SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Quando eu tinha 13 anos, carregava uma vergonha secreta



. Éramos tão pobres que muitas vezes eu ia para a escola sem nada para comer. No recreio, enquanto meus colegas abriam suas marmitas — maçãs, bolachas, sanduíches — eu fingia não sentir fome. Enterrava o rosto em um livro, tentando esconder o som do meu estômago vazio. Por dentro, a dor era maior do que eu poderia explicar.

Até que, um dia, uma menina percebeu. Silenciosamente, sem chamar atenção, ela me ofereceu metade do seu lanche. Eu fiquei envergonhado, mas aceitei. No dia seguinte, ela fez de novo. E depois de novo. Às vezes era um pão, às vezes uma maçã, outras vezes um pedaço de bolo que a mãe dela havia feito. Para mim, era um milagre. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti visto.

Mas então, de repente, ela se foi. A família dela se mudou, e ela nunca mais voltou. Todos os dias, no recreio, eu olhava para a porta, esperando que ela entrasse com o seu sorriso e seu sanduíche. Mas isso nunca aconteceu.

Ainda assim, carreguei comigo a bondade dela. Ela passou a fazer parte de quem eu era.

Os anos se passaram. Cresci. Pensei nela muitas vezes, mas a vida seguiu.

Então, ontem, algo aconteceu que me fez congelar no lugar. Minha filha pequena voltou da escola e disse:
— Pai, amanhã podes preparar dois lanches para mim?
— Dois? — perguntei. — Tu nunca consegues terminar um.
Ela me olhou com a seriedade que só uma criança pode ter:
— É para um menino da minha turma. Ele não comeu nada hoje. Eu dividi o meu com ele.

Fiquei parado, arrepiado, como se o tempo tivesse parado. No gesto simples da minha filha, eu vi aquela menina da minha infância. A mesma que me alimentou quando ninguém mais percebeu. A bondade dela não desapareceu — ela atravessou em mim e agora vive também na minha filha.

Saí para a varanda e olhei para o céu, com os olhos cheios de lágrimas. De uma vez só, senti a fome de ontem, a vergonha, a gratidão e a alegria.

Aquela menina talvez nunca se lembre de mim. Talvez nem saiba a diferença que fez. Mas eu jamais a esquecerei. Porque ela me ensinou que até o menor gesto de bondade pode transformar uma vida.

E hoje eu sei: enquanto minha filha continuar a repartir o pão com outra criança, a bondade jamais morrerá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário