SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

O que é uma Política de Desenvolvimento de Economia Ecológica? Por Egidio Guerra



 Uma política de desenvolvimento de economia ecológica é um conjunto de ações estratégicas e coordenadas por um governo ou comunidade que visa reorientar o sistema econômico para operar dentro dos limites ecológicos do planeta, ao mesmo tempo que promove justiça social, equidade e o bem-estar humano. Ela se opõe diretamente ao paradigma de crescimento econômico infinito, que trata o meio ambiente como uma fonte inesgotável de recursos e um sumidouro infinito de resíduos. 

Princípios Fundamentais (com base em autores acadêmicos): 

  1. Biofísica (Nicholas Georgescu-Roegen): A economia é um subsistema de um sistema finito e não crescente: a biosfera. Toda atividade econômica está sujeita às leis da termodinâmica ( entropia). O crescimento material contínuo é impossível a longo prazo. 

  1. Scale, Justice, Efficiency (Herman Daly): Um economista ecológico propõe que se deve: 

  1. Limitar a escala da economia humana para que ela se encaixe de forma sustentável no ecossistema (Scale). 

  1. Distribuir justamente os recursos e a riqueza (Justice). 

  1. Otimizar a alocação de recursos de forma eficiente (Efficiency), mas sempre após atender aos dois primeiros princípios. 

  1. Desmaterialização da Economia: Reduzir o throughput (fluxo de matéria e energia) na economia, promovendo a eficiência de recursos, a energia renovável e a economia circular. 

  1. Bem-estar vs. Crescimento: O objetivo final não é o crescimento do PIB, mas a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar humano (conceito ampliado para incluir saúde, comunidade, tempo livre, ambiente saudável). 

 

Críticas à Globalização Padronizadora: O Pensamento de Walter Benjamin e Outros 

Aqui reside o cerne econômico da globalização sobre a destruição de culturas e singularidades. 

  • Walter Benjamin (1892-1940): O filósofo alemão, embora não tenha escrito diretamente sobre ecologia, oferece ferramentas críticas poderosas. Em sua obra "Sobre o Conceito de História", ele critica a ideia de progresso como um contínuo e inevitável avanço linear rumo a um futuro melhor. Para Benjamin, esse "progresso" é uma tempestade que arrasta o anjo da história para longe do paraíso, um paraíso que é o passado, cheio de ruínas e catástrofes não resolvidas. Esse "progresso" é, na verdade, uma máquina de destruição que: 

  • Homogeneiza e Esmaga Singularidades: A standardização globalizante ignora as narrativas, histórias, valores e modos de vida únicos de cada lugar, tratando-os como obstáculos ao "desenvolvimento". 

  • Cria uma "Tradição dos Oprimidos": A história oficial é escrita pelos vencedores (os promotores desse progresso), apagando a voz e a experiência dos que foram sacrificados em seu nome (comunidades indígenas, culturas locais, ecossistemas). 

  • Perda da "Aura": Em sua obra de arte, Benjamin fala da "aura" como a qualidade única, autêntica e contextualizada de um objeto ou experiência. A globalização, ao massificar e comercializar tudo, destrói essa "aura" das culturas locais, transformando-as em mercadorias fetichizadas para o turismo ou em obstáculos a serem removidos. 



  • Outros Pensadores: Serge Latouche


  • (Teoria do Decrescimento):
     Critica ferozmente o "imperialismo" da economia ocidental e a "ocidentalização do mundo". Defende a "descolonização do imaginário" – libertar as mentes da ideia de que o crescimento e o consumo são os únicos fins da vida. Propõe a revalorização das economias locais, dos saberes tradicionais e da autonomia cultural. 


  • Vandana Shiva (Ecofeminismo): Argumenta que a globalização e a agricultura industrial monocultural são um "monocultura da mente" que destrói a biodiversidade (tanto cultural quanto biológica). Ela defende a soberania alimentar e o conhecimento ecológico tradicional das mulheres e comunidades locais como antídotos para essa destruição padronizada. 

 

Exemplos de Políticas Públicas que Respeitam Identidade, História e Cultura 

Estes casos ilustram como o desenvolvimento ecológico pode ser contextualizado e não-impositivo. 

Buen Vivir / Sumak Kawsay (Equador e Bolívia): 


  1. O que é: Não é apenas uma política, mas um princípio constitucional. É um conceito proveniente das cosmovisões indígenas andinas que coloca a harmonia coletiva entre seres humanos e natureza no centro da organização social e econômica. O objetivo não é "ter mais" (acumulação), mas "viver bem", em plenitude. 

  1. Respeito à Cultura: É a incorporação de um saber indígena tradicional no cerne do Estado-nação, invertendo a lógica de dominação cultural. A natureza é reconhecida como sujeito de direitos (a Pacha Mama - Mãe Terra). 



  1. Agricultura Orgânica e Agroecologia (Diversos Países): 

  1. O que é: Políticas que incentivam práticas agrícolas que dispensam insumos químicos, privilegiam sementes crioulas (não transgênicas) e se baseiam no conhecimento tradicional de rotação de culturas, consórcio de plantas, etc. 

  1. Respeito à Cultura: Fortalece a soberania alimentar das comunidades, protege os saberes ancestrais ligados à terra, preserva a biodiversidade de sementes (contra a padronização das multinacionais) e mantém a vitalidade do mundo rural, que é um repositório de cultura e identidade. 



  1. O que é: Políticas que concedem a comunidades tradicionais e povos indígenas o direito de manejar e explorar economicamente de forma sustentável as florestas onde vivem (coleta de castanhas, borracha, frutos, madeira manejada). 

  1. Respeito à Cultura: Reconhece que esses povos não são o problema, mas a solução para a preservação. Sua sobrevivência econômica está diretamente ligada à saúde da floresta, e seu modo de vida é culturalmente adaptado a esse ecossistema há milênios. É o oposto do modelo padronizado de desmatar para criar pasto ou soja. 


  1. Turismo de Base Comunitária: 

  1. O que é: Diferente do turismo massificado, este modelo é gerido e controlado pela comunidade local, que define os limites, as atividades e recebe a maior parte dos benefícios. 

  1. Respeito à Cultura: Os visitantes são convidados a experimentar a cultura autêntica, a culinária local, os ritmos e histórias do lugar, e não a encontrar um "resort" padronizado que poderia estar em qualquer lugar do mundo. A cultura local é o principal ativo, e não é descaracterizada. 

A Ética Econômica de Amartya Sen 

O pensamento do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998) é fundamental para esta discussão. Sen argumenta que o desenvolvimento não pode ser medido apenas pela renda ou pelo PIB. Para ele, o verdadeiro desenvolvimento é o processo de expansão das liberdades reais (capabilities) que as pessoas desfrutam para levar o tipo de vida que valorizam. 

  • Crítica à Padronização: Uma política de desenvolvimento imposta, que ignora o que as pessoas locais valorizam, é antiética e ineficaz. O que uma comunidade pode valorizar pode não ser o consumo de bens industriais, mas a manutenção de suas relações sociais, a prática de sua religião, ou a vivência em um ambiente ecologicamente equilibrado. 

  • Ecologia e Ética: A degradação ambiental limita severamente as "capabilities" das pessoas. Poluição nega a capacidade de ter saúde. A destruição de um rio para uma mineradora nega a capacidade de pescar, de ter água limpa e de praticar rituais culturais ligados a esse rio. Portanto, uma ética econômica, na visão de Sen, é aquela que prioriza a ampliação dessas liberdades, o que está intrinsecamente ligado à preservação ecológica e ao respeito à autonomia cultural. O desenvolvimento deve ser um processo deliberativo e participativo, onde as comunidades podem escolher seu próprio caminho, e não ter um caminho único (o da globalização neoliberal) imposto a elas. 

Conclusão 

Uma verdadeira política de desenvolvimento de economia ecológica é, portanto, radicalmente oposta ao modelo homogeneizante da globalização. Ela exige: 



  1. Uma mudança de objetivo: Do crescimento do PIB para o bem-estar ecológico e social. 

  1. Uma mudança epistemológica: Da superioridade do conhecimento técnico-científico ocidental para um diálogo de saberes com os conhecimentos tradicionais e locais. 

  1. Uma ética baseada na justiça: Tanto intergeracional (para com as futuras gerações) quanto intrageneracional (respeitando a diversidade cultural e a autonomia dos povos para definir seu próprio conceito de "vida boa"), tal como proposto por Amartya Sen. 

  1. Um respeito profundo pela singularidade: Entendendo, com Walter Benjamin, que o "progresso" que destrói histórias, culturas e ecossistemas únicos em nome de um padrão global é, na verdade, uma forma de violência e barbárie. 

A economia ecológica, quando praticada com esta sensibilidade, não é apenas uma ferramenta para "salvar o planeta", mas um projeto político e civilizatório para salvar a diversidade da vida e da experiência humana em toda a sua riqueza. 

 

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