🧹 Rodinho, Jaleco e Medo Meu nome é Joaquim, mas aqui me chamam de “Seu Joaquim da limpeza”. Trabalho na faculdade de medicina tem quase cinco anos. Antes era no shopping. Antes disso, no hospital do subúrbio. Eu entro às 5h30. Quando tudo ainda está escuro e o chão gelado. Lavo os corredores, limpo os banheiros, jogo fora as garrafas dos energy drinks e recolho os cadernos esquecidos com frases como: "Ame o que faz. Salve vidas." Limpo sala por sala. E, às vezes, paro pra olhar os quadros. Fotos de formaturas, palavras bonitas. Vejo os alunos chegando. Apressados. Às vezes sorridentes. Às vezes arrogantes. Já escutei de tudo. Discussões sobre casos clínicos que ninguém entendeu. Piadas sobre professores. Desabafos sobre burnout. Planos de plantão em dobro pra pagar o iPhone novo. Teorias sobre como trapacear na prova prática. E todo dia, quando chego em casa, eu conto tudo pra minha mulher, a Dona Iracema. Ela me ouve com o pano de prato no ombro e a panela no fogo. — “Hoje teve uma menina chorando no corredor. Disse que não queria ser médica, mas já era tarde.” — “Hoje vi um rapaz copiando a resposta do outro no laboratório.” — “Hoje ouvi um professor dizendo que orientador virou motorista de TCC.” Iracema escuta tudo. E sempre pergunta a mesma coisa: — “Você teria coragem de se consultar com um desses meninos aí?” E eu fico em silêncio. Porque, veja bem, eu sou só o cara da limpeza. Mas já vi coisa demais pra confiar sem perguntar. Já vi aluno rindo do paciente da simulação. Já vi futuro médico ignorando a faxineira como se ela fosse uma lixeira automática. Mas também já vi aluno que me chamou de “senhor”, que me deu bom dia olhando no olho, que me ajudou a carregar uma caixa de álcool em gel no auge da pandemia. Tem de tudo. E é por isso que eu olho. Observo. E aprendo. Aprendo que nem todo mundo que estuda medicina quer cuidar de gente. E que alguns que limpam o chão têm mais noção de humanidade do que muito especialista. Eu continuo meu trabalho. Limpo os laboratórios depois das aulas. Tiro luvas sujas do chão. Apago quadros com frases pela metade. E, toda noite, deito na cama e penso: “Será que é um desses meninos que vai cuidar de mim quando eu tiver velho?” Rezo pra que sim. Pra que cuidem. Pra que aprendam. Pra que prestem atenção no que importa. Porque eu, Seu Joaquim, que só tenho a chave do banheiro... — Sei onde mora a dignidade.
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