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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Por que imigrantes brasileiros no Japão estão preocupados com possível nova primeira-ministra

 

Sanae Takaichi em pé, falando, diante de mesa de escritório e ao lado de bandeira do Japão

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Durante campanha interna do partido PLD, Takaichi defendeu a criação de um centro de comando focado na imigração
    • Author,Fátima Kamata
    • Role,De Tóquio para a BBC News Brasil

A eleição da ex-ministra da Segurança Econômica, Sanae Takaichi, para a presidência do Partido Liberal Democrático (PLD), em 4 de outubro, pode ter aberto caminho para que ela se torne a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira‑ministra na história do Japão.

A votação no Parlamento para escolher o sucessor do atual premiê, Shigeru Ishiba, está prevista para esta terça‑feira (21/10).

Para vencer no primeiro turno, os candidatos precisam alcançar ao menos 233 votos na Câmara dos Deputados e 125 no Senado.

Caso ninguém alcance essa maioria, haverá segundo turno entre os dois mais votados, e quem obtiver o maior número de votos será nomeado. Depois, o Imperador Naruhito precisa endossar a escolha — uma etapa que costuma ser apenas protocolar.

Takaichi entrou na disputa com uma base parlamentar fragilizada. O PLD detém 196 das 465 cadeiras na Câmara dos Deputados e, sem o apoio do aliado histórico Komeito (24 cadeiras), não alcançaria os 233 votos necessários.

Por outro lado, a oposição também não possui maioria. O maior partido opositor, o Partido Democrático Constitucional (PDC), conta com 148 cadeiras e não conseguiu fechar candidatura única com outras siglas.

"O cenário político atual é volátil, e há análises que afirmam que a alternância de poder está surgindo como uma possibilidade real. Mas se a oposição continuar dividida, o PLD tende a se manter no poder", avalia o cientista político Masaya Hiyazaki, diretor da Escola Política Cidadã de Yamanashi.

Na segunda-feira (20/10), uma reviravolta acabou fazendo a balança pender novamente a favor de Takaichi: o Partido da Inovação (Ishin), com seus 35 assentos, decidiu integrar a coalizão do PLD, segundo noticiou a agência Reuters.

Com isso, a provável futura premiê consegue chegar aos 228 assentos, com uma diferença para a maioria de 233 que ela deve, segundo analistas, conseguir superar sem grandes dificuldaes.

Plataforma conservadora e foco na imigração

Pessoa vestida de dragão na rua, em frente a comércio, observada por público

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Celebração do ano novo chinês na região de Tóquio; os chineses lideram entre os estrangeiros no Japão
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Takaichi ascende com um perfil nacionalista e conservador, em um momento em que o Japão vê crescer o número de turistas e residentes estrangeiros, e as tensões sobre imigração entram no debate político. O tema foi colocado por ela entre suas pautas principais, propondo a criação de um centro de comando liderado diretamente pelo primeiro‑ministro para cuidar de questões relacionadas a estrangeiros.

Em sua campanha no PLD, levantou a acusação — com base em relatos não verificados — de que turistas chutaram cervos no Parque de Nara, considerados sagrados na cultura japonesa. Políticos da oposição criticaram a fala, acusando Takaichi de fomentar a xenofobia.

Em entrevista ao jornal Asahi Shimbun na véspera da eleição para comandar o PLD, ela defendeu que, ao propor um maior controle sobre estrangeiros, está respondendo a preocupações da população sobre segurança e respeito à cultura local. "Se o público está genuinamente se sentindo angustiado quanto a isso, precisamos encontrar um caminho para resolver essas preocupações. Não tem a ver com xenofobia ou exclusão."

Segundo o professor Daisuke Onuki, da Faculdade de Estudos Globais da Universidade de Tokai, ideais populistas têm ganhando força no Japão, impulsionados por políticos de direita que se manifestam contra temas como a imigração. "Mas atrás desse medo da invasão dos estrangeiros, está um problema maior que é o enfraquecimento da economia, mais especificamente o da moeda, e a inflação. Entendo que o problema atual é resultado da política adotada pelo falecido premiê Shinzo Abe."

O conjunto de políticas econômicas conhecido como Abenomics, implantado em 2013 para tirar o Japão da estagnação econômica, não conseguiu acabar com as diferenças de renda. Muitos japoneses não têm visto aumento em sua renda nos últimos 30 anos e ainda vivem em situações econômicas difíceis. Com o sentimento de insegurança sobre o futuro, os estrangeiros se tornaram um alvo fácil de críticas, o que fez com que a ideia de "prioridade para os japoneses" fosse aceita.

"Atualmente, os partidos políticos estão adotando políticas que limitam os direitos dos estrangeiros, o que reflete essa tendência crescente", diz Onuki.

Alta de estrangeiros

Pessoas vibram em evento ao ar livre, algumas com bandeiras símbolos do Japão; no centro, uma mulher com quimono tradicional

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Apoiadores do Sanseito durante evento em julho, em Tóquio

Dados de junho de 2025 divulgados pela Agência de Imigração revelam que o número de estrangeiros no Japão (com vistos temporários ou permanentes) aumentou 5% em relação ao ano anterior, totalizando 3,96 milhões de pessoas — mais de 3% da população total.

O Brasil, que chegou a ocupar a terceira posição, forma hoje o sétimo maior grupo, com cerca de 211 mil residentes. O ranking é encabeçado pelos chineses (900 mil), seguidos de vietnamitas (660 mil), coreanos (409 mil), filipinos (349 mil), nepaleses (273 mil) e indonésios (230 mil).

Mesmo com essa crescente diversidade, muitos estrangeiros relatam casos de discriminação sofridos no cotidiano.

O brasileiro Sakai, engenheiro de automação industrial que vive no Japão há nove anos, relata ter enfrentado resistência para alugar um imóvel — apesar de ser filho de um japonês, ser fluente no idioma e trabalhar em uma multinacional europeia.

"Só depois de cinco recusas, consegui uma casa. Se os japoneses não mudarem essa mentalidade etnocêntrica, o país não conseguirá avançar", diz ele, que prefere não divulgar seu nome completo por receio de discriminação.

Com o aumento do turismo e da presença de imigrantes, também cresceu a desinformação nas redes sociais. Mensagens infundadas alegando que "estrangeiros cometem mais crimes", "recebem privilégios indevidos" ou "não pagam impostos" têm se multiplicado, alimentando um sentimento anti-imigração em parte da população.

'Japan First': a ascensão do Sanseito

Homem sorrindo contidamente em pé perto da rua

Crédito,Hilda Gurek

Legenda da foto,'Os movimentos xenofóbicos continuam crescendo, especialmente nas redes sociais', diz Miguel Kamiunten, do Movimento Brasileiros Emigrados (MBE)

Recentemente, a pauta migratória foi central também na surpreendente ascensão do partido ultranacionalista Sanseito. Em julho, com o slogan "Japan First" ("Japão Em Primeiro Lugar", semelhante ao bordão utilizado pelo presidente americano Donald Trump, que fala em "America First"), a sigla conquistou 14 das 125 cadeiras que estavam em disputa nas eleições para a Câmara Alta.

Assim, sua bancada saltou de um parlamentar (cujo cargo não entrou em disputa) para 15. O partido atraiu eleitores jovens e conservadores descontentes com o PLD, promovendo um discurso abertamente anti-imigração.

Diante do novo cenário, o Movimento Brasileiros Emigrados (MBE), em conjunto com outras 1.159 organizações, publicou em julho uma declaração de "emergência contra o incitamento à xenofobia".

Miguel Kamiunten, cofundador do MBE, lembra que, em 1995, o Japão aderiu à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. "Trinta anos depois, o discurso de ódio ainda é forte, e os movimentos xenofóbicos continuam crescendo, especialmente nas redes sociais", alerta.

A retórica anti-imigrante contrasta com as demandas do mercado de trabalho japonês. Com uma população envelhecida e escassez de trabalhadores em setores essenciais, o governo espera atrair 820 mil estrangeiros nos próximos cinco anos por meio do visto de habilidades específicas.

Este visto, criado em 2019, busca atrair profissionais de áreas com escassez de mão de obra. Ele já é utilizado por mais de 300 mil imigrantes, a maioria do Sudeste Asiático.

Governadores e prefeitos de regiões com grande presença estrangeira têm se manifestado contra o endurecimento das políticas migratórias, alertando para os riscos econômicos. Mas essas vozes enfrentam resistência de parte da população, cada vez mais influenciada por discursos nacionalistas.

Sob a perspectiva da revitalização regional, é necessário promover estrategicamente a aceitação de trabalhadores estrangeiros para conter a queda populacional nas regiões e reconstruir as comunidades locais, defendem especialistas.

"Se a diminuição populacional continuar, o Japão não conseguirá se manter sem atrair estrategicamente estrangeiros e promover a convivência mútua. É essencial evitar que a sociedade japonesa siga, de forma imprudente, por um caminho xenofóbico", diz o cientista político Masaya Hiyazaki.

Organizações educacionais também se preocupam com a disseminação do discurso nacionalista, como Japan First, entre crianças e jovens. Isto porque já houve diversos relatos de bullying contra alunos estrangeiros por conta de suas nacionalidades.

Atsushi Funachi, membro da Associação Nacional de Pesquisa em Educação de Estrangeiros Residentes no Japão, defende maior vigilância nas escolas.

"Quando adultos naturalizam um slogan como Japan First, as crianças tendem a reproduzi-los", alerta

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