SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Jogo da Realidade: Como os Games Estão Remodelando o Mundo por Egidio Guerra.


Durante décadas, os videogames foram vistos como um passatempo, uma fuga da realidade. Hoje, essa percepção está sendo desmontada pixel por pixel. Os games evoluíram de meros entretenimentos para ferramentas poderosas que estão remodelando ativamente a educação, os negócios, as políticas públicas, a arte, a saúde e a própria forma como interagimos com o mundo. Estamos testemunhando a ascensão de uma "ludificação" da vida, onde a fronteira entre o real e o virtual se dissolve, criando um espaço híbrido de engajamento e solução de problemas. 



1. Educação: Aprendizado Imersivo e Divertido 

A sala de aula tradicional está sendo transformada pela gamificação. Jogos como Minecraft: Education Edition permitem que estudantes explorem monumentos históricos, entendam conceitos de geometria e colaborem em projetos complexos, transformando a aprendizagem em uma experiência hands-on. A premissa é simples: em vez de ler sobre a Roma Antiga, os alunos podem construí-la. Esse aprendizado baseado em missões e recompensas aumenta drasticamente a retenção de conhecimento e o engajamento, preparando uma geração para resolver problemas de forma criativa. 


2. Negócios: Engajamento e Produtividade
 


O mundo corporativo abraçou a gamificação para treinar funcionários, fidelizar clientes e aumentar a produtividade. Plataformas como Duolingo
 transformaram o maçante aprendizado de idiomas em uma sequência viciante de lições curtas e recompensas. No ambiente de trabalho, softwares incorporam elementos de game design – como placares de desempenho, medalhas e sistemas de progressão – para motivar equipes e tornar tarefas repetitivas mais palatáveis. O cliente também é envolvido: programas de fidelidade que funcionam como RPGs, onde cada compra é uma "quest" que avança o nível do usuário, são cada vez mais comuns.
 



3. Políticas Públicas e Mudança Social 

Os games são ferramentas poderosas para simulação e conscientização. Foldit, um jogo de quebra-cabeças online, permitiu que jogadores ajudassem cientistas a decifrar a estrutura de proteínas do vírus da AIDS, um problema que a ciência levava anos para resolver. O Games for Change é um festival e uma organização que cataloga e promove jogos que abordam questões sociais, como Papers, Please (sobre imigração e burocracia) e That Dragon, Cancer (uma experiência emocional sobre a luta contra o câncer infantil). Governos usam simulações para planejar cidades inteligentes e testar respostas a desastres naturais em ambientes de risco zero. 




4. Arte: Narrativas Interativas e Emoção 

Videogames são a mais nova e lucrativa forma de arte do século XXI. Títulos como Journey, Gris e The Last of Us transcendem a diversão, oferecendo experiências profundamente emocionais e narrativas complexas que rivalizam com a literatura e o cinema. Eles permitem que o jogador não seja apenas um espectador, mas um agente dentro da história, tomando decisões que moldam o desfecho e provocam uma reflexão única. 



5. Saúde: Reabilitação e Bem-Estar Mental 

Na saúde, os games são revolucionários. VR (Realidade Virtual) é usado para terapia de exposição no tratamento de fobias e TEPT. Jogos de exercício como Ring Fit Adventure (Nintendo Switch) tornam a atividade física acessível e divertida. Um caso emblemático é o da própria pesquisadora Jane McGonigal. Após uma lesão cerebral, ela criou SuperBetter, um jogo que a ajudou em sua recuperação, framework que agora é usado por milhares para desenvolver resiliência e enfrentar desafios de saúde. 



O Programa " Games for Chance" e a Gamificação da Vida 

O conceito vai além de aplicativos isolados. Programas como o "Games for Chance" (ou iniciativas similares) exploram como processos de gamificação podem ser integrados à vida cotidiana, unindo o mundo real ao virtual. Imagine uma cidade onde caminhar até o trabalho, reciclar lixo ou usar transporte público rende "pontos de experiência" que podem ser trocados por descontos em impostos ou serviços. É a ideia de transformar a cidade em uma plataforma jogável, onde cidadãos colaboram para resolver problemas reais através de mecânicas de jogo. 


Base Teórica: Os Profetas do Jogo 

Essa revolução não surgiu do nada. É respaldada por pensadores e obras visionárias: 

Jane McGonigal: Em "A Realidade em Jogo: Por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo", ela argumenta que as habilidades desenvolvidas nos games – como resiliência, colaboração épica e otimismo – são exatamente o que precisamos para resolver os problemas do mundo real. Seu livro "Imaginável: Como prever o futuro e se sentir pronto para tudo" ensina a usar jogos de simulação para "praticar" o futuro e se preparar para o inesperado. Como Alternate Reality Game Designer, ela cria experiências que misturam ficção e realidade para engajar massas. 



Ernest Cline: Em " Jogador Nº 1(e seu filme de Spielberg), ele pinta um futuro onde um game de realidade virtual, o OASIS, se torna a espinha dorsal da sociedade. A obra é uma ficção, mas serve como um alerta e uma inspiração sobre o poder de imersão dos games. 




Fatos Históricos: O lançamento do Pokémon GO em 2016 foi um fenômeno global que demonstrou, de forma inegável, o poder de um game em alterar comportamentos no mundo físico. Milhões de pessoas foram às ruas, exploraram parques e conheceram novos lugares, mostrando o potencial de ARGs (Alternate Reality Games) para promover atividade física e socialização. 



Conclusão: O Futuro é um Jogo a Ser Desenhado 

Não se trata mais de perguntar se os games podem mudar o mundo – eles já estão mudando. Estamos em uma transição, movendo-nos de uma sociedade que consome games para uma sociedade que pensa e opera como um game. A gamificação, quando aplicada com ética e propósito, não é uma fuga da realidade, mas uma ferramenta para redesenhá-la. Ela nos oferece um novo "controle" sobre os problemas mais complexos, transformando desafios intransponíveis em missões possíveis, e convidando toda a humanidade a se tornar coautora de um futuro mais engajado, colaborativo e, quem diria, divertido. O mundo real é a plataforma final, e nós somos os jogadores. 



Um comentário:

  1. Excelente abordagem,necessária a reflexão! Vou levar para debate com meu grupo de professorese educadores! Obrigada!

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