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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O que são as 'cidades-esponja', criadas pelo arquiteto chinês Kongjian Yu, morto em acidente de avião no Pantanal

 

Kongjian Yu

Crédito,Turenscape

Legenda da foto,Kongjian Yu defendia o uso de suas técnicas no Brasil

A morte no Brasil do arquiteto chinês Kongjian Yu, considerado o pai do conceito das cidades-esponja, foi confirmada nesta quarta-feira (24/9). Ele e mais três pessoas estavam a bordo de uma aeronave que caiu na zona rural de Aquidauana, no Pantanal, em Mato Grosso do Sul.

Yu era um dos urbanistas mais importantes da China e decano da prestigiosa faculdade de arquitetura e paisagismo da Universidade de Pequim. Ele estava no Brasil para participar da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo 2025 e gravar um documentário.

Segundo pessoas próximas ao arquiteto, ele também tinha grande desejo de conhecer o Pantanal e usar os conhecimentos obtidos na região para desenvolver ainda mais seu trabalho.

técnica das cidades-esponja, idealizada pelo arquiteto chinês, usa a vegetação natural e o desenho de rios e córregos para revitalizar paisagens urbanas e evitar eventos extremos, como enchentes.

O conceito já foi aplicado pela equipe de Yu em diversas cidades na China e também na Tailândia, Indonésia e Rússia — e por outros arquitetos em todo o mundo.

Kongjian Yu chegou a defender também o uso de suas técnicas no Brasil, que entre 2020 e 2023 passou por 7.539 desastres climáticos causados por chuvas intensas

"Funciona em qualquer lugar. As cidades-esponja são uma solução para climas extremos, onde quer que eles estejam", disse em entrevista à BBC Brasil após as históricas inundações no Rio Grande do Sul, em maio de 2024.

"E o Brasil pode se dar muito bem com elas, porque tem muitas áreas naturais, o que dá mais espaço para a água escoar."

Rio Wujiang em Zhejiang, na China, com as margens recentemente reformadas

Crédito,TURENSCAPE

Legenda da foto,Rio Wujiang em Zhejiang, na China, com as margens recentemente reformadas

'Não lute contra a água'

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E se uma enchente pudesse ser algo que pudéssemos abraçar em vez de temer? Esta é a ideia central da cidade-esponja de Yu.

A gestão convencional das águas de enchentes envolve a construção de canos ou drenagens para conduzir a água da forma mais rápida possível ou o reforço das margens do rio com concreto, para garantir que elas não transbordem.

Mas uma cidade-esponja faz o contrário. Ela procura absorver a água da chuva e retardar o escoamento pela superfície.

O processo desenvolvido por Kongjian Yu se baseia em três grandes estratégias. A primeira passa por reter a água assim que ela toca o solo, por meio de grandes áreas permeáveis e porosas.

Da mesma forma que uma esponja com muitos orifícios, a cidade deve conter a chuva com lagos artificiais e áreas de açude alimentados naturalmente ou por canos que ajudam a escoar a água de rios e represas.

Telhados e fachadas verdes, assim como valas com áreas verdes com camadas de solo permeáveis ​​por baixo também são usadas para esse propósito.

Em seguida, o arquiteto aconselha pensar no manejo da água coletada. Isto é, desacelerar o fluxo d'água. Em vez de tentar canalizar a água rapidamente para longe em linhas retas, rios tortuosos com vegetação ou várzeas reduzem a velocidade da água.

A terceira estratégia é adaptar as cidades para que elas tenham áreas alagáveis, para onde a água possa escorrer sem causar destruição.

"Você não pode lutar contra a água. Você precisa deixar que ela escoe", disse o arquiteto em uma entrevista à BBC em 2021.

Yu nasceu em 1963 na vila Dongyu, Jinhua, província de Zhejiang, China, em uma família de agricultores.

Experiências

Em 2015, o presidente chinês, Xi Jinping, inaugurou oficialmente o "Programa Cidade-Esponja", que incentivava as cidades a adotar uma infraestrutura verde para conter a água, ao invés das estratégias cinza comuns (feitas com cimento, concreto, aço e asfalto).

Yu é consultor da iniciativa e ajudou a construir centenas de "parques-esponja" na China.

Um deles é o Houtan Park, em Xangai. A faixa verde de quase 2 quilômetros de extensão ao longo do rio Huangpu foi projetada em uma antiga área industrial.

Terraços plantados com bambu, ervas e gramíneas nativas são cortados por passarelas de madeira instaladas entre lagoas e pântanos.

As zonas úmidas filtram a água, retardam o fluxo do rio e criam um ambiente propício para aves aquáticas e peixes.

Parque Fuxi Cultural em Zhoukou, China

Crédito,TURENSCAPE

Legenda da foto,Parque Fuxi Cultural em Zhoukou, China

Mas o conceito de cidade-esponja não é exclusivo da China. Um dos projetos supervisionados por Yu fora do país foi nomeado Parque Florestal Benjakitti.

Em Bangkok, na Tailândia, o parque possui um labirinto de lagos, árvores e pequenas ilhas. Inaugurado em 2022, ocupa mais de 400 mil metros quadrados e foi construído no lugar de uma antiga fábrica de tabaco.

Viagem ao Brasil

Kongjian Yu participou na última sexta-feira (19/09) da abertura da Bienal de São Paulo, onde exibe projetos baseados no conceito de cidades-esponja. Ele também falou na Conferência Internacional do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), em Brasília, no início de setembro.

O chinês ainda participava da gravação de um documentário sobre as cidades-esponja. Os cineastas Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e Rubens Crispim Jr. também estavam na aeronave que caiu no Pantanal.

O piloto Marcelo Pereira de Barros também morreu. As causas do acidente ainda serão investigadas.

Em sua passagem por São Paulo na semana passada, Kongjian Yu visitou pontos verdes na cidade durante as filmagens.

Um dos pontos visitados foi o Tiquatira, o maior parque linear dentro de São Paulo, localizado na Vila São Geraldo, na divisa entre os distritos da Penha e do Cangaíba.

O vereador e arquiteto Nabil Bonduki esteve com Yu no local e afirmou que ele se mostrou empolgado para conhecer mais exemplos de áreas naturais brasileiras que desafiavam a "arquitetura cinza".

"É uma perda irreparável. Ele tinha grande desejo de conhecer o Pantanal e morreu buscando conhecer mais para desenvolver seu trabalho", afirmou Bonduki à BBC Brasil.

"No Brasil, após dias de enchentes graves, o trabalho dele seria fundamental", completou o vereador, em referência às fortes chuvas e alagamentos registrados na cidade de São Paulo.

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