“Não há cidadania plena enquanto vidas negras seguem invisíveis sob as marquises.”
Estive em Genebra, participando de um fórum da ONU sobre direitos humanos, foi um daqueles momentos que nos deslocam do lugar comum. Ao ouvir experiências de diferentes países, percebi como o Brasil carrega uma ferida aberta: a realidade da população em situação de rua, que não pode ser lida apenas pela lente da pobreza, mas também pelo recorte racial.
Não estamos falando apenas de falta de moradia. Estamos falando de uma realidade que tem cor, CEP e classe social. A maioria das pessoas em situação de rua no Brasil é negra, periférica e oriunda das classes populares.
A Constituição Federal de 1988, no art. 1º, III, consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. No art. 6º, assegura direitos básicos como saúde, moradia, alimentação, trabalho e assistência social. Esses não são privilégios: são direitos fundamentais.
Mas quando olhamos para a prática, percebemos que esses direitos não alcançam a todos da mesma forma. Eles são seletivos. E o que deveria ser garantia constitucional vira promessa não cumprida, principalmente quando se trata dos corpos negros que ocupam as ruas.
Cada despejo, cada ação de “higienização urbana” reafirma que há vidas que parecem valer menos. Isso não é acaso, é projeto: é a necropolítica em pleno funcionamento, escolhendo quem pode viver com dignidade e quem pode ser descartado.
Falar da população em situação de rua é, portanto, falar sobre racismo estrutural. Não se trata de escolhas individuais, mas de um sistema que historicamente negou ao povo negro acesso à terra, à educação, ao emprego digno e à proteção social.
A Constituição nos chama a outro caminho: União, Estados e Municípios têm o dever conjunto de implementar políticas inclusivas que reparem desigualdades e garantam vida digna a todos. Não é favor, não é caridade, é dever constitucional.
Enquanto sociedade, precisamos encarar essa realidade: não há cidadania plena enquanto negros seguem invisíveis sob as marquises, mesmo sendo sujeitos de direitos.
Ative para ver a imagem maior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário