SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Diálogo com Ilya Prigogine: Caos, Incerteza e Tempo por Egidio Guerra

 

A colaboração entre Stengers (filósofa) e Prigogine (físico-químico) foi extremamente fértil e fundamental para moldar o pensamento de ambos. Prigogine foi premiado por seu trabalho em estruturas dissipativas e a seta do tempo na termodinâmica. 

O diálogo deles se concentra em: 

Fim da Ciência da Estabilidade e Previsibilidade: A física clássica (de Newton) e grande parte da ciência moderna operavam sob um ideal de ordem, previsibilidade e reversibilidade temporal. O trabalho de Prigogine mostrou que sistemas complexos e abertos (como um ser vivo, uma cidade, o clima) longe do equilíbrio comportam-se de maneira radicalmente diferente. Eles são sensíveis a flutuações, podem sofrer "bifurcações" (momentos de crise onde o futuro é incerto) e gerar ordem a partir do caos (o título de um livro famoso de Prigogine e Stengers). 

A Flecha do Tempo e a Irreversibilidade: Diferente das leis da física clássica, que são reversíveis no tempo, Prigogine mostrou que a irreversibilidade (a seta do tempo) é uma propriedade fundamental da natureza em sistemas complexos. O tempo não é uma ilusão, mas um operador real que produz novidade e história. Stengers absorve isso filosoficamente: o futuro é radicalmente aberto e incriado. Não pode ser totalmente previsto ou controlado. 

A Incerteza como Oportunidade, não como Falha: A imprevisibilidade inerente a sistemas complexos não é um sinal de ignorância a ser superada, mas uma característica ontológica do real. Para Stengers, essa incerteza é o espaço da criação, da invenção e da responsabilidade. Se o futuro é aberto, nossas ações importam e podem levar o sistema por um caminho ou outro em um ponto de bifurcação. 

Em resumo, o diálogo com Prigogine forneceu a Stengers as ferramentas científicas para sua crítica filosófica. Ela pôde argumentar que a ciência hegemônica, com seu ideal de controle e previsão, estava baseada em uma física ultrapassada. A verdadeira ciência contemporânea, a das complexidades, confirma que habitamos um mundo de múltiplas possibilidades, onde a incerteza e o tempo são constitutivos da realidade. 

 


Diálogo com os Desafios Atuais: Ciência, Mudanças Climáticas e a Cosmopolítica. 

O pensamento de Stengers é profundamente relevante para os desafios do século XXI: 

Diante das Mudanças Climáticas: 

Stengers vê a crise climática como a "intrusa de Gaia" – uma força que não pede licença e impõe sua presença, desestabilizando nossas certezas e modos de vida. 

Ela critica a abordagem tecnocrática que acredita que a solução virá apenas de inovações técnicas (geoengenharia, etc.). Isso seria repetir a mesma lógica de controle que causou o problema. 

Em No Tempo das Catástrofes, ela defende a necessidade de uma "guerra" contra a aceleração capitalista, mas uma guerra que é, antes de tudo, um ato de lentidão consciente e de criação de novas alianças. É preciso "ouvir" o que a Terra (Gaia) está nos dizendo e aprender a composição com ela, não sua dominação. 

A Ciência em Crise: 

Stengers argumenta que a ciência perdeu parte de sua credibilidade não por ser "má", mas por ter se tornado cúmplice de interesses econômicos (a ciência paga por empresas) e por ter adotado uma postura arrogante perante o público. 

Sua proposta da " ecologia das práticas" sugere que os cientistas devem aprender a se comunicar de forma diferente, não como detentores da verdade, mas como produtores de um conhecimento específico, que deve ser avaliado por suas consequências e por sua capacidade de se articular com outros saberes (ex.: o saber dos agricultores sobre o solo, o saber dos povos indígenas sobre a floresta).


 

A Cosmopolítica (Cosmopolitik): 

Este é um conceito crucial. Para Stengers, a política tradicional lida com humanos que falam a mesma língua e partilham um mesmo "cosmos" (uma visão de mundo). A Cosmopolítica é o processo mais difícil e necessário de compor um mundo comum a partir de uma pluralidade de cosmos em conflito. 

Quem participa da assembleia? Não apenas humanos. A Terra (Gaia), os rios, as espécies ameaçadas, os fungos – todos esses "atores não-humanos" devem, de alguma forma, ter seus interesses e existência levados em conta. A política precisa se tornar uma "ecologia", um processo lento e cuidadoso de negociação entre mundos diferentes. 

É uma resposta direta à crise ecológica: como criar uma comunidade política que inclua as forças da natureza que nossa civilização ignorou por tanto tempo? 


Conclusão 

Isabelle Stengers é uma pensadora para um mundo em crise. Sua obra oferece um diagnóstico poderoso dos limites da racionalidade ocidental moderna e propõe ferramentas conceituais ousadas para repensar nossa relação com o conhecimento, com o tempo, com a incerteza e com o planeta. Seu diálogo com Prigogine sobre o caos e a irreversibilidade fornece a base científica para uma filosofia que celebra a abertura do futuro e nossa responsabilidade coletiva em criá-lo, enquanto sua Cosmopolítica é um chamado radical para uma democracia ampliada, capaz de escutar não apenas os humanos, mas toda a trama da vida que nos sustenta e que agora exige uma resposta. 

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