Febre de matemática
É preciso juntar esforços e sinergia para que o Brasil tenha capacidade de gerar escala nesse processo de fazer com que cada vez mais alunos tenham gosto pela matemática

MOZART NEVES RAMOS, titular da Catédra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e FABIANA PRIANTI,head de Investimento Social Privado B3 Social
Nos últimos anos vem crescendo o caráter de urgência no que se refere ao aprendizado de matemática por parte dos estudantes da educação básica em nosso país. De cada 100 alunos que concluem o ensino médio, apenas cinco aprenderam o que seria esperado na rede pública de ensino. Notadamente, esse quadro desafiador também se revela nas avaliações internacionais, como no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS, na sigla em inglês). Dos 63 países participantes, o Brasil superou apenas o Kuwait e a África do Sul no 4° ano do Ensino Fundamental; já no 8° ano, o Brasil ficou à frente apenas da Costa do Marfim.
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Não é à toa que entidades vinculadas à área educacional entendem que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) (2024-2034) deveria contemplar de forma explícita objetivos e estratégias para reverter esse quadro. Nesse sentido, o Instituto Ayrton Senna (IAS) e o Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE) elaboraram um documento propondo que o PNE valorize o ensino e a aprendizagem de matemática. Na versão que se encontra em discussão no Congresso Nacional, percebe-se uma total falta de menção a esse desafio da educação brasileira.
O Ministério da Educação (MEC) reconhece esse caráter de urgência, pois sabe que isso traz impactos no desenvolvimento social e econômico — que se traduz, entre outras coisas, na queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Por isso, acaba de lançar o Compromisso Nacional Toda Matemática, um programa cujo objetivo é desenvolver ações capazes de promover um ensino de qualidade e uma efetiva melhora no desempenho acadêmico dos alunos na disciplina.
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Para reforçar essa iniciativa, o país poderia se inspirar na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), tão bem idealizada e coordenada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Trata-se de uma iniciativa consagrada em nosso país, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), do governo federal e de entidades da sociedade civil. Ao longo dos anos, ela vem promovendo o desenvolvimento do raciocínio lógico e a capacidade de resolução de problemas entre os nossos estudantes, e descobrindo jovens talentos no campo da Matemática.
É preciso juntar esforços e sinergia para que o Brasil tenha capacidade de gerar escala nesse processo de fazer com que cada vez mais alunos tenham gosto pela matemática. Sabe-se que isso passa, necessariamente, pela formação do professor, tanto a inicial quanto a continuada. Se não mudarmos principalmente a formação inicial, não vamos ter êxito, e isso passa também pelas nossas universidades. É preciso compreender que não basta dominar os conteúdos, mas é preciso saber como ensiná-los. Em outras palavras, isso passa pela formação pedagógica de nossos professores — uma formação que dialogue com a prática da sala de aula.
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Nesse sentido, foi muito importante a participação da professora Jo Boaler, da Universidade de Stanford (EUA), idealizadora da abordagem Mentalidades Matemáticas no evento "Como a Matemática vai incluir o Brasil na economia digital", promovido pelas instituições B3 Social, Instituto Sidarta, Fundação Itaú e IEDE. Segundo ela, é preciso estabelecer uma mudança cultural e de mentalidade que inclua, entre outras coisas: a educação matemática deve ser conectada à realidade dos alunos e ao contexto socioeconômico; é necessário transformar a forma como a matemática é comunicada; alterar a percepção das pessoas sobre si mesmas e sobre a disciplina; a mudança de mentalidade dos alunos começa com a mudança na forma de ensinar; as crianças precisam acreditar que podem ser boas em matemática; mudar o foco do ensino, preocupando-se não apenas em como ensinar, mas em descobrir como os alunos se sentem em relação à matemática.
Por fim, o Brasil poderia copiar a Coreia do Sul, que, para mudar o eixo da prioridade pela educação, estabeleceu o slogan "Febre da Educação" — como estratégia de mobilização social. O Brasil poderia lançar uma Febre de Matemática para virar esse quadro desafiador da matemática em nosso país.
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