uma quebra das normas e convenções que regem as relações entre os Estados.
"É uma intervenção nos assuntos internos de um país estrangeiro", resume Belt.
"Os Estados Unidos têm um histórico de intervir [no passado], especialmente na América Central e na América do Sul, quando houve resultados eleitorais de que não gostamos", observa.
"Mas isso de forma tão aberta, tão descarada e tão pública não é algo que se faça normalmente."
Carothers, do Carnegie Endowment for International Peace, ressalta que não se trata de regimes autoritários, e sim de países amigos.
"Os Estados Unidos estão punindo juízes em uma democracia aliada, ou criticando ações judiciais em outras democracias", afirma.
"Estão se inserindo em processos legais legítimos em outras democracias."
Sem impacto nas decisões
Para Belt, os ataques ao Judiciário de outros países servem também para reforçar a narrativa do governo Trump de que a direita está sendo oprimida e é alvo de um Estado paralelo e de corrupção.
"Quanto mais ele puder fazer isso internacionalmente, mais isso legitima os ataques que ele faz contra [alvos do Judiciário] nos Estados Unidos, internamente", ressalta.
Trump já criticou juízes e tribunais americanos diversas vezes por decisões que o desagradaram sobre vários temas, desde imigração até tarifas.
Até agora, as tentativas de intromissão de Trump não tiveram impacto nas decisões judiciais nem do Brasil nem dos outros países que foram alvos de ataques.
"As críticas aos sistemas judiciais de outros países não fizeram com que esses sistemas mudassem o que estão fazendo", salienta Carothers. "Não parecem ter tido qualquer efeito direto em parar este tipo de processo."
Para Carothers, um dos objetivos do governo americano também pode ser deixar outros países avisados de que, caso lancem processos judiciais semelhantes, desagradarão os Estados Unidos.
Belt sugere que Trump pode querer apenas gerar incerteza.
"Uma coisa é tentar criar um resultado diferente [nos processos judiciais em outros países]. Outra é simplesmente turvar as águas, gerar confusão e incerteza".
"E Donald Trump adora criar incerteza. Se você ler seu livro A Arte da Negociação, a criação de incerteza é algo absolutamente central para a maneira como ele faz negócios. E a maneira como ele governa é muito semelhante à maneira como ele faz negócios."
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