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sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Febre de matemática



 Febre de matemática

É preciso juntar esforços e sinergia para que o Brasil tenha capacidade de gerar escala nesse processo de fazer com que cada vez mais alunos tenham gosto pela matemática

Opinião Matemática site -  (crédito: Caio Gomez)
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Opinião Matemática site - (crédito: Caio Gomez)

MOZART NEVES RAMOS, titular da Catédra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e FABIANA PRIANTI,head de Investimento Social Privado B3 Social

Nos últimos anos vem crescendo o caráter de urgência no que se refere ao aprendizado de matemática por parte dos estudantes da educação básica em nosso país. De cada 100 alunos que concluem o ensino médio, apenas cinco  aprenderam o que seria esperado na rede pública de ensino. Notadamente, esse quadro desafiador também se revela nas avaliações internacionais, como no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS, na sigla em inglês). Dos 63 países participantes, o Brasil superou apenas o Kuwait e a África do Sul no 4° ano do Ensino Fundamental; já no 8° ano, o Brasil ficou à frente apenas da Costa do Marfim.

Não é à toa que entidades vinculadas à área educacional entendem que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) (2024-2034) deveria contemplar de forma explícita objetivos e estratégias para reverter esse quadro. Nesse sentido, o Instituto Ayrton Senna (IAS) e o Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE) elaboraram um documento propondo que o PNE valorize o ensino e a aprendizagem de matemática. Na versão que se encontra em discussão no Congresso Nacional, percebe-se uma total falta de menção a esse desafio da educação brasileira.

O Ministério da Educação (MEC) reconhece esse caráter de urgência, pois sabe que isso traz impactos no desenvolvimento social e econômico — que se traduz, entre outras coisas, na queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Por isso, acaba de lançar o Compromisso Nacional Toda Matemática, um programa cujo objetivo é desenvolver ações capazes de promover um ensino de qualidade e uma efetiva melhora no desempenho acadêmico dos alunos na disciplina.

Para reforçar essa iniciativa, o país poderia se inspirar na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), tão bem idealizada e coordenada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Trata-se de uma iniciativa consagrada em nosso país, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), do governo federal e de entidades da sociedade civil. Ao longo dos anos, ela vem promovendo o desenvolvimento do raciocínio lógico e a capacidade de resolução de problemas entre os nossos estudantes, e descobrindo jovens talentos no campo da Matemática. 

É preciso juntar esforços e sinergia para que o Brasil tenha capacidade de gerar escala nesse processo de fazer com que cada vez mais alunos tenham gosto pela matemática. Sabe-se que isso passa, necessariamente, pela formação do professor, tanto a inicial quanto a continuada. Se não mudarmos principalmente a formação inicial, não vamos ter êxito, e isso passa também pelas nossas universidades. É preciso compreender que não basta dominar os conteúdos, mas é preciso saber como ensiná-los. Em outras palavras, isso passa pela formação pedagógica de nossos professores — uma formação que dialogue com a prática da sala de aula.

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Nesse sentido, foi muito importante a participação da professora Jo Boaler, da Universidade de Stanford (EUA), idealizadora da abordagem Mentalidades Matemáticas no evento "Como a Matemática vai incluir o Brasil na economia digital", promovido pelas instituições B3 Social, Instituto Sidarta, Fundação Itaú e IEDE. Segundo ela, é preciso estabelecer uma mudança cultural e de mentalidade que inclua, entre outras coisas: a educação matemática deve ser conectada à realidade dos alunos e ao contexto socioeconômico; é necessário transformar a forma como a matemática é comunicada; alterar a percepção das pessoas sobre si mesmas e sobre a disciplina; a mudança de mentalidade dos alunos começa com a mudança na forma de ensinar; as crianças precisam acreditar que podem ser boas em matemática; mudar o foco do ensino, preocupando-se não apenas em como ensinar, mas em descobrir como os alunos se sentem em relação à matemática.

Por fim, o Brasil poderia copiar a Coreia do Sul, que, para mudar o eixo da prioridade pela educação, estabeleceu o slogan "Febre da Educação" — como estratégia de mobilização social. O Brasil poderia lançar uma Febre de Matemática para virar esse quadro desafiador da matemática em nosso país.

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