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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

2035: Entre a Extinção e a Metamorfose – O Futuro do Professor em um Mundo em Colapso por Egidio Guerra.

 



A pergunta "Existirão professores em 2035?" não é retórica; é o cerne de um dos debates mais cruciais para o futuro da humanidade. A resposta não é um simples "sim" ou "não", mas um complexo "de que tipo e para quê?". Estamos no epicentro de uma tempestade perfeita que está redefinindo radicalmente o espaço da escola e da universidade, puxada por forças antagônicas: de um lado, a crise humanitária e democrática; de outro, o avanço tecnológico sem precedentes. 



O Cenário de Crise: O Assédio à Educação Pública 

A estatística da UNESCO sobre a falta de 44 milhões de professores no mundo não é um acidente; é um sintoma. Ela convive com um projeto político e econômico que, em muitas partes do globo, busca a desmontagem da educação como um direito universal. 

  • Necropolíticas e o "Custo-Aluno": Propostas como a do movimento "Todos Pela Educação" no Brasil, que sugerem vincular parte do financiamento a resultados em testes padronizados, criam um perverso incentivo para que escolas em contextos vulneráveis excluam os alunos com maior dificuldade. É a lógica da eficiência mercadológica aplicada a um direito social, o que, na prática, nega comida e apoio justamente a quem mais precisa, como denunciado por pesquisadores como Luiz Carlos de Freitas, que em "A Reforma Empresarial da Educação" critica a apropriação da agenda educacional por interesses corporativos. 



  • A Militarização e o Negacionismo: A escalada da extrema direita transformou escolas em campos de batalha ideológica. Nos
    EUA, leis estaduais como a "
    Don't Say Gay" na Flórida e a censura a temas sobre racismo estrutural buscam controlar o currículo. No Brasil, o programa de "Escolas Cívico-Militares" avança, priorizando disciplina e hierarquia em detrimento do pensamento crítico. Este é um projeto claro de formar súditos, não cidadãos, como analisado pela filósofa Marilena Chaui em "Escritos sobre a Universidade".
     




  • Oligarquias e Currais Eleitorais: A persistência de estruturas oligárquicas, principalmente no interior do Brasil, usa a escola como moeda de troca, mantendo-a precária para garantir a dependência da população e perpetuar o poder local. A educação de qualidade, nesse contexto, é uma ameaça. 


A Pressão Tecnológica e as Mudanças Estruturais 

Paralelamente ao assédio político, a tecnologia avança em ritmo acelerado, desafiando os modelos tradicionais. 

  • IA e Personalização do Aprendizado: A Inteligência Artificial, como demonstram plataformas adaptativas, pode assumir a função de instrução programada, corrigir exercícios padronizados e oferecer trilhas personalizadas. Isto levanta a questão: se um algoritmo pode ensinar equações de segundo grau, o que sobra para o professor? 



  • Redefinição do Tempo e Espaço:
     Propostas como a da candidata a reitora da USP, que sugeriu reduzir as quatro horas diárias de aula em favor de mais pesquisa e atividades autônomas, apontam para uma tendência global. Universidades como Stanford e MIT já experimentam com "flipped classrooms" (sala de aula invertida) e micro-certificações. A escola não é mais o único detentor do conhecimento.
     


O Professor em 2035: Do Instrucionista ao Curador de Experiências Humanas. 

Diante desse cenário apocalíptico e promissor ao mesmo tempo, o professor que simplesmente transmite conteúdo estará, de fato, extinto. Mas em seu lugar, emergirá um profissional mais crucial e complexo do que nunca. Seu papel se deslocará para competências que a IA e as máquinas não podem replicar: 



  1. Curador de Saberes e Designer de Experiências: O professor não será um "falador-dono-da-verdade", mas um arquiteto de ambientes de aprendizagem. Ele selecionará os melhores recursos da IA, criará projetos interdisciplinares que conectem mudanças climáticas, inteligência artificial e ética, e guiará os alunos na navegação crítica pelo oceano de informações desordenadas. 



  1. Mentor Socioemocional e Ético: Em um mundo de crises mentais, violência e discurso de ódio, a escola será um refúgio (ou deveria ser). O papel do professor como mediador de conflitos, facilitador da empatia e guia para a saúde mental será central. Enquanto a IA ensina a programar, o professor ensina a conviver. 



  1. Facilitador da Colaboração Humana: A resolução dos grandes problemas da humanidade – das desigualdades às mudanças climáticas – exigirá trabalho em equipe complexo. O professor de 2035 criará espaços para colaboração, debate fundamentado e criação coletiva, habilidades que os robôs não possuem. 



  1. Guardião da Democracia e da Ciência: Em uma era de negacionismo e pós-verdade, o professor se tornará o último bastião da racionalidade e do método científico. Sua aula será um laboratório de democracia, onde os alunos aprendem a argumentar com base em evidências, a respeitar a diversidade e a questionar o poder – exatamente o oposto do que prega o projeto das escolas-quartel. 


Conclusão: A Batalha pelo Futuro 

A previsão para 2035 não é uma simples projeção tecnocrática. É uma profecia que depende de uma escolha política. Existirão dois tipos de "professores": os supervisores de treinamento em um sistema educacional tecnocrático e militarizado, focado em adestrar para o mercado e a obediência; e os facilitadores do pensamento complexo, atuando em escolas e universidades que resistem como espaços de humanismo, crítica e criatividade. 

A famosa frase de Paulo Freire, "Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda", nunca foi tão atual. O professor de 2035 não será uma figura do passado, mas um agente de futuro. Sua existência – e sua forma – dependerá de conseguirmos, como sociedade, vencer a batalha pela ideia de que a educação é, antes de tudo, um ato de esperança e um pilar insubstituível de qualquer civilização que se pretenda livre e justa. A metamorfose é inevitável; a extinção, uma possibilidade que só se concretizará se abdicarmos de lutar. 

 


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