Lembra de Davi? Sim, aquele menino que derrubou Golias, o guerreiro valente, o poeta dos Salmos, o rei segundo o coração de Deus. Talvez você leia o resto da história de sua vida e se pergunte: “o que aconteceu com esse menino?” Quando olhamos para dentro de sua casa, encontramos outro Davi: um pai incapaz de proteger, de corrigir, de confrontar pecados graves.O grande guerreiro que enfrentou e decapitou Golias, se mostra fraco dentro de casa, incapaz de confrontar e exercer justiça entre os seus. Davi falhou muito como pai. Amnon violentou Tamar, sua irmã, e Davi não a protegeu nem puniu o filho (2Sm 13). Absalão matou Amnon em vingança e depois se revoltou contra o próprio pai, causando uma guerra civil. E, mesmo assim, Davi demonstrava amor intenso por Absalão — chegando a chorar desesperadamente por ele quando morreu (“Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera morrer por ti!”, 2Sm 18:33). Como pode? De onde vinha essa fraqueza? Talvez possamos olhar para trás… Davi era o filho esquecido por Jessé, deixado de lado quando Samuel veio ungir um rei (1Sm 16:11). Isso sugere que ele não era considerado importante ou digno. Essa rejeição paterna pode ter deixado marcas em sua identidade. Era também perseguido por Saul, uma figura de autoridade que poderia ter sido como um pai, mas que se tornou um inimigo invejoso, abusivo, instável. Uma autoridade que ora elogiava, ora queria matá-lo. Isso poderia ter contribuído para Davi ser instável e até confuso em suas próprias relações. Entre a rejeição do pai biológico e o ódio do “pai” adotivo, Davi cresceu sem uma referência saudável de paternidade. No Antigo Testamento, a revelação de Deus como Pai íntimo não é tão clara quanto no Novo, quando em Cristo recebemos o Espírito de adoção (Rm 8:15; Gl 4:5). Davi conhecia Deus como Senhor, Pastor, Salvador. Mas não como Pai íntimo — essa revelação plena só viria em Cristo. Por isso, Davi é um paradoxo: diante de Deus, quebrantava-se, confessava, buscava misericórdia. Diante da família, se calava, se omitia, deixava que a injustiça crescesse. Por que então ele era chamado “homem segundo o coração de Deus”? (At 13:22) Bom, isso não significa que ele foi perfeito (obviamente) ou moralmente irrepreensível (claramente não era), mas que, mesmo com toda a sua dificuldade pessoal (espiritual, emocional, psicológica, etc), Davi possuía sensibilidade espiritual — pecava, mas não permanecia indiferente. Sempre voltava para Deus. Ele não buscava apenas a lei ou a aparência, mas uma relação verdadeira. Davi confiava em Deus acima das circunstâncias (Golias, perseguição de Saul, etc.). Davi foi vil e deformado em áreas sérias: adultério, abuso de poder, homicídio, má liderança familiar, passividade diante de injustiças… Mas ao mesmo tempo, ele foi sensível à voz de Deus: quando confrontado, quebrantava-se; quando pecava, não justificava seu erro; quando buscava, era com intensidade total (veja os salmos de confissão). Deus olha para o coração (1Sm 16:7). O coração de Davi, mesmo falho (como o meu e o seu), tinha uma direção voltada a Deus. E, ainda assim, nesse ambiente conturbado, nasce Salomão. O filho de um casamento marcado por pecado e sangue, mas que recebe do próprio Deus um novo nome: Jedidias, “amado do Senhor”. É como se Deus dissesse: “Eu posso escrever graça onde só há culpa.” Mas até em Salomão a gente vê a marca da herança familiar: Um homem de sabedoria extraordinária… mas também com fraquezas profundas. Ele herda o trono, mas também as sombras do pai — paixões desordenadas, muitas mulheres, idolatria na velhice… A história de Davi e sua família nos mostra duas verdades: O pecado tem consequências reais, que marcam gerações. Mas a graça de Deus é maior do que nossas deformidades. Mesmo em meio a tudo isso, o Senhor manteve a promessa: da casa de Davi viria o Messias. Ou seja: Jesus nasce de uma genealogia quebrada, cheia de gente vil e ferida. Isso mostra que Deus não esconde as rachaduras — Ele age através delas. Isso nos toca de perto. Vivemos em um tempo de crise de paternidade. Muitos crescem como Davi, sem referência paterna, ou com pais abusivos, distantes, ausentes. Isso se reflete na forma como nos relacionamos, como amamos, como criamos filhos. Sem perceber, repetimos as falhas que herdamos. Mas em Cristo, Deus se revela como Pai. Ele não é como Jessé, que esquece o filho, nem como Saul, que o persegue, ou como Davi que os desampara. Ele é o Pai que nos adota em amor, que nos disciplina com justiça, mas também nos envolve com graça. Olhar para Davi e seus filhos nos revolta e nos entristece — e deveria. Mas também nos aponta para Jesus, o Filho perfeito, fruto da mesma linhagem quebrada. Ele veio para nos revelar o Pai e nos dar uma nova herança. Porque no fim, o que nos cura não é o exemplo dos pais terrenos, mas a certeza de que temos um Pai eterno que não falha. Isso significa que não precisamos viver acorrentados aos erros do passado. Podemos ser pais melhores, filhos melhores, famílias transformadas. Porque quando conhecemos o Pai verdadeiro, aprendemos a amar, corrigir e proteger de forma diferente. O Deus que chamou Davi, que levantou Salomão e que trouxe Jesus dessa linhagem quebrada, é o mesmo que pode transformar a nossa. |
SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.
domingo, 19 de outubro de 2025
O que aprendemos com os erros e acertos de Davi.
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