A nossa brincadeira preferida era o esconde-esconde. Toda vez que brincávamos, era uma verdadeira descoberta. Em cada lugar que achávamos para nos escondermos tinha um pouco, de quem nós éramos, como na sociedade de hoje cada um com seu lugar, no seu quadrado e seu papel, escondendo dos outros as conseqüências e significados de suas atitudes.
Às vezes, as brincadeiras dão um salto no futuro, para falar dos lugares que haveríamos de nos esconder neste mundo moderno, este que se assemelha muito à casa sombria de minha tia, onde brincávamos de esconde-esconde e em cada amigo que encontrava seu esconderijo, revelava-se um personagem de minha historia. A angústia de ser descoberto a qualquer momento é talvez o principal medo que carregamos; que nossas brincadeiras se tornem realidade!
Eu sempre fui escolhido para procurá-los. Continuaria fazendo isto durante a juventude e enquanto adulto...
10, 9, 8, 7, 6 ,5, 4, 3, 2, 1. Lá vou eu! Espero que todos estejam bem escondidos: e não esqueçam! Um gordo não se esconde em lugar apertado, nem medrosos no escuro... Nós poderemos ser salvos. Se eu achar um de vocês e correr para o bastão da vida, é só gritar PERFEIÇÃO. Se um de vocês não me acharem também poderão sair de seus esconderijos, irem até o Bastão da vida e também gritar PERFEIÇÃO. Não existem ganhadores ou perdedores, o tesão dessa brincadeira é que ou salvamos a todos, ou viveremos na escuridão, a ausência da luz, a ausência de Deus...
Michel gostava de se esconder na Biblioteca, atrás dos livros! Seu pai era médico ele amava filosofia. Apesar de ser magrinho, branquinho, já usava óculos, se esforçava para subir as prateleiras e ficar lá em cima, longe da ignorância, até que no futuro Foucault desceu e brincou de lutar nas ruas por suas idéias. Os livros à sua frente garantiriam mais segurança de que não seria encontrado e pelos livros encontraria o verdadeiro papel do saber em nossa sociedade e nossas instituições. Mesmo que fosse encontrado seria um dos últimos, pois a Biblioteca, por seu ar sombrio intimidava as pessoas de irem lá! Ele tinha alergia a poeira e talvez a única forma de encontrá-lo no meio de tantos livros, fosse despertar sua alergia! Sempre que ia à sua procura, levava um espanador e fazia com que a natureza o entregasse. Com isto, seus espirros, se davam cada vez mais altos, me apontando o lugar onde estava e os livros nos ajudariam a subir no bastão da vida e gritar: Perfeição!
Nicolau, um fã da CIA, gostava de se esconder entre pessoas e de procurar imitá-las para que não fosse encontrado, podendo confundi-lo. Se suas palavras serviam de esconderijo, seus atos permitiam que pudéssemos vê-lo, pois nunca seguia os rumos de suas palavras era só procurá-lo no sentido inverso, como era amigo íntimo de David, filho de um grande industrial, estava sempre próximo a ele, perto do luxo do quarto de minha tia, mas procurava imitar o jardineiro, como se estivesse ali, trabalhando, fazia voz de cansaço, que enganaria até os mais céticos! Já David, não se escondia, gostava de ficar deitado na cama de minha tia, comendo pipoca, assistindo TV, até que eu o encontrasse e pedisse para que ele dividisse sua pipoca com os outros, pelo contrário, ele se escondia para comê-las sozinho. Michel, Nicolau e David, só faltavam três!
Como podemos observar, Michel seguirá futuramente sua carreira em Educação, Nicolau será político, David trabalhará no mercado financeiro. Todos envolvidos em uma sociedade de heroísmo e traição. Uns idealistas tentarão salvar a Grécia, a modernidade, outros se adaptarão às circunstâncias, será que o juízo final vencerá mais uma sociedade?
Existiam também aqueles que por concordarem com o mundo que ai está, reafirmavam suas condições objetivas através de seus atos! Renata gostava de buscar como esconderijo lugares perigosos, ela sempre dizia que não fazia isto para dificultar encontrá-la, apenas pelo prazer do perigo! Se havia na casa, algum local perigoso ela já conhecia todos... , Bin sempre muito calmo e sublime, buscava a paz em seus esconderijos. Lá estava ele, em cima da árvore contemplando... Lá estava ele numa caverna para fugir deste mundo ou próximo ao silêncio da varanda...Esse até agora nunca encontraram. Era necessário além de falar que foi encontrado, tocá-lo, às vezes acordá-lo de seu mundo distante! Amy tinha por seu esconderijo ela mesma, gostava de se maquiar, pintar-se, usar perucas, trocar as roupas com as de minha tia, se fazer de estátua, como um quadro a se confundir com a paisagem. Era a mais difícil de achar, pois ela não estava buscando se esconder, em sua naturalidade transformava-se em sonhos e desejos. Sempre quebrando as impossibilidades. É com ela, que os outros descobriam novos lugares, novas formas e até mesmo determinada coisa ou assunto, vistos sob vários ângulos.
Como disse no início o objetivo da brincadeira, como também de nossa infância, era construir momentos que tocassem o bastão da vida e pudéssemos gritar: Perfeição! Muitos estão agora se interrogando: o que são esses momentos de perfeição? Essa palavra tem muitos sentidos talvez um deles seja sonhos que se realizam.
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