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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Os recados de Lula e Xi Jinping a Trump em reunião virtual do Brics

 

Foto de Lula perto de um microfone diante de um fundo azul e de uma figura multicolorida com formas geométricas parecendo uma flor

Crédito,Ricardo Moraes/Reuters

Líderes do Brics, grupo que reúne 11 países emergentes, se reuniram virtualmente nesta segunda-feira (8/9).

O encontro, não usual, foi organizado a convite do governo brasileiro e marcado por críticas ora diretas, ora veladas, ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tanto do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) , quanto do presidente da China, Xi Jinping.

Lula chamou a imposição de tarifas à importação de produtos anunciada por Trump desde o início de seu governo de "chantagem tarifária".

O petista também criticou o envio de forças militares americanas para o Mar do Caribe. O presidente da China, por sua vez, não citou os Estados Unidos, mas também atacou a política tarifária americana.

O encontro virtual do Brics vinha sendo organizado pelo governo brasileiro há pelo menos três semanas e acontece em meio à manutenção da guerra tarifária iniciada por Donald Trump no início de seu governo e que afetou países como o Brasil, China, Índia e África do Sul, integrantes centrais do bloco.

Apesar das críticas de Lula e Xi Jinping à guerra tarifária de Trump, diplomatas brasileiros envolvidos na organização do encontro disseram à BBC News Brasil em caráter reservado que eles não esperavam manifestações críticas aos Estados Unidos vindo de todos os países do bloco.

Isso se explicaria por conta do relacionamento próximo aos Estados Unidos que alguns países dos Brics têm com o governo americano. É o caso da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, dois tradicionais aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio.

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O encontro virtual também acontece dois meses depois da cúpula presencial do grupo, realizada no Rio de Janeiro, em julho.

O evento foi marcado pelas críticas de Trump ao bloco e pelo anúncio, logo depois, de sanções ao Brasil.

No caso brasileiro, as tarifas de 50% sobre centenas de produtos exportados aos Estados Unidos foram motivadas, segundo carta divulgada por Trump, pelo julgamento ao qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está sendo submetido por seu suposto papel na trama golpista. Trump classificou o processo como uma "caça às bruxas" que deveria acabar "imediatamente".

O governo brasileiro, no entanto, vem afirmando que o Judiciário brasileiro é independente e que o país não poderia ceder sua soberania e nem aceitar interferências estrangeiras em assuntos domésticos.

Nos bastidores, o governo espera o anúncio de mais medidas contra o país ou autoridades nos próximos dias já que, nesta semana, está previsto o final do julgamento de Bolsonaro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao contrário da cúpula presencial, o encontro virtual desta segunda-feira não terá uma declaração final com uma espécie de mensagem do grupo.

Montagem de fotos com Lula e Donald Trump, lado a lado. Lula olha para frente, do lado esquerdo da foto. Trump olha para cima, do lado direito da foto

Crédito,Getty Images/BBC

Legenda da foto,Lula aproveitou encontro para voltar a condenar tarifas impostas por Trump ao Brasil

'Chantagem tarifária', tensão no Caribe e aceno a Putin

Lula foi o "mestre de cerimônias" do encontro virtual e começou a reunião criticando, de forma velada, os Estados Unidos.

Sem citar nominalmente Trump ou os Estados Unidos, Lula disse que, em poucas semanas, os países dos Brics viraram alvo de medidas tarifárias ilegais.

"Em poucas semanas, medidas unilaterais transformaram em letra morta princípios basilares do livre-comércio como as cláusulas de Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional. Agora assistimos ao enterro formal desses princípios. Nossos países se tornaram vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais", disse o presidente.

Em seu discurso, Lula voltou a usar o termo "chantagem" para classificar a política adotada pelos Estados Unidos.

"A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas".

Em outro trecho de sua fala, Lula fez uma menção direta à atuação dos Estados Unidos no Mar do Caribe.

"Sabemos que o terrorismo não está associado a nenhuma religião ou nacionalidade. Também não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam. São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional [...] A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região", disse Lula.

A fala do presidente reflete uma preocupação que diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado vêm expressando há alguns meses.

Segundo ele, há o temor de que os Estados Unidos utilizem o combate ao narcotráfico como justificativa para intervenções militares na região.

Esse temor teria ficado ainda mais evidente depois que os Estados Unidos anunciaram o envio de navios de guerra para o Mar do Caribe sob o pretexto de combater narcotraficantes que atuam na região.

Há duas semanas, o governo americano divulgou imagens de um suposto ataque conduzido por militares dos Estados Unidos a um barco que transportava drogas na costa da Venezuela.

No caso brasileiro, o receio é de que medidas semelhantes possam ter início no país a partir da classificação de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas. Por isso, explicam os diplomatas, o governo brasileiro se opõe à medida.

Em seu discurso, Lula ainda elogiou o encontro realizado no Alasca, em agosto, entre Donald Trump e o presidente Vladimir Putin.

"No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes. O encontro no Alasca e seus desdobramentos em Washington são passos na direção correta para pôr fim a esse conflito."

Imagem de Donald Trump e Xi Jinping com Trump acenando

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Encontro de Trump e Xi Jinping durante reunião do G20 em Osaka, no Japão, em 2019

Os recados de Xi Jinping

O líder chinês, Xi Jinping, adotou um tom mais moderado, mas manteve críticas, ainda que veladas, à postura adotada pelo governo de Donald Trump na arena internacional.

"Hegemonismo, unilateralismo e protecionismo estão ficando cada vez mais desenfreados. Guerras comerciais e guerras tarifárias travadas por algum país afetam severamente a economia mundial e minam as regras internacionais de comércio", disse.

Em mais uma crítica à política internacional de Trump, Xi disse que "nenhum país pode se dar ao luxo de recuar a um isolamento auto-imposto".

A fala de Xi Jinping acontece em meio a uma trégua na guerra tarifária iniciada pelos Estados Unidos contra a China. Em abril, Trump anunciou tarifas contra produtos chineses, assim como fez para outros países. A China, no entanto, reagiu e anunciou tarifas a produtos norte-americanos e restrições à exportação de matérias-primas chinesas essenciais aos Estados Unidos como as terras raras.

No auge, as tarifas impostas pelos dois países um ao outro superaram os 100%.

Em maio, a China concordou em reduzir as tarifas sobre produtos americanos de 125% para 10%, enquanto os EUA concordaram em reduzir as tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30%.

Um acordo final sobre o assunto, no entanto, ainda não foi atingido.

Xi Jinping aproveitou o encontro para voltar a defender um dos seus principais projetos, o programa "Cinturão e Rota", também conhecido como "Nova Rota da Seda".

"A China está pronta para trabalhar com outros países do Brics para implementar a Iniciativa de Desenvolvimento Global e promover uma cooperação de alta qualidade do Cinturão e Rota", disse o líder chinês.

O "Cinturão e Rota" é um programa de investimentos bilionários em infraestrutura em diversos países do globo oficialmente defendidos pelo governo chinês para ampliar a cooperação comercial.

Por outro lado, países do chamado Ocidente, especialmente os Estados Unidos e parte da Europa, criticam o projeto por supostamente oferecer crédito a países em dificuldades financeiras aumentando a dependência deles em relação ao capital chinês e distanciando-os da esfera de influência europeia e americana.

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