SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Como o Ceará se tornou o primeiro lugar do Brasil a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea

 

Como o Ceará se tornou o primeiro lugar do Brasil a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea

Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

CRÉDITO, ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto, 

Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando 

  • Author, Edison Veiga
  • Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

Um dos principais teatros do Rio de Janeiro de 140 anos atrás, o Polytheama Fluminense, teve uma noite histórica em 25 de março de 1884. Foi quando se ouviu primeira vez, a marcha para orquestra Marselhesa dos Escravos, "numa festa em honra ao Ceará livre" — conforme registrou o antigo jornal Rua do Ouvidor, em uma edição comemorativa ao movimento abolicionista.

A música foi composta e regida por Antônio Cardoso de Menezes (1848-1915), um dos mais renomados musicistas do período conhecido como segundo império brasileiro.

Eram os ecos de um acontecimento histórico ocorrido naquele mesmo dia a cerca de 2,5 mil quilômetros da capital do país: na então província do Ceará estava extinta a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea decretar o fim desse regime de trabalho forçado em todo o território nacional.

A declaração coube ao médico e político Sátiro de Oliveira Dias (1844-1913), então presidente da província. De acordo com informações do Senado, ele teria dito que "para a glória imortal do povo cearense e em nome e pela vontade desse mesmo povo, proclamo ao país e ao mundo que a província do Ceará não possui mais escravos".

Reverberou a notícia não só localmente. Um dos mais importantes nomes do movimento abolicionista, o farmacêutico e jornalista José do Patrocínio (1853-1905) estava em Paris e enviou uma carta ao escritor Victor Hugo (1802-1885), participando a ele a novidade. A carta de resposta do francês afirmava que a iniciativa cearense era um sinal de que "a barbárie recua e a civilização avança".

"O grande significado, o maior impacto [do fato ocorrido no Ceará] foi ter efetivamente começado, ter sido a primeira abolição do Brasil. Logo depois veio no Amazonas [em 10 de julho do mesmo ano] e isso mostrava que era um caminho que se fortalecia", analisa à BBC News Brasil a historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense e pesquisadora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

"O movimento abolicionista estava ganhando os seus primeiros resultados e o país já não era só escravista", acrescenta ela. "Foi uma vitória simbólica e política que teve enorme repercussão, animando o movimento abolicionista."

Professor na Universidade Estadual Paulista, o historiador Paulo Henrique Martinez enfatiza que, após o ato, "o fim do trabalho escravo se tornava uma realidade econômica e social concreta" no Brasil. 

"Uma opção política sem riscos para os grandes proprietários rurais que tinham investido recursos na aquisição e manutenção de cativos", diz ele, à BBC News Brasil.

Ele também destaca o "efeito multiplicador" do ocorrido, algo buscado pelas campanhas abolicionistas. "A abolição mostrava-se como o resultado de ações efetivas, de uma campanha ativa e dinâmica, impulsionada pela sensibilização e o engajamento da opinião pública e pela mobilização de maior apoio político e social", afirma. 

"Este foi o primeiro êxito coletivo, ultrapassando as vitórias alcançadas em situações individuais, localizadas e de pequenos grupos, como o apoio clandestino a fugas, a compra de alforrias ou iniciativas humanitárias e piedosas de senhores de terras e proprietários de cativos em áreas urbanas."

Pesquisador no grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista, e professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato situa a abolição no Ceará como "um marco dentro de um movimento amplo pelo fim da escravidão".

"Representa um marco político institucional, para além de um marco cultural, social e histórico", avalia ele, à BBC News Brasil. "Marca o início da abolição e isso ocorra dentro das instâncias representativas, dentro de um império que não estava mais tão centralizador como antes."

Missato atenta para o fato de que o ato denota que havia "uma flexibilidade provincial" e uma certa "autonomia provincial" dentro do império.

“É interessante pensar e falar sobre esse momento porque a gente fala sobre a abolição longe de uma perspectiva do episódio. Tratar o 13 de maio de 1888 [data da Lei Áurea] como um raio no céu azul é bastante complicado porque não é isso, [a abolição] é consequência de um acúmulo de lutas de atores diversos, de sociedades”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco, autor do livro Escravos da Religião e pesquisador na Universidade Federal Fluminense.

“São essas pessoas que conduzem a abolição e não uma canetada da princesa Isabel. Perceber a abolição mais como um acúmulo de lutas do que como um episódio isolado é sempre muito bem-vindo e interessante”, defende ele.

Pouca dependência econômica da escravidão

Ilustração mostra escravizados trabalhando no séc 19

CRÉDITO, ARQUIVO NACIONAL

Mas é preciso analisar o contexto da província cearense para entender como e por que esse marco institucional ocorreu lá. E a primeira razão que explica esse pioneirismo está não exclusivamente nas pressões sociais, mas também no viés econômico.

"Uma das razões é que em 1872 os escravos eram apenas 4% da população do Ceará, e esse percentual foi diminuindo em razão da venda de escravos cearenses para as regiões cafeeiras de São Paulo", explica o historiador Renato Pinto Venancio, professor na Universidade Federal de Minas Gerais e autor de, entre outros, Cativos do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e Brasil.

"A grande seca dos anos 1877-1879 [na região] acelerou esse processo de venda de escravos para outras regiões", salienta ele. "Em outras palavras, no início da década de 1880, a classe dominante local não dependia mais economicamente dos escravos."

Abreu concorda. "Precisamos ver que a escravidão negra não era o carro chefe da mão de obra no Ceará, não era fundamental para o movimento econômico de lá. Havia muitos trabalhadores já libertos, muitos indígenas escravizados ou não, então há uma importância não tão grande da mão de obra escrava negra, o que faz não haver uma classe senhorial que se agarrasse na escravidão como se aquilo, caso acabasse, representasse a sua morte", lembra a historiadora.

"A dinâmica econômica naquela província, por um lado, foi revelando a obsolescência e a inviabilidade da mão de obra cativa e, por outro, a organização e atuação de associações e de líderes abolicionistas e que assumiu, naquelas circunstâncias, dimensões e eficácia política singular", diz Martinez. 

"A excepcionalidade do que aconteceu no Ceará é testemunha dessa circunscrição ao contexto regional e cearense pois o fato não se repetiu em nenhuma outra província do Império."

Missiato lembra do contexto abolicionista brasileiro, sobretudo depois de leis restringindo e, depois, proibindo o chamado tráfico negreiro, ou seja, a chegada de novos escravizados, pelo Atlântico, diretamente da África.

Isto acabou intensificando um comércio interno de escravizados. E o nordeste se tornou um grande fornecedor para o sudeste, onde a cafeicultura ia crescendo e absorvendo mais mão de obra.

"Com o café já deslocando o centro do poder econômico do país para o sul, muitos escravos começam a sair da região nordeste por meio do tráfico interno", comenta. "É um contexto que deixou o número de escravos ao norte muito reduzido."

Especificamente no Ceará, isso era ainda mais intenso. "Porque ali, historicamente, a agricultura de cana de açúcar não era a única grande produção econômica. Havia pecuária, circulação comercial e atividades que não exigiam tanto a mão de obra escrava. Além disso, a presença indígena era muito forte", analisa ele.

Movimento abolicionista

Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

CRÉDITO, ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto, 

Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

Contudo, o contexto social, político e histórico também não pode ser negligenciado. A luta de parte da sociedade pela abolição era grande em diversos pontos do país — e o Ceará fazia parte desse movimento.

"Havia no Ceará a partir de 1850 um movimento político intelectual muito forte, com impacto na opinião pública e uma incipiente sociedade civil, que lutava pelas ideias abolicionistas e absorviam as ideias que vinham de fora", diz Missiato.

"A conjuntura do movimento abolicionista era uma realidade no Brasil", acrescenta Abreu. 

"E, principalmente a partir dos anos 1880, tinha ramificações em todas as grandes cidades. Estava enraizado nos setores intelectuais, entre os letrados. Era um movimento urbano, artístico e social muito importante, junto a irmandades negras e associações de trabalhadores."

O historiador Martinez ressalta a participação da elite. 

"Convém lembrar que a base social do abolicionismo no Ceará contou com representantes de grupos econômicos poderosos, os seus contatos no Rio de Janeiro, acesso e influência parlamentar na Assembleia do Império", pontua. 

"No início da década de 1880 surgiram agremiações de abolicionistas na província. Em 1882, José do Patrocínio participou de atos e encontros pelo fim da escravidão no Brasil. Em 1883, foi criada a Confederação Abolicionista com a finalidade de coordenar campanhas e ações em todas as províncias do Império. A Sociedade Abolicionista Cearense integrou o agrupamento de entidades associativas que esteve na origem desta Confederação."

Jangadeiros

Houve nessa província um antecedente importante da luta. Por isso, Venancio atenta que, "apesar dessas condições estruturais favoráveis", não pode ser esquecido o papel do movimento abolicionista no episódio de 1884. "Ele [o abolicionismo] existiu no Ceará e inclusive teve apoio popular, como no caso dos jangadeiros", afirma.

Abreu comenta que os jangadeiros "foram um grande exemplo" do movimento abolicionista naquela região.

Em janeiro de 1881, os jangadeiros que atuavam no Porto de Fortaleza decidiram fazer uma greve, fechando o porto ao tráfico de escravizados. A ação foi liderada pela Sociedade Libertadores Cearense. Até 1884, esse movimento teve altos e baixos, inclusive com confrontos entre os militantes e a polícia.

Os ânimos só começaram a ser apaziguados quando Sátiro Dias assumiu o governo da província, em 1883. Simpático às ideias abolicionistas, ele passou a dialogar com os grevistas e, claro, a extinção da escravidão no Ceará acabou sendo a hábil solução do político.

Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

CRÉDITO, ACERVO BIBLIOTECA NACIONAL

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Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

Repercussão

"Uma medida dessas [a abolição cearense] soltou a chama da liberdade, que se espalhou pelo país inteiro, ainda que naquela época as notícias demorassem um pouco mais para serem conhecidas", afirma à BBC News Brasil o advogado Humberto Adami, presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão da Ordem dos Advogados (OAB) do Brasil no Rio de Janeiro, vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escradião Negra do conselho federal da OAB e presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros.

"A primeira notícia de abolição da escravidão acabou fazendo com que seguidores dessas ideias seguissem lutando por elas", complementa.

A historiadora Abreu lembra que, nesse momento, havia uma verdadeira rede de abolicionistas, com intercâmbio de informações. "E o Ceará acaba ganhando uma projeção enorme", ressalta ela.

"Foi o primeiro rompimento da ordem escravista nacional. Saiu em todos os lugares. Teve comemorações em Londres e Paris, afinal a rede abolicionista era internacional. O Ceará passou a fazer parte, junto a outros locais, dessa evidência do fim da escravidão. Quanto mais territórios livres houvesse no mundo, melhor", analisa.

Venancio comenta que "a recepção da abolição do Ceará na corte" foi "muito positiva e acelerou a adesão ao abolicionismo".

"Os protagonistas e as ações verificadas no Ceará foram saudados e aclamados pelos dirigentes e participantes nas campanhas pela abolição em diferentes cidades, jornais e pronunciamentos públicos, sobretudo no Rio de Janeiro. O líder dos jangadeiros que promoveram o boicote ao desembarque de cativos no porto de Fortaleza, posteriormente, foi recebido e festejado no Rio de Janeiro, proporcionando aglomerações e animando discursos, artigos, conferências e conversas nas ruas, teatros e salas de visitas", enumera Martinez.

"O debate sobre o tema e os rumos a serem seguidos para abolir a escravidão em todo o Império adquiria presença e crescente visibilidade pública. Nos gabinetes ministeriais, nos discursos parlamentares, nos tribunais, nos círculos de negócio e do comércio as opiniões, críticas e argumentos sobre a abolição eram aventadas e discutidas abertamente, sendo incorporadas à agenda política até a Lei Áurea, em 1888."

Segundo o historiador, a busca de uma solução política a curto prazo se tornou urgente, porque era preciso espantar "o temor da participação popular e da autonomia que adquiriram o protesto negro e a revolta dos cativos nas fazendas". "Ainda que as resistências a ela tenham sido duras e persistentes nos quatro anos seguintes aos episódios no Ceará", pondera ele.

quarta-feira, 20 de março de 2024

ERVAS SECAS .


 

SOBRE OS VELHOS DONOS DO ENSINO MÉDIO E DA EDUCAÇÃO INFANTIL, E SEUS CAPITĀES DO MATO. A POBREZA, VIOLÊNCIAS E MORTES QUE GERAM EM EPÓCAS DE ATAQUES A DEMOCRACIA E CONTRA A CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO.


 

O corretor britânico Nicholas Winton transportou 669 crianças, em sua maioria judias, da cidade tcheca para a Grã-Bretanha, durante a segunda guerra mundial e salvou suas vidas. Podemos fazer isso agora na Palestina? Salvar crianças por direito à vida sem contar todo legado que elas podem deixar para humanidade e o planeta, através de seus dons, trabalho, educação, arte, esporte, ciência, tecnologia, liderança política, atuação social e ambiental, espiritualidade, família, amor... Já foi calculado por um economista quanto vale uma vida ou o capital humano para uma empresa, mas eles calcularam quanto vale a ética no mundo dominado por guerras, violências, criminalidades, corrupção e brutais desigualdades? 



Apenas sei que numa escola pública de educação infantil observamos todos os dias as falas, gestos, olhares, expressões corporais de centenas de crianças que dizem ser as escolas feitas para elas em seus nomes! Muitas delas devido a pobreza e as condições sociais em que vivem chegam doentes às escolas, sem cuidados, famílias fragilizadas em lugares dominados pelo crime. Algumas de tanta opressão são negadas suas existências e sonhos, incluindo dentro da escola por práticas pedagógicas que transforma elas num número ou nota. Essa miopia social não consegue enxergar os dons nem a vida. 



Nós podemos dar pequenos passos com elas que façam diferença em suas vidas e na escola. É o que fazem hoje milhares de professores, nas escolas brasileiras, tirando dinheiro do seu bolso para dar condições de educação em suas salas, compram data show, material pedagógico e de higiene, brinquedos, alimentos e outros. Na cidade de Fortaleza centenas de professores fazem isso todos os dias. A educação é um trem que tira a criança de um lugar e leva com sua aprendizagem para outros, salvando vidas, em períodos de guerra que vivemos contra os pobres praticados por elites violentas, bilionários e políticos corruptos que usam o Estado para seus objetivos, cada vez  mais absurdos na educação. 



A matemática da vida é uma poesia, uma obra de arte escrita com ética e justiça social no meio das guerras de ego e delírios dos poderosos. Contra eles o talento de crianças, jovens e professores, na sua predisposição natural na sua mais extrema manifestação. Contra a mediocridade e ignorância, professores têm sido levados à exaustão e esgotamento, destruindo vários bons profissionais por falta de condições mínimas de funcionamento nas escolas. A pobreza extrema da vida dos alunos e da situação das escolas tem sido mascaradas por oligarquias, políticos profissionais, fundações empresariais com falsos discursos que não se sustentam na Democracia, ciência e são instalados em períodos de golpes contra o povo como Temer.



A geometria divina escreve a história ora por guerras, bombas, revoluções quando deveria ser pela verdadeira educação, não a serviço de gerar capital para alguns, mas a serviço das vidas. Contra a mediocridade e a ignorância, temos o espirro, a paixão e a riqueza da vida e da boa educação das crianças e jovens que não podem ser escondidas, nem freadas, em seus propósitos. Os professores não podem e não serão calados por qualquer regime de violência contra a educação e as vidas. A nossa devoção obstinada pela educação, nos faz enxergar todos os dias as duras realidades em que vivemos, e o potencial que nossos alunos podem ter vivendo existências plenas pelos quais temos o caminho de lutar sempre. 


Nós não vamos negociar vidas de crianças e jovens, que façam isso os políticos e elites corruptas e brutas. As luzes brilhantes do saber iluminam as estratégias obscuras dos poderes medíocres, loucos e seus podres interesses. A verdade e a beleza continuam a existir nos sonhadores, nos curiosos, nas crianças e nos jovens. A lógica e intuição podem ser ensinadas, lado a lado, com capacidades críticas, autonomias e utopias, em milhares de horas, apesar de vocês. Mas precisamos ser honestos com nossas fraquezas, onde podemos sempre melhorar, reconhecê-las com coragem e traçar novos caminhos com metas alcançáveis. Educar crianças e jovens iluminados por inteligências aguçadas por forças interiores de insondáveis profundidades, caminhar pelo desconhecido até chegar aos triunfos que a vida nos proporciona. FORA NOVO ENSINO MEDIO, CAMILO E LEMANN.       





sábado, 24 de fevereiro de 2024

Em agosto nos vemos. Gabriel García Márquez.

 

Um romance extraordinário que só Gabriel García Márquez poderia escrever, Em agosto nos vemos, livro inédito e póstumo do autor, é um hino à vida, ao desejo feminino e à resistência do prazer apesar da passagem do tempo. Um presente inesperado do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura para o mundo. 

 

Todo mês de agosto, Ana Magdalena Bach pega uma barca para uma ilha caribenha a fim de colocar um ramo de gladíolos no túmulo de sua mãe. Todos os anos, ela se hospeda em um hotel e, antes de dormir, desce para comer algo no bar. Para não ter erro, ela pede sempre o mesmo sanduíche de presunto e queijo e depois sobe para seus aposentos. Até que, certa vez, um homem a convida para uma bebida. E, depois do primeiro gole de seu gim com gelo e soda, sentindo-se atrevida, alegre, capaz de tudo ― inclusive de se despir de suas amarras conjugais, esquecendo momentaneamente marido e filhos ―, ela cede aos avanços do desconhecido e o leva para seu quarto.

Essa noite específica faz com que Ana Magdalena ― e sua vida ― mude para sempre. E, depois dessa experiência, ela passa a ansiar por cada mês de agosto, quando não apenas visita o túmulo de sua mãe como também tem a chance de escolher um amante diferente todos os anos.

Escrito no estilo fascinante e inconfundível de um dos maiores ícones da literatura latino-americana, Em agosto nos vemos pinta o retrato de uma mulher que descobre seus desejos e se aprofunda em seus medos. Uma preciosidade que vai encantar fãs do saudoso Gabo, assim como novos leitores desse grande escritor.

 

“Nenhum escritor desde Dickens foi tão lido e tão amado quanto Gabriel García Márquez.” - Salman Rushdie

“Pode-se dizer que poucos autores escreveram livros que mudaram todo o curso da literatura. Gabriel García Márquez fez exatamente isso. - Guardian

“Um dos autores mais visionários ― e um dos meus favoritos de quando eu era jovem.” - Barack Obama

'Achar que é tarde demais só leva a não fazer nada': o otimismo de pesquisadora de Oxford diante da emergência climática

 'Achar que é tarde demais só leva a não fazer nada': o otimismo de pesquisadora de Oxford diante da emergência climática

La científica de datos Hannah Ritchie

CRÉDITO, ANGELA CATLIN

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Hannah Ritchie é autora do livro 'Not the End of the World', em que ela apresenta dados que a deixam otimista em relação às mudanças climáticas

  • Author, India Bourke
  • Role, BBC Future

Em uma pesquisa global sobre como os jovens se sentem em relação às mudanças climáticas, metade dos entrevistados respondeu que acredita que "a humanidade está condenada".

Em outras palavras, eles não creem que as necessidades da geração atual possam ser atendidas sem prejudicar a próxima. E receiam que a vida como conhecemos hoje não seja sustentável.

A cientista de dados Hannah Ritchie costumava pensar da mesma forma. Na adolescência, ela temia que a devastação do planeta pela humanidade — em todas as suas formas, do desmatamento à pesca predatória, culminando nas mudanças climáticas — gerasse uma série de problemas insolúveis.

Sua formação acadêmica, iniciada na Universidade de Edimburgo, na Escócia, com apenas 16 anos, apenas parecia confirmar estas preocupações.

"Eu estava convencida de que não havia mais um futuro", escreve Ritchie, agora com 30 anos, em seu primeiro livro, Not the End of the World ("Não é o fim do mundo", em tradução livre) Hoje, no entanto, ela pensa diferente. Embora ainda esteja preocupada com o rumo que o mundo está tomando, acredita que há esperança de que a humanidade seja capaz de reverter seu curso.

Como editora-assistente da plataforma digital Our World In Data, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pesquisadora sênior da renomada instituição, ela apresenta avanços e estatísticas que contam uma história mais otimista — desde a melhoria da qualidade do ar até o aumento das vendas de veículos elétricos.

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Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

Ritchie conversou com a BBC Future Planet sobre o que mudou sua maneira de pensar, por que o mundo poderia estar atingindo seu "pico de poluição" - e maneiras de garantir um futuro mais sustentável.

BBC Future Planet - O que a levou a mudar de ideia sobre o futuro da humanidade? E por que você acha agora que as previsões "catastróficas" não inspiram ação?

Hannah Ritchie - As mudanças climáticas sempre fizeram parte da minha vida, e sempre me preocupei bastante, desde criança. Piorou quando entrei para a universidade, porque estava estudando ciências ambientais, e todas as tendências iam na direção contrária.

Na época, eu me sentia muito ansiosa, sem esperança, como se esses problemas fossem completamente insolúveis.

Um divisor de águas fundamental para mim foi descobrir o trabalho do médico e estatístico sueco Hans Rosling. Quando estava estudando, supunha que todas as métricas de bem-estar humano - como a pobreza global, a mortalidade e a fome - também estavam piorando em paralelo às ambientais.

Mas Rosling fazia palestras no TED em que mostrava, por meio de dados, como o mundo havia mudado para melhor nos últimos séculos.

Então comecei a me perguntar: podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo? Podemos continuar a melhorar o bem-estar humano, enquanto também reduzimos nosso impacto ambiental?

E, ao longo dos últimos 10 anos mais ou menos, de acordo com os dados ambientais, tem havido sinais para um otimismo cauteloso.

O problema do pessimismo catastrófico não é que as pessoas acham que as mudanças climáticas são um problema muito sério - porque eu também acho. É a ideia de que é tarde demais para fazer algo a respeito.

Acho que a ciência é muito clara em relação a que nunca é tarde demais; os impactos das mudanças climáticas estão num espectro, e aonde chegaremos nesse espectro depende do que fazemos hoje.

Quanto mais medidas a gente tomar, mais vamos limitar os danos climáticos.

A sensação de que "é tarde demais" apenas leva à inércia e à paralisia. E eu sei, por ter me sentido assim no passado, que isso não me tornou muito eficiente na promoção de soluções.

Um homem usando uma máscara protetora contra a poluição do ar

CRÉDITO, GETTY IMAGES

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O mundo já está reduzindo os níveis de poluição do ar em muitas cidades

BBC Future Planet - Há uma série de ameaças à saúde humana e planetária. Mas sua análise de dados deu a esperança de que um futuro mais verde é possível. Qual você acha que tem sido o exemplo mais forte da capacidade da humanidade de mudar para melhor?

Ritchie - Houve uma época que a camada de ozônio foi o grande problema das mudanças climáticas, e não falamos mais sobre isso porque é um problema que resolvemos.

Reduzimos as emissões de gases que destroem a camada de ozônio em mais de 99%. É fácil olharmos para trás agora e dizer que isso era inevitável. Mas acho que as pessoas que trabalhavam nisso na época enfrentaram uma forte resistência por parte dos governos, assim como da indústria, que negaram que se tratasse de um problema.

É possível ver muitos paralelos entre isso e as mudanças climáticas hoje.

Outro exemplo é a chuva ácida. Este foi um grande problema ambiental que, especialmente na Europa e na América do Norte, fizemos um trabalho muito bom para combater.

No que diz respeito à poluição atmosférica de forma mais ampla, embora ainda seja um enorme problema de saúde, temos visto avanços. 

Nos países ricos, em particular, as políticas públicas têm sido bastante eficazes na redução da poluição atmosférica local. E a China conseguiu reduzir drasticamente os níveis de poluição em muitas cidades do país num período muito curto de tempo.

Floresta destruída pela chuva ácida

CRÉDITO, GETTY IMAGES

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O dióxido de enxofre é responsável pela chuva ácida que destrói florestas em todo o mundo, mas as suas emissões já atingiram o pico e começaram a diminuir

BBC Future Planet - O seu livro dá uma série de exemplos da transição verde já em curso em todo o mundo. Tendo em vista estas tendências, você diria que o planeta já atingiu seu "pico de poluição"?

Ritchie - Isso requer comparar muitas métricas diferentes. Vou dizer que estamos muito perto do pico de poluição. Estamos muito perto do pico das emissões de CO2. E espero que alcancemos o pico e comecemos o declínio em breve.

No que diz respeito à poluição atmosférica, podemos estar muito, muito próximos do pico. E já ultrapassamos o pico no caso de alguns poluentes atmosféricos – como o dióxido de enxofre, que provoca a chuva ácida.

Também atingimos o pico em coisas pequenas, mas significativas, como a venda global de carros com motor de combustão. Portanto, há uma série de picos menores que se somam para alcançar um pico de poluição em um nível macro.

BBC Future Planet - Você fala muito sobre o poder positivo das novas tecnologias e do avanço tecnológico. O que mais está ajudando a humanidade a chegar ao pico de poluição?

Ritchie - A queda do custo da energia de baixo carbono — em particular solar, eólica e baterias — é essencial para atingirmos o pico e reduzirmos as emissões de CO2.

Para avançar, essas tecnologias precisam ser competitivas ou custar menos do que os combustíveis fósseis. Sem isso, nossas perspectivas de combater as mudanças climáticas seriam muito baixas.

Então, é uma boa notícia que muitas já tenham custos competitivos.

Carros elétricos carregando

CRÉDITO, GETTY IMAGES

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Aos poucos, consumidores estão optando por carros elétricos

BBC Future Planet - Qual é o maior obstáculo para alcançar o pico de poluição?

Ritchie - Um fator importante que limita os avanços é a falta de investimento na transição energética e em tecnologias limpas por parte das empresas de combustíveis fósseis.

Elas geram lucros extremamente altos que poderiam ser reinvestidos em soluções inovadoras, mas não estão fazendo isso.

Isso não significa acabar com os combustíveis fósseis amanhã, mas significa investir em um futuro energético limpo.

Outro desafio para atingir o pico de poluição — tanto em termos de emissões de CO2, quanto de poluição atmosférica — são os níveis de pobreza energética no mundo. Nos países ricos, a poluição está caindo, mas continua a aumentar nos países de baixa e média renda.

Isso porque há bilhões de pessoas que, com toda a razão, querem um padrão de vida mais elevado. Para estes países, a prioridade não é necessariamente como manter a poluição baixa, mas como fornecer energia de forma rápida e barata.

BBC Future Planet - As dietas ricas em carne representam um desafio em particular para ultrapassar o pico de poluição global – seja em termos de desmatamento ou de emissões. O que você diria aos políticos que têm receio de dizer à população o que fazer quando se trata da alimentação?

Ritchie - Sou muito mais otimista em relação à transição energética, e menos em relação ao aspecto do sistema alimentar. Muitos indivíduos realmente não se importam com de onde vem sua energia.

Eles podem protestar pela construção de um parque eólico ou solar, mas a maioria das pessoas não se importa, desde que a energia seja barata e confiável.

Já a dieta é uma questão muito pessoal. Está fortemente ligada à nossa identidade, e as mudanças de hábito individuais são mais difíceis de serem alcançadas do que as tecnológicas.

Sou cética de que veremos uma transição para dietas à base de legumes e verduras a longo prazo e em larga escala, sem avanços tecnológicos bastante significativos — que podem fornecer às pessoas produtos semelhantes à carne.

Em geral, também sou muito cautelosa ao dizer às pessoas o que elas devem fazer. 

Aconselhar algo é ineficaz — especialmente em relação ao que as pessoas comem, mas também de forma mais ampla. Portanto, para os políticos, é uma linha bastante tênue. Como você mostra à população os impactos e as alternativas, mas sem impor nada?

Construção de uma rede de energia solar na China

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A energia solar tem se tornado cada vez mais barata

BBC Future Planet - Outras pessoas que, como você, enfatizam a importância da tecnologia e a possibilidade de crescimento econômico contínuo, foram chamadas de "ecomodernistas". E algumas das soluções de tecnologia de ponta que este grupo defende – como a energia nuclear, a intensificação agrícola e a carne cultivada em laboratório – suscitaram preocupações.

Você se identifica com o termo "ecocomodernista"? E o que você diria àqueles que advertem que, às vezes, depender de novas tecnologias pode acelerar o declínio ambiental?

Ritchie - Provavelmente há uma série de definições do que é um ecomodernista. Para mim, a tecnologia é apenas uma ferramenta.

Não creio que a tecnologia por si só nos salve, mas quando se tenta aplicar soluções para 8 bilhões de pessoas, você precisa dela.

Muitas vezes, as pessoas tentam buscar soluções do passado. Elas podem ter funcionado para uma pequena população de milhões de habitantes, mas não dão conta de uma população de bilhões.

Na agricultura, por exemplo, você não consegue alimentar 8 bilhões de pessoas sem mudanças tecnológicas sólidas e sem aumentar o rendimento das colheitas — o que temos visto com as inovações tecnológicas. 

Também contestaria o fato de a energia nuclear ser uma nova tecnologia: ela existe há muito mais tempo do que a energia solar e eólica.

Mesmo se a ideia for reduzir drasticamente a demanda individual pelos recursos do planeta, mudando nossos hábitos, ainda assim precisaríamos de um forte componente tecnológico.

Mesmo que a demanda de energia seja menor, por exemplo, você ainda vai precisar de muita energia solar, eólica, de baterias. E você provavelmente ainda vai precisar de energia nuclear, geotérmica ou hidrelétrica para ter uma rede equilibrada.

Então, acho que muitas vezes há uma falsa dicotomia. Mesmo num mundo em que é necessário reduzir a demanda, você ainda vai precisar de desenvolvimentos tecnológicos bastante sólidos.

BBC Future Planet - O empresário Bill Gates e o jornalista americano David-Wallace Wells a aclamaram como a "Hans Rosling do movimento ambientalista", com base no seu otimismo sobre o potencial mundial para um desenvolvimento positivo. Outros alertaram, no entanto, que figuras como Rosling vão longe demais no seu otimismo, e que as médias podem obscurecer as desigualdades subjacentes entre os países e dentro dos países. Quão consciente você está destes riscos?

Ritchie - Não podemos olhar apenas para as médias globais. No nosso trabalho na plataforma Our World in Data, mostramos métricas de dados entre países, não apenas a média global.

Isto revela muitas vezes que, embora ainda existam desigualdades muito grandes, do ponto de vista humano as coisas estão melhorando.

Hans Rosling

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O médico e acadêmico sueco Hans Rosling (1948-2017) defendeu o uso de dados e a visualização de dados para analisar questões de desenvolvimento

BBC Future Planet - Você está esperançosa no início de 2024, um ano de eleições nos EUA, de que o mundo vai manter sua trajetória positiva em relação ao pico de poluição?

Ritchie - Acho que é um ano decisivo. Estou bastante preocupada com algumas eleições: o [resultado] nos EUA será crucial. Poderia retardar significativamente a transição do país — e a forma como outros países respondem — se recuar na ação climática.

Então, é importante que haja incentivos econômicos para a transição energética. Quando há tais incentivos, estas coisas podem começar a acontecer mesmo sem um forte apoio político.

Precisamos construir soluções e configurações capazes de resistir às oscilações de um lado político para o outro.

BBC Future Planet - O que a deixa mais esperançosa?

Ritchie - O número de pessoas incríveis de tantas áreas trabalhando nesses problemas.

Eu me senti muito desamparada quando achei que estava sozinha e que outras pessoas não estavam trabalhando nisso. Mas agora o cenário mudou drasticamente.

É o que me deixa mais otimista de que podemos chegar lá.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.