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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O que esperar do possível primeiro encontro entre Lula e Trump na Assembleia Geral da ONU

 

Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump

Crédito,Getty Images

    • Author, Giulia Granchi
    • Role,Enviada especial a Nova York da BBC News Brasil

A Assembleia Geral da ONU de 2025, que começa nesta semana em Nova York, será o primeiro grande palco internacional em que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump poderão estar frente a frente como presidentes, em meio à escalada da crise entre Brasil e Estados Unidos.

O possível encontro, ainda que sem reunião bilateral confirmada, ocorre no momento em que começaram a ser aplicadas as tarifas de 50% impostas por Washington sobre produtos brasileiros.

Historicamente, o Brasil é o país que abre os discursos na sessão plenária da assembleia.

Nos bastidores, fontes próximas à delegação brasileira afirmam que existe uma antessala para os presidentes antes e depois dos discursos, mas não há indicação de que eles necessariamente se cruzarão.

Em entrevista à BBC News Brasil, Lula afirmou não ter "problema pessoal com o presidente Donald Trump" e declarou que, caso cruze com o republicano nos corredores das Nações Unidas nos próximos dias, irá cumprimentá-lo.

"Porque eu sou um cidadão civilizado. Eu converso com todo mundo, eu estendo a mão para todo mundo."

Em agosto, Celso Amorim, assessor especial da Presidência, afirmou à CNN que um encontro formal não está nos planos, mas ressaltou que "nada é imutável" desde que hajam gestos que justifiquem uma reunião.

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Havia expectativa de que Lula e Trump se encontrassem em junho, durante a cúpula do G7 no Canadá, mas os líderes não cruzaram caminhos. O presidente americano deixou o evento antes do encerramento, alegando a necessidade de se dedicar ao conflito no Irã, o que adiou qualquer possibilidade de gesto de aproximação.

A sequência de desentendimentos começou na primeira semana de julho, quando Trump classificou as acusações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal como uma "caça às bruxas". Poucos dias depois, em 9 de julho, anunciou a sobretaxa de 50% sobre importações brasileiras.

No dia seguinte, Lula reagiu chamando a medida de "chantagem inaceitável" e prometendo retaliar. Em 15 de julho, o governo brasileiro regulamentou a chamada Lei de Reciprocidade, estabelecendo mecanismos de resposta a sanções estrangeiras.

Na entrevista à BBC News Brasil, Lula disse que a melhor alternativa "para qualquer conflito" é "sentar em torno de uma mesa e negociar".

"Se é do ponto de vista comercial, tem negociação, se é do ponto de vista econômico, tem negociação, tanto do ponto de vista de tributação, tem negociação. O que não tem negociação é a questão da soberania nacional", pontuou Lula.

Em 1º de agosto, as tarifas norte-americanas entraram em vigor, e em 11 de setembro veio a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão pelo STF, decisão que reacendeu a disputa: Trump criticou o julgamento, anunciou restrições de vistos a ministros da Corte e Lula respondeu em um artigo defendendo a democracia brasileira.

No texto, publicado no jornal americano The New York Times, Lula se disse a favor de "um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos", mas critica duramente as tarifas impostas por Washington.

"O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem enfrentam tarifas elevadas aqui. Pelo contrário: acumulam um superávit de mais de US$ 400 bilhões nos últimos 15 anos."

Ele também rebate a ideia de que haja perseguição política no Brasil e enaltece o papel do Judiciário.

"Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal brasileiro por sua decisão histórica, que protegeu nossas instituições e o Estado democrático de direito. Não se tratou de uma 'caça às bruxas', mas de um julgamento conduzido de acordo com a Constituição de 1988."

Agora, com a ONU como pano de fundo, a presença dos dois líderes em Nova York deve ser acompanhada de perto por diplomatas e observadores internacionais. Mais do que um eventual — e, segundo especialistas, improvável — aperto de mãos, o que se mede é a disposição de Brasília e Washington para frear a escalada de atritos que, em menos de três meses, transformou divergências políticas em uma crise comercial aberta.

Diálogo é improvável, dizem especialistas

Para Paulo Velasco, professor de política internacional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), as posições firmes de Brasília e Washington tornam improvável qualquer esforço real de diálogo na Assembleia Geral da ONU: "O Brasil está defendendo sua soberania e repelindo qualquer forma de ingerência externa indevida, enquanto o governo Trump acredita estar agindo corretamente, considerando que o Brasil faz uma 'caça às bruxas', para repetir o termo usado por ele."

Velasco ressalta ainda que Lula não se colocará em situações que possam se tornar constrangedoras, como "alguns desafios que aconteceram com o Zelensky, por exemplo, em fevereiro na Casa Branca".

Na ocasião, o encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e da Ucrânia, que tinha como objetivo a assinatura de um acordo sobre a exploração de recursos minerais, terminou em uma discussão menos amigável do que o esperado.

Trump acusou Zelensky de "jogar com a Terceira Guerra Mundial" e de "não ser muito grato" pelo apoio americano, enquanto o líder ucraniano tentava interromper o americano. A tensão levou ao cancelamento da coletiva de imprensa conjunta e Zelensky deixou a Casa Branca sem o acordo assinado.

"Então eu acho que o Lula não se permitirá passar — pela experiência internacional que ele tem — por uma cena constrangedora ao lado do Trump. Particularmente estou bastante cético, e não acho que a gente vai ver uma aproximação na semana que vem entre os dois, talvez sequer um aperto de mãos entre eles."

Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), complementa que qualquer contato entre os líderes será meramente formal: "Eles estarão na sala de espera antes de subir ao pódio da Assembleia Geral e podem nem sequer se falar. Não haverá tempo nem equipes preparadas para negociações substantivas. O máximo que se poderá observar são sinais sutis, como a linguagem corporal ou um cumprimento rápido."

Sobre os discursos, Spektor avalia que o foco será doméstico: "O púlpito da Assembleia Geral é usado para falar com os eleitores, não com outros países. Lula deve centrar o discurso na soberania, no livre comércio e nas instituições internacionais, com tom crítico ao que o Trump vem fazendo. Já Trump provavelmente falará sobre o radicalismo da esquerda e mirando sua base eleitoral nos EUA."

Ele conclui lembrando o caráter político da Assembleia: "A Assembleia Geral não é um local para negociar acordos ou alianças, mas define o tom político global e indica para onde se movimenta o pensamento internacional."

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