Talvez apenas hoje vocês me permitirão fumar, imediatamente.
Quando o New Yorker me enviou para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, eu imaginava que a corte tivesse apenas um único interesse: atender às exigências da justiça.
Esta não foi uma tarefa fácil, porque a corte que julgou Eichmann confrontava-se com um crime que não podia ser encontrado em livros jurídicos e um tipo de criminoso que, antes dos julgamentos de Nuremberg, nenhuma corte havia enfrentado. Mesmo assim, a corte teve que definir Eichmann como um homem sendo julgado por suas ações. Não era um sistema que estava sendo julgado, ou a história, ou –ismos, não era nem mesmo um antissemitismo que estava em julgamento, mas somente uma única pessoa.
O problema com um criminoso nazista como Eichmann era que ele insistia em renunciar todas as características individuais de tal forma que, sem tais qualidades, restava ninguém para ser punido ou perdoado. Ele protestava repetidas vezes, contra a afirmação da Promotoria, que ele não havia feito nada por sua iniciativa própria, que ele não teve qualquer intenção, boa ou ruim, que ele havia apenas obedecido ordens. Esse típica apelação nazista deixa claro que o grande mal no mundo é o mal cometido por ninguéns. O mal cometido por homens sem motivo, sem convicções, sem corações maldosos ou vontades doentias; cometido por seres humanos que se recusam ser pessoas. E é a este fenômeno que eu chamei de “a banalidade do mal”.
PROFESSOR MILLER
Senhora Arendt, você está evitando a parte mais importante da controvérsia. Você afirmou que menos Judeus teriam morrido se seus líderes não tivessem cooperado!
HANNAH ARENDT
Este assunto surgiu no julgamento. Eu relatei sobre ele, e eu tive que esclarecer o papel daqueles líderes judeus que participaram diretamente nas atividades de Eichmann.
PROFESSOR MILLER
Você culpa o povo Judeu por sua própria destruição.
HANNAH ARENDT
Eu nunca culpe o povo Judeu! A resistência era impossível. Mas, talvez houvesse algo entre resistência e cooperação. E somente neste sentido eu digo que talvez alguns líderes Judeus poderiam ter se comportado diferentemente. É profundamente importante fazer essas perguntas, porque o papel dos líderes judeus é a percepção mais acentuada dentro da totalidade do colapso moral que os nazistas causaram na respeitável sociedade Europeia. E não somente na Alemanha, mas, em quase todos os países. Não somente entre aqueles que perseguiam, mas, também entre as vítimas.
ELISABETH
A perseguição teve como alvo os Judeus. Por que você descreve os crimes de Eichmann como crimes contra a humanidade?
HANNAH ARENDT
Porque Judeus são humanos; exatamente o status que os nazistas tentaram negar a eles. Um crime contra os Judeus é, por definição, um crime contra a humanidade.
Eu sou, evidentemente, como vocês sabem, judia. E eu fui acusada de odiar os Judeus e, logo, odiar a mim mesma, de defender nazistas e desprezar seu próprio povo. Isto não é um argumento. Isto é a natureza do assassinato! Eu não escrevi qualquer defesa ao Eichmann, mas, eu realmente tentei reconciliar a mediocridade tão chocante do homem com seus feitos vacilantes. Tentar entender não é o mesmo que perdão. Eu vejo o entender como minha responsabilidade. É a responsabilidade de qualquer um que se atrever a colocar uma caneta no papel sobre este assunto.
Desde de Sócrates e Platão, nós geralmente afirmamos que pensar está relacionado ao diálogo silencioso entre eu e eu mesma. Ao se recusar ser uma pessoa, Eichmann extraiu-se totalmente daquela qualidade humana definitiva e mais singular, a de ser capaz de pensar. E consequentemente ele não era mais capaz de fazer julgamentos de valor (morais). Esta inabilidade de pensar abriu a possibilidade para que muitos homens comuns realizassem más ações em escalas gigantescas como nunca vistas antes.
É verdade que pensei nessas questões de maneira filosófica. A manifestação do sopro do pensamento não é conhecimento, mas a habilidade de distinguir o certo do errado, bonito do feio. E eu espero que o pensar dê às pessoas a força para evitar catástrofes naqueles raros momentos em que as cartas estão todas à mostra.
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